Estamos ante a iminência do fascismo?

Adolfo Santos (Coordenação Nacional da CST/PSOL)

É lamentável como setores da esquerda agitam o fantasma do fascismo para justificar políticas frente-populistas, de conciliação de classes e muitas vezes recuadas frente às lutas em curso. Repetem sem parar que agora é momento da “frente única” para combater o FASCISMO! É o fascismo a principal preocupação que deve ter a população trabalhadora? Responder esta pergunta é muito importante, porque dessa resposta surgirão as tarefas dos socialistas revolucionários.

Nestas semanas, é comum ouvir e ler postagens nas redes sobre o perigo do fascismo. Várias correntes da esquerda e o próprio PT e o PCdoB, adotam este discurso frente ao brutal assassinato da companheira Marielle Franco e de Anderson Gomes, aos tiros contra a caravana de Lula e à bárbara chacina de Maricá, onde cinco jovens foram executados com tiros na cabeça pelas milícias que atuam na região.

São fatos chocantes. Alguns deles tem inclusive elementos dos métodos fascistas. Mas daí podemos deduzir que há uma ameaça fascista ou que o fascismo é iminente? É necessário o chamado à “unidade antifascista”, à “frente única antifascista”, como agitam algumas correntes internas do PSOL, fazendo coro ao PT e ao PCdoB? Não que seja equivocado advertir sobre os perigos de alguns fatos, atitudes ou medidas políticas reacionárias de setores da ultradireita. Mas é importante precisar o contexto em que se produzem esses fatos para poder adotarmos uma política correta. De nossa parte, não vemos na atual conjuntura, que a tarefa mais importante seja a “frente única antifascista”, mas sim a mais ampla “unidade de ação” tanto para elucidar o crime político que vitimou Marielle e condenar os responsáveis como para a defesa dos direitos da população trabalhadora. Algo que fizemos várias vezes nos últimos tempos.

O que é o fascismo?

De forma muito didática, para os trotskistas, o fascismo é um regime totalitário que surge em momentos de forte crise econômica e social aguda do capitalismo e de importante ascenso do movimento de massas. Para se impor se apoia fundamentalmente em setores da classe média e setores lúmpens para, com métodos de guerra civil, esmagar o movimento operário, intervir em suas organizações e liquidar suas conquistas históricas, governando para o capital financeiro e setores do capitalismo monopolista. Nesse processo também acaba com as liberdades democráticas, o estado de direito, os partidos políticos e o próprio parlamento. Estabelece, de fato, um regime totalitário, de terror.

Portanto, o fascismo é a última instância a que apela o sistema capitalista. Quando não consegue deter o ascenso da classe trabalhadora em momentos de muita crise, muda sua forma de dominação de “épocas de paz”, através da democracia burguesa, e passa a utilizar o terror permanente para submeter à classe trabalhadora a regimes de semiescravidão para salvar seus interesses econômicos. Isso não significa, que sob o regime democrático burguês normal não existe uma luta permanente por parte dos capitalistas e seus representantes no governo para retirar direitos, diminuir custos e aumentar os ritmos de produção como uma forma de aumentar ou manter sua mais valia. Nesse propósito, a burguesia avança até onde pode, se valendo de novos sistemas de produção, de leis que retiram benefícios, da cumplicidade das burocracias sindicais e de leis repressivas que cerceiam o direito de greve, produzem interditos proibitórios e reprimem manifestações. Com pequenas desigualdades, isto aconteceu em todo governo democrático burguês, seja do PSDB, do PT ou do (P)MDB. Por definição, todo governo e o estado burguês representam a ditadura de uma classe sobre outra apesar da “democracia formal”. Independente de que alguns governos sejam mais ou menos repressivos, sejam populistas, progressistas ou até bonapartistas, os governos democrático burgueses representam a ditadura da burguesia sobre as classes oprimidas. O maior ou menor avanço dessa ditadura está dado pela resistência dos movimentos no processo que denominamos como luta de classes.

O que temos que nos perguntar é se há fatos realmente novos e categóricos, diferentes dos que vivemos no governo do PSDB ou do PT, que indiquem que estamos ante a iminência do fascismo. Para nós, a crise da economia mundial capitalista e a brutal crise política que corrói o regime e os partidos, alimentando a luta e a resistência da população trabalhadora, são fatos que não estiveram presentes até o ano 2013. Mas nada disso indica que estejamos na antessala do fascismo. A gravidade dos fatos assinalados anteriormente é essencialmente diferente de muitos que já vivenciamos com tucanos e petistas? Vivemos num país violento onde diariamente assistimos a todo tipo de atrocidades. Execuções sumárias como a de Maricá se repetem com frequência, uma barbárie, como já foram os massacres da Candelária e de Vigário Geral no Rio, nas periferias de São Paulo, de Pernambuco, de Belém ou de outras capitais. Isso sem falar dos massacres nos cárceres, a começar pelo Carandiru e os recentes acontecimentos como no Complexo Penitenciário de Pedrinhas/MA e em outras prisões do norte e do nordeste. São fatos registrados em todos os governos, que escancaram um estado promíscuo, corrupto e conivente com o crime.

Tampouco a existência de milícias (independentes ou ligadas a organizações políticas) são um indicador novo. Existem há anos, durante os governos de Garotinho ou Cabral, parceiros do PT e de Lula. No Rio, as milícias elegeram vereadores e deputados ligados à cúpula do (P)MDB e de outros partidos, com quem dividiram palanques. Mas a razão de ser das milícias, até hoje, não é a de atuar como braço armado do fascismo, mas como defensores de um território onde lucram com a venda de gás, TV a cabo, transporte e outras necessidades das comunidades das periferias. Por maior afinidade que tenham, as milícias não são bandas armadas a serviço da família Bolsonaro, elas estão ligadas aos governos de caráter democrático burguês de Garotinho, Cabral, Paes e outros muito elogiados por Lula. O próprio PT teve parlamentares ligados a estas máfias. A relação entre as milícias e o poder político, assim como as do narcotráfico, mais que com o fascismo, está relacionada com a garantia de impunidade em troca de votos das comunidades que controlam, um mecanismo criminoso instituído em torno à democracia burguesa. Lucram com os currais eleitorais que controlam.

O brutal crime político de Marielle, infelizmente, também não é uma exceção. O que há de novo é que a companheira foi assassinada em uma área central de um capital importantíssima, demonstrando uma ousadia poucas vezes vista em assassinatos desta natureza. Mas muitos outros crimes políticos foram executados em estados mais longínquos do centro do poder. Levantamentos realizados por organismos defensores dos direitos humanos registram que os assassinatos políticos vêm aumentando nos últimos anos. O ESP aponta que ao menos 96 pessoas entre prefeitos, secretários, candidatos e militantes, foram executadas por motivações políticas entre janeiro e setembro de 2016. Apenas no Rio de Janeiro, foram assassinados 13 pré-candidatos a vereador e cabos eleitorais nesse período. O deputado Marcelo Freixo presidiu a CPI das Milícias em 2008 e por conta desse fato tem sua vida em risco e vive sob forte proteção policial por praticamente uma década, portanto desde 2008, quando o debate do risco do fascismo não estava em voga.

Os governos de Lula e Dilma colaboraram bastante para o aumento de crimes relacionados com os direitos humanos. Nesse período, o assassinato de indígenas aumentou 168%. Segundo o Mapa da Violência, o índice de vítimas negras no país em 2003 era de 71,7% (isto é, morriam, proporcionalmente, 71,7% mais negros que brancos). Em 2014, o índice saltou para 158,9%. Significa que durante os governos do PT intensificou-se brutalmente a “guerra” contra a população negra. O mesmo aconteceu com os índices de feminicídio. Em 2015, o Mapa da Violência revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875. E somente em 2015, segundo os dados do Grupo Gay da Bahia, 318 LGBTs foram assassinados no Brasil. Nos governos do PT, a utilização da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi fartamente utilizada durante a Copa das Confederações e do Mundo, os Jogos Olímpicos e a Jornada Mundial da Juventude, entre outros eventos. Vejamos o que diz o assessor jurídico da pastoral carcerária Paulo Malvezzi em entrevista à Carta Capital: “A Dilma deu seguimento às políticas que o Lula já havia implantando em seus oito anos de governo […] o governo federal do PT […] se caracterizou como o governo do encarceramento em massa. Neste período tivemos o maior aumento da população prisional do país […] Tanto o governo Lula quanto o governo Dilma são responsáveis pelo atual quadro de encarceramento massivo…” São dados importantes para entender que o “retrocesso” que alguns atribuem exclusivamente ao governo Temer para afirmar que há fascismo, vem de bem antes.

Nunca frente a estes fatos caracterizamos que estávamos na iminência do fascismo. Como explica o antropólogo paraense, professor da UFPA, Romero Ximenes, crimes políticos não atingem apenas parlamentares e detentores de mandatos, mas também sindicalistas, líderes religiosos, comunitários, ambientalistas. Só para confirmar estes dados, vale a pena lembrar dois fatos trágicos: o massacre de Eldorado de Carajás em 1996, durante o governo FHC e o assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu/PA, fuzilada barbaramente por fazendeiros em 2005, durante o governo Lula.  “São pessoas que são eliminadas porque pensam e agem de maneira contrária ao estabelecido. […] A guerra é pela posse do Estado e do poder que dele decorre. Por outro lado, há um quadro de insegurança geral provocado pela pobreza e pelo desaparelhamento do aparato policial judiciário”. Segundo Ximenes, isso decorre da fragilidade institucional do Estado, incapaz de prover a segurança pública. “Vivemos uma crise econômica que fragiliza ainda mais esse Estado, aumentando a disputa pelo poder”. Achamos mais reais estas interpretações que as que agitam que estamos diante da iminência do fascismo.

O atentado à caravana de Lula seria então a confirmação da teoria sobre fascismo? “Um ataque fascista” escrevem os companheiros do MAIS, uma das correntes que se converteu numa das principais agentes desta teoria. Nossa corrente, a CST, foi uma das primeiras a se pronunciar publicamente repudiando veementemente esse fato antidemocrático. Contudo, não vemos, apesar da gravidade de pretender cercear o direito do PT a se manifestar, indicadores apontando que “bandas fascistas” protagonizaram esse ataque. Vimos setores pró-Bolsonaro e produtores rurais ultraconservadores do interior dos estados do sul que protestavam de forma violenta contra um ex-presidente acusado de corrupção em plena campanha eleitoral. Não vemos que daí possa se concluir que são “bandas fascistas” organizadas pelo líder Bolsonaro.

Por que se agita o fantasma do fascismo?

Historicamente o fascismo é a antípoda do socialismo. Em um sentido é a expressão mais violenta contra a esquerda, os socialistas, as minorias dentro do regime capitalista imperialista já que seu objetivo é destruir as organizações da classe, retirar direitos e suprimir as liberdades. Frente a situações desse tipo, a unidade de ação contra o fascismo e a frente única operária se tornam uma necessidade. Porém, o estalinismo utilizou-se muito desse perigo para avançar em políticas de conciliação de classes que se concretizaram nas frentes populares. Em todo mundo, e durantes muitos anos desde a década de 30, os PCs defendiam alianças com setores progressistas da burguesia “para impedir o avanço do fascismo”. Em nome desse enunciado, cometeram atrocidades políticas, permitiram a recomposição da burguesia em detrimento do avanço da revolução e liquidaram muitos desses partidos ou os reduziram a grupos com pouca significação política.

É possível reconhecer elementos desta política conciliadora por parte das correntes que agitam o fantasma do fascismo e se somam aos atos do PT. O PT, que é um dos maiores responsáveis pela atual situação política, social e econômica deste país, agita o fantasma do fascismo para vitimizar sua principal liderança. Por trás dessa agitação, o objetivo central é envolver o PSOL numa campanha para evitar a prisão de quem é parte da corrupção sistêmica deste país e colocá-lo na vitrine eleitoral. Tanto é assim, que não se importaram em abafar a luta por justiça para Marielle e Anderson, colocando-a no mesmo patamar dos tiros da caravana, que não atingiram ninguém. Nesse contexto, é grave que um importante setor do PSOL tente apagar as diferenças com um partido que no governo aprovou leis repressivas, multiplicou a população carcerária com negros e pobres, que por mais de uma década se colocou a serviço do sistema financeiro, das multinacionais, das empreiteiras e do agronegócio. Não há justificativas para se somar ao palanque de Lula como ocorreu no ato do Circo Voador.

Foi grave assistir Valério Arcary, “em nome do PSOL”, defender uma frente única programática com PT e PCdoB para combater o fascismo. Foi grave ainda Valério afirmar que “as diferenças do passado não nos impedirão de estar presente em todos os atos por Lula com as bandeiras do PSOL, com muito orgulho”, tentando apagar as diferenças atuais com o partido que cometeu a pior traição contra a classe trabalhadora e defendendo de forma incondicional um dos principais protagonistas da corrupção sistêmica que assola nosso país. Também foi equivocado Valério passar a ideia que o PT é de esquerda, somando-se ao coro da plateia (majoritariamente petista) que cantava “a esquerda unida jamais será vencida”. Fica claro que o MAIS saiu do PSTU para se converter num dos principais agentes das políticas oportunistas, eleitoreiras e de conciliação de classes que já sustentava grande parte da direção do PSOL.

Mas há outro motivo porque essas correntes agitam o fantasma do fascismo. O motivo está relacionado à disputa da direção. Não é casual que o próprio Valério Arcary, dirigente do MAIS, em fevereiro de 2017, participando de uma mesa de debates da CSP-CONLUTAS, tenha apresentado um cenário completamente desfavorável que não se confirmou. Sobre a reforma da previdência afirmava categoricamente que o governo tinha uma maioria consolidada para aprovar a reforma e que eventuais recuos seriam apenas para ampliar a folga no placar. “Eles podem depois fazer negociações nas regras transitórias, para redução de danos, para garantir uma votação que vá muito além dos 308 votos que eles precisam. Mas o núcleo duro da reforma da previdência não tenham dúvida, a mão de Temer não vai tremer. E agora tem Maia e Eunício de Oliveira para conduzir no Congresso Nacional a reforma”, afirmava. Sobre a possibilidade de greve geral, Arcary demonstrava um derrotismo ímpar. “Exige compreender o momento no qual está hoje a classe. Hoje a classe não está preparada para a greve geral, vamos dizer as coisas com toda a verdade”. E completava sua fala apresentando um cenário de completa apatia e conformismo dos trabalhadores. “A maioria da classe, o humor que ela tem é: ‘parece que uma reforma da previdência é inevitável. Mas esta está muito exagerada’. Essa é a informação que vem”.

A realidade desmentiu toda a avaliação de Arcary. Temer nunca sequer esteve sequer próximo de ter os votos necessários para a aprovação da Reforma da Previdência, mesmo com todos os recuos. A mão de Temer tremeu e a reforma não foi à votação. Dois meses depois da explanação de Arcary, a classe trabalhadora brasileira protagonizou a maior greve geral de sua história.

Não é somente um erro de cálculos, é parte da covardia política destes setores que se negam a disputar a direção do movimento com políticas ofensivas que respondam às reais necessidades da classe. Atuam permanentemente alastrando o temor, apresentando cenários desfavoráveis, incutindo que sem os burocratas não podemos decidir nada sozinhos. É assim que esta corrente atua em maior parte no movimento sindical, onde coloca toda a ênfase na unidade de ação com as direções burocráticas e não na unidade-enfrentamento para disputar e ser uma alternativa às direções traidoras. É um correlato da política que expressam frente ao PT. É a estratagema do medo, como uma forma de domesticar os movimentos para atrela-os às correntes que defendem a conciliação de classes, burocráticas ou burguesas.

Como atuamos frente ao fascismo sob a direção de Nahuel Moreno?

Frente a este debate, muito se argumenta através dos excelentes escritos de Leon Trotsky, o dirigente que mais elaborou sobre este tema e que merece ser lido por toda a militância. Mas gostaríamos de analisar fatos concretos mais recentes que podem ter maior valor comparativo e que foram construídos em base aos ensinamentos de Leon Trotsky. Referimo-nos à atuação do PST, partido argentino dirigido por Nahuel Moreno, que durante a década de 70 teve que enfrentar ataques fascistas. Nestes dias, históricos e respeitáveis militantes vinculados ao MAIS utilizaram-se de Moreno nas redes sociais para justificar a política de sua corrente. Uma comparação equivocada. A situação política na Argentina na época era diferente do Brasil destes dias e a política proposta pelo PST dirigido por Nahuel Moreno foi completamente diferente da que defende o MAIS e Valério Arcary.

Um pequeno panorama dessa situação. Os inícios dos anos 70 foram convulsionados na Argentina. Derrotada a ditadura de Ongania/Levingston/Lanusse (1966/72), abriu-se um período de fortíssimo ascenso na classe trabalhadora. Eram os reflexos do “Cordobazo”, uma semi-insurreição operária estudantil que colocou em xeque os governos militares. Em 1973, Perón volta ao país depois de um exílio de 18 anos. Para que se tenha uma ideia da situação, o 25 de maio de 1973, dia em que Hector J. Cámpora, designado por Perón, assume a presidência do país de forma transitória, uma grande mobilização se dirige a Devoto, o principal presídio de Buenos Aires, passa por cima dos guardas, abre as portas da prisão e libera todos os presos, os políticos e todos os que ali estavam. Os operários realizavam greves vitoriosas contra a patronal e a burocracia sindical. Ocupavam as fábricas, muitas vezes tomando como reféns os altos funcionários das empresas, obtendo inúmeras conquistas.

Este grande ascenso promoveu o surgimento de milhares de ativistas. Infelizmente, pela grande influência do peronismo nas fileiras do movimento operário e da política guerrilheirista defendida por algumas correntes (entre elas o SU da IV Internacional, dirigida por Ernest Mandel) não se conseguiu consolidar uma organização de massas unificada com um programa revolucionário, política pela que batalhava o PST. Em setembro de 1973, Perón ganha as eleições presidenciais e assume junto à sua esposa Estela Martinez, tendo o marido como vice. Com a chegada ao governo, Perón, em acordo com a burguesia, tenta colocar um freio ao ascenso deslocando os setores de esquerda remanescentes do governo Cámpora e empossando setores de direita, muitos deles pertencentes à burocracia sindical. Entre esses elementos estava seu secretário pessoal durante o exílio, José Lopez Rega, um obscuro sargento de polícia, conhecido como “O Bruxo”, que além de ter bastante influência nas decisões de Perón e sua esposa, ocupou o cargo de ministro de Bem Estar Social. Desde essa estrutura, começou a recrutar ex-agentes das forças de segurança e junto com importantes setores da burocracia sindical e suas bandas de jagunços organizaram grupos paramilitares conhecida como a Triple A (Aliança Anticomunista Argentina) para atacar dirigentes de esquerda, ativistas sindicais e defensores de direitos humanos com um objetivo: derrotar o ascenso da classe trabalhadora.

Antes da brutal ditadura, que chegaria em março de 1976, Argentina viveu anos onde as lutas se combinavam com o terror destas bandas que utilizavam o aparato do ministério dirigido pelo “Bruxo” para organizar caçarias humanas montados nos famosos carros Falcon. Nesse processo caíram dezenas de dirigentes políticos, ativistas da esquerda peronista, do PC, do PST e de correntes sindicais engajadas na luta. Todo mundo sabia da existência dessas bandas organizadas na Triple A. Depois de ameaças a vários companheiros, o dia 7 de maio de 1974 matam e queimam Inocêncio “Índio” Fernandez, militante do PST e delegado sindical de uma importante fábrica metalúrgica, categoria onde o partido tinha bastante peso. Até então, já tinham matado vários companheiros do PC e da esquerda peronista. Por isso o PST vinha adotando fortes medidas de segurança. Os locais foram fortificados e se estabeleceram vigilâncias armadas durante 24 horas. Também alguns dos dirigentes mais conhecidos passaram a portar arma para sua autodefesa. Em 29 de maio, uma banda fascista da Triple A, com mais de 20 integrantes, invade a sede do PST de Pacheco, na grande Buenos Aires, e rendeu dois companheiros que se mantinham de guarda na laje, entrando no local onde foram recebidos a tiros por um dos companheiros que estava no térreo.  Porém, a superioridade numérica e de armas resultou que nossos companheiros fossem rendidos.  Três companheiros e três companheiras foram carregados nos Falcon. As companheiras foram liberadas depois de simulação de fuzilamento num descampado. Os três companheiros foram fuzilados com dezenas de tiros cada um. Essa era a realidade na qual se desenvolvia a luta na Argentina nos inícios dos 70.

Nesse cenário, o PST, dirigido por Nahuel Moreno, que ainda iria velar outros importantes companheiros antes do golpe militar, teve uma política permanente para enfrentar as bandas fascistas. Adotou medidas de autodefesa das sedes partidárias e de proteção de alguns dirigentes, durante o ato em que foram velados nossos três companheiros de Pacheco, em frente à sede central do partido. O PST convocou as correntes presentes a se unirem contra o fascismo, não para acompanhar os mortos ao cemitério, mas para organizar brigadas de autodefesa.

Vejamos trechos do discurso de Nahuel Moreno naquele ato do que participaram correntes de esquerda, socialistas, democráticas, humanistas e liberais e sindicalistas: “(Queria) … fazer um chamado em nome do Comitê Executivo de nosso partido. Há uma escalada fascista no país. Escalada que… se predica desde o próprio governo […] Há um silencio cúmplice do governo em tudo isto […] Frente a este perigo […] hoje estamos gritando aqui pela unidade de ação. Ao nosso partido lhe preocupa profundamente se esta unidade de ação é para acompanhar os cortejos até o cemitério ou se será unidade de ação nas ruas para derrotar e esmagar à besta fascista. Não queremos a unidade de ação para acompanhar os cortejos, a queremos é para esmagar o fascismo… As bandas fascistas não fizeram distinção entre a Juventude Peronista, o PC ou o PST. Seu objetivo é tratar de quebrar a todas as organizações. É momento de tirar uma conclusão muito importante que vem do Chile. O fascismo não se derrota pela via das eleições! O fascismo não se derrota pela via das frentes! Ai está a experiência de Allende em Chile, essa grande frente de tipo eleitoral que se desmanchou como água entre as mãos ao primeiro impacto do fascismo. O fascismo tampouco se discute. Não é uma tendência política intelectual. O fascismo, companheiros, se derrota nas ruas com os mesmos métodos que eles utilizam. […] Se queremos honrar os mortos do PC, da JP e os nossos mortos também temos que fazer uma reflexão. Apreendamos com o fascismo no Chile. Apreendamos que antes que eles nos matem temos que os deter! Por isso, a direção de nosso partido, como resolução de seu Comitê Executivo, convida a todas as tendências aqui presentes para a próxima quarta-feira, às 19 horas, em nossa sede, começar a construir as brigadas ou piquetes antifascistas, operários e populares que serão a ferramenta com a que vamos abater definitivamente as bandas fascistas de nosso país”.

Infelizmente, o chamado do PST não foi atendido a não ser por alguns poucos dirigentes de forma individual, pelo que não se conseguiu concretizar a formação das brigadas de auto defesa unificadas, porém os militantes do PST continuaram com as práticas de autodefesa tanto nas sedes do partido como em âmbito pessoal.

Fica demonstrado que a situação argentina era muito diferente quando o morenismo denunciava a existência de bandas fascistas. Também é bem diferente a política enunciada por Nahuel Moreno, criticando os erros de Allende frente ao PC, para tirar conclusões e chamar a formação de brigadas de autodefesa para combater o fascismo. Arcary, sem ao menos dizer que diferenças importantes com o PT nos separam, falou generalidade sem demonstrar a existência do fascismo e propôs como saída “ir com as bandeiras do PSOL, orgulhosamente, a todos os atos em defesa de Lula”. Enquanto Moreno nos ensina uma real política para combater o fascismo, formando piquetes unitários de autodefesa, Arcary nos chama a tremular bandeira do PSOL em defesa de Lula. Ele e o MAIS caracterizam que a classe trabalhadora está na defensiva, apenas resistindo, e o governo na ofensiva aplicando todos os planos desejados pela burguesia e pelo imperialismo. Se isso é verdade, se a classe trabalhadora está somente na defensiva, para que a burguesia precisaria recorrer ao fascismo?

Centrar esforços na luta contra o fascismo e em atos em defesa de Lula como nos propõem algumas correntes e dirigentes de esquerda é um grave erro que nos retira o foco. As grandes tarefas que temos pela frente são: continuar mobilizados com a maior unidade de ação para desvendar o assassinato de Marielle e Anderson, exigindo justiça e condenação dos executores e mandantes deste brutal crime político e, junto a isso, manter a luta unificada contra a reforma da previdência e o plano de ajuste do ilegítimo governo Temer, sem descuidar das importantes lutas que estão acontecendo por salário e melhores condições de trabalho, levando a solidariedade a esses processos e ajudando para que sejam vitoriosos.

 

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