A Quarta Internacional e o movimento trotskista sem Trotsky
Escrito por Francisco Moreira, publicado no jornal “El Socialista” N 473 (Publicação do Izquierda Socialista, seção argentina da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI)
Neste segundo artigo repassamos as origens da Quarta Internacional e os debates que houveram no movimento desde a morte de Trotsky. Resgatamos o papel de Nahuel Moreno, que batalhou contra o revisionismo oportunista e os grupos sectários. Sob seus ensinamentos, nós do Izquierda Socialista e da UIT-QI continuamos a luta revolucionária trotskista.
Desde 1924, Josef Stalin e seu grupo começaram a impor no Partido Comunista e na URSS um regime burocrático cruel, elaborando a utopia reacionária de construir o “Socialismo em um só país”, encorajando a coexistência pacífica com o imperialismo e conciliação com as burguesias. Léon Trotsky encabeçou a oposição à virada burocrática stalinista, em defesa da democracia operária e do internacionalismo proletário. Mas foi derrotado e expulso do partido e da URSS.
A contra-revolução stalinista na URSS aconteceu junto ao avanço do fascismo e nazismo na Europa. A condução de Stalin foi responsável pelas derrotas que o proletariado sofreu. A política de conciliação com a burguesia levou a derrota da revolução Chinesa (1925/1927). Depois que o stalinismo endossou a política sectária que permitiu o ascenso de Hitler em 1933, Trotsky concluiu que a Terceira Internacional estava morta e se deu a tarefa de fundar uma nova organização mundial. Em setembro de 1938, nos arredores de Paris, se fundou a Quarta Internacional, cujo Programa de Transição, elaborado por Trotsky, afirmava que a situação mundial se sintetizava na frase: “A crise da humanidade é a crise de sua direção revolucionária”
O assassinato de Trotsky e o vazio de direção.
A fundação da Quarta e a adoção do Programa de Transição foram os maiores acertos de Trotsky. Graças a ele, teve continuidade o único marxismo revolucionário existente, o trotskismo. Cumpria o objetivo de preparar um marco organizativo e programático diante da perspectiva de novos ascensos revolucionários para superar a crise de direção e chegar à conquista do poder pela classe operária.
Mas o assassinato de Trotsky, em 21 de agosto de 1940, cortou abruptamente esse processo. Nesse ano, não estava mais vivo nenhum dos dirigentes do velho partido Bolchevique, muitos deles assassinados nos expurgos stalinistas. Com seu crime, Stalin buscou acabar com a única possibilidade de construir uma direção revolucionária que se organizava ao redor da figura de Trotsky, que era quem sintetizava as experiências do marxismo revolucionário desde o começo do século XX.
A morte de Trotsky dividiu a história do movimento trotskista. Sua desaparição provocou um abrupto vazio de direção na Quarta Internacional. Essa situação se somava às terríveis condições das décadas de 1920 e 1930, que não permitiram ganhar novos dirigentes forjados nas lutas operárias, e o início da Segunda Guerra Mundial, que aprofundou a desagregação organizativa da Quarta, em que pese a heróica atividade dos trotskistas na luta contra o nazismo.
A luta contra o revisionismo oportunista e o sectarismos no Trotskismo.
A derrota do nazismo e o grande ascenso revolucionário previstos por Trotsky aconteceram. Mas a Quarta Internacional, projetada para ser a direção revolucionária das massas, praticamente sem direção política e desorganizada atravessaria anos de debilidade, crises e desagregação.
O vazio de direção na Quarta foi subtituido por uma direção oportunista, encabeçada pelo dirigente grego Michel Pablo e pelo belga Ernest Mandel. Desde o terceiro Congresso, em 1951, Pablo e Mandel impuseram o curso revisionista oportunista, promovendo a capitulação às direções majoritárias das massas, os Partidos Comunistas burocráticos e reformistas e os movimentos nacionalistas burgueses.
Com a definição equivocada de que iria acontecer uma terceira guerra mundial e que os partidos comunistas stalinistas voltariam a ser revolucionários, iniciaram um entrismo nesses partidos que durou cerca de 20 anos na Europa. O dirigente argentino Nahuel Moreno combateu a política oportunista desde 1948. Denunciou que esse entrismo implicava em renunciar a tarefa fundamental de construir partidos revolucionários da Quarta Internacional. Mas Pablo e Mandel impuseram sua política capituladora com métodos burocráticos, levando à ruptura da Quarta em 1952. Nesse mesmo ano, cometeram uma das maiores traições. Em meio à revolução na Bolívia, ordenaram aos trotskistas, contradizendo toda a experiência revolucionária prévia, a apoiar o governo nacionalista burguês de Víctor Paz Estenssoro. Em oposição, pelo partido argentino, Moreno impulsionou combater o governo e encorajar a luta pelo poder das organizações operárias e camponesas (As milícias e a Central Obrera Boliviana – COB).
A capitulação de Pablo e Mandel se repetiu diante da direção nacionalista pequeno-burguesa castrista, que encabeçou a revolução cubana a partir do fim da década de 1950. Como reação, surgiu uma ala sectária, encabeçada por Gerry Healy e Pierre Lambert, que negavam o caráter operário do Estado cubano. Se opondo a ambos setores, Moreno foi definindo o caráter operário do Estado cubano e ratificou o caráter burocrático e oportunistas da direção castrista, a necessidade de uma revolução política e de construir partidos trotskistas como a única alternativa de direção internacionalista e revolucionária.
Nos anos 1980, o Secretariado Unificado, encabeçado por Mandel, apoiou o governo de conciliação de classes de Daniel Ortega e Violeta Chamorro, que surgiu através da revolução sandinista de 1979. Rompendo com os princípios revolucionários, endossou a repressão aos trotskistas que, orientados por Moreno, dirigiam a brigada de combatentes Simón Bolívar. O mandelismo abandonou as definições centrais do trotskismo de construir partidos revolucionários, que foi substituída por construir “partidos anticapitalistas amplos”, e a necessidade do governo de trabalhadores. Nas últimas décadas, seus partidários apoiaram governos burgueses do PT no Brasil, sendo parte de seu ministério ; De Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela e o governo de Syriza na Grécia.
Continuamos a luta revolucionária de Trotsky
Nós de Izquierda Socialista e da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI), continuamos a luta revolucionária de Trotsky sob o fio condutor que nos deixou nosso professor e dirigente máximo Nahuel Moreno, na batalha por manter os princípios e a política trotskistas. Seguimos defendendo a independência de classe, a necessidade do partido revolucionário com centralismo democrático e a construção de uma organização revolucionária internacional que lute por governos dos trabalhadores em cada país e pelo socialismo com democracia operária em todo o mundo.
No século XXI, a classe operária e as massas não deixaram de protagonizar heróicas lutas, rebeliões e revoluções. Exemplos disso são a rebelião anti-racista nos EUA contra Trump, a rebelião popular no Líbano, as mobilizações multitudinárias em Belarus. Mas, como nos tempos de Trotsky e Moreno, segue existindo a necessidade de superar a crise de direção revolucionária, uma batalha que seguimos dando, combatendo a autoproclamação e o sectarismo, que foram resposta equivocada ao oportunismo, e chamando a “unir os revolucionários” na tarefa de reconstruir a Quarta Internacional.