Estados Unidos | Mobilização unitária contra a extrema direita e para lutar por nossos direitos diante do governo Biden

por Socialist Core, seção simpatizante da UIT-QI nos EUA

Tradução de Lucas Schlabendorff


No dia 6 de janeiro, um bando de centenas de ultradireitistas tomou o Capitólio, interrompendo a ratificação formal do resultado da eleição presidencial por parte do Senado. Centenas de fanáticos armados ocuparam o prédio durante várias horas e obrigaram os senadores a fugirem do local. A jornada deixou cinco mortos, entre eles um policial e uma direitista abatida pela polícia.

Trump vinha manobrando, desde antes da eleição, para deslegitimar um resultado adverso, questionando a validade dos votos por correio. Depois, ao perder a eleição, dedicou semanas tentando reverter o resultado nos tribunais, agitando denúncias de fraude, inclusive pressionando o secretário de Estado da Geórgia para que cometesse fraude ou para que o vice-presidente Pence não proclamasse Biden como ganhador. Nessas manobras para não reconhecer o resultado das eleições, participaram um importante número de congressistas e senadores republicanos. No dia 6 de janeiro, Trump se dirigiu à concentração de fanáticos de ultradireita e os convocou a irem para o Capitólio apoiar os senadores e congressistas republicanos que se opunham ao resultado eleitoral e pressionar os indecisos ou contrários a impugnar a eleição.

O ataque ao Capitólio é um sintoma da profundidade da crise do regime político capitalista estadunidense. Mostra, também, a polarização política e social cada vez mais extrema, no contexto da maior crise econômica e sanitária em mais de cem anos. Nesse marco, o ataque de 6 de janeiro é muito grave porque representa o aumento da confiança da ultradireita, alimentada pela impunidade que lhe foi dada há muito tempo pelas autoridades diante de suas ações criminosas e, diretamente, pela agitação de Trump.

Os gritos aos céus dos políticos do sistema sobre a condição fundamentalmente “antiamericana” do ataque de 6 de janeiro são alardes de hipocrisia. A história estadunidense está cheia de precedentes, todo tipo de “pogroms” em que os bandos racistas atacaram governos locais, organizações operárias e comunidades afro-americanas. E, a nível internacional, são incontáveis os grupos criminosos de extrema direita que receberam financiamento e apoio político por parte do imperialismo estadunidense.

Naturalmente, a ação se reverteu contra Trump. Biden e os democratas, assim como numerosos meios de comunicação, qualificaram o ataque como uma insurreição ou golpe de Estado.

A ação da extrema direita foi uma jogada desesperada de Trump, derrotado eleitoral e politicamente, não com o objetivo de tomar o poder do Estado, mas para consolidar sua base social de extrema direita como parte da disputa pela liderança do partido Republicano. Mas a tentativa de disciplinar o partido à liderança de Trump aprofundou as divisões. Mike Pence e Mitch McConnell não acompanharam sua aventura, e, inclusive, alguns congressistas e senadores deram para trás em seu apoio à deslegitimação da eleição após 6 de janeiro.

Na realidade, nenhum setor das forças armadas participou da ação, nem houve um chamado às forças armadas para intervir, não houve uma tentativa de formar um governo de facto ou de entrincheirar-se no Capitólio e chamar uma insurreição generalizada. Não há indício de uma estratégia insurrecional ou golpista. A nível mais estrutural, nenhum setor importante da burguesia está buscando uma estratégia de liquidar o regime existente para realizar uma contrarrevolução e impor uma ditadura.

No dia 11 de janeiro, iniciou-se um processo de impeachment contra Trump por incitar uma insurreição, aprovado dois dias depois pelo Congresso, que se tiver êxito impedirá que ele se apresente como candidato na eleição presidencial de 2024. Também houve chamados ao vice-presidente Mike Pence para aplicar a 25ª emenda e destituir Trump. No entanto, o impeachment seria quase simbólico diante da gravidade dos crimes de Trump.

 

A conivência do regime com a ultradireita

 

Desde sua relação com Steve Bannon até os atuais vínculos de seu assessor Steve Miller e de seu filho Donald Jr. com grupos fascistas, Trump não esconde sua simpatia com organizações de tendências fascistas. Diante do ataque por parte de fascistas em Charlottesville, Trump os saudou como “boa gente”. Durante um debate presidencial aconselhou o grupo paramilitar Proud Boys: “retrocedam e esperem” (“stand back and stand by”). Criminalizou o antifascismo. Ao calor de sua agitação em novembro e dezembro ocorreram mobilizações de extrema direita em Washington DC. No próprio dia 6 de janeiro, forçado a chamar seus legionários a retirarem-se, Trump reiterou seu “amor” por eles.

Mas não se trata apenas de Trump. Todo o partido Republicano considerou como um importante capital político essa constelação de extrema direita, que vai desde evangélicos fanáticos até neonazistas, passando por grupos de supremacistas brancos, ultraliberais, seitas conspirativas e medievais como Qanon, antivacinas, antissemitas, etc. Em alguns momentos, fingem horrorizarem-se como o Dr. Frankenstein diante de sua criação, mas são corresponsáveis, junto com Trump, de ter alimentado o monstro. Enquanto isso, o partido Democrata demonstrou sua incapacidade para enfrentar esse perigoso fenômeno, pois seu interesse tem girado constantemente em torno de chegar a acordos com os republicanos. Ambos os partidos, apesar de suas diferenças, são representantes das multinacionais e dos banqueiros. Por isso, após a eleição, o discurso de Biden colocou ênfase na “reconciliação”.

Diversas reportagens jornalísticas mostram que o FBI já havia advertido sobre a ameaça representada pela mobilização reacionária desde, ao menos, final de dezembro, mas nenhum operativo foi organizado para impedir que os fascistas tomassem o Capitólio. Poucas prisões foram feitas no dia do ataque. Membros do Serviço Secreto, da Segurança Nacional (Homeland Security), o governo do Distrito da Columbia, o Pentágono, a Guarda Nacional, a Força de Tarefas Conjuntas, haviam falado com a imprensa sobre a ameaça, mas nada fizeram. Diante da escandalosa incompetência, suspeita de cumplicidade, o chefe da Polícia do Capitólio teve que renunciar. Obviamente, a presidência não coordenou nenhuma ação defensiva e a Homeland Security também foi apontada por cumplicidade.

O contraste não poderia ser maior entre o tratamento dispensado pelas autoridades aos grupo de ultradireita e os protestos antirracistas do verão de 2020. Durante esses protestos houve em torno de 14 mil detidos entre o assassinato de George Floyd, no dia 25 de maio, e a primeira semana de junho. Centenas de jornalistas foram atacados pela polícia, houve dezenas de manifestantes assassinados. Até o dia de hoje permanecem no cárcere centenas de presos políticos vinculados aos protestos. No total, foram mobilizados cerca de 100 mil guardas nacionais e militares de outros componentes para atacar os protestos. A escala de repressão não foi maior porque a tentativa de Trump de militarizar o país fracassou por falta de apoio das forças armadas.

Grupos de ultradireita já estão organizando novos ataques para 17 de janeiro em Minnesota e Michigan. Paramilitares já haviam tomado o Capitólio de Michigan em abril com discursos negacionistas em relação à pandemia, e planejaram sequestrar o governador de Michigan em outubro.

 

Perspectivas diante do governo de Biden

 

As ilusões em “voltar à normalidade”, que abrigam alguns dos que votaram em Biden, ou as ilusões de que podem haver mudanças positivas para o povo trabalhador, os imigrantes ou o movimento antirracista, se chocarão contra a realidade. Biden é um político tradicional que já governou junto com Obama e foi corresponsável pelos programas de austeridade aplicados durante a crise de 2007-2008. Também promoveu legislações repressivas e de encarceramento massivo, assim como Kamala Harris. Foi nessa velha “normalidade” que se gestaram todos os elementos da atual crise e que facilitaram a ascensão de Trump.

Biden, com o controle de ambas as câmaras, demonstrará, mais uma vez, que o Partido Democrata governa a favor dos capitalistas, das multinacionais e dos banqueiros, e que não defende o interesse dos afro-americanos, dos latinos, das mulheres, da classe trabalhadora e demais setores explorados e oprimidos. A crise econômica e social está em um ponto alto. Faleceram mais de 285 mil pessoas pela política criminosa e negacionista de Trump diante da pandemia. Milhões perderam seus empregos e se veem ameaçados pela miséria. A saúde está, em grande medida, privatizada, mas Biden não tem intenções de mudar essa situação.

A ameaça da ultradireita continuará. Os diferentes governos democratas e republicanos e as instituições do Estado capitalista não tiveram nenhum interesse em destruir esse movimento, como ficou demonstrado, mais uma vez, durante o ataque ao Capitólio.

O governo de Biden e os democratas tampouco pretendem destruir esse movimento. Eles sempre deixaram correr solta, desde seus governos, a repressão racista e as ações dos grupos de ultradireita. A burocracia sindical da AFL-CIO, ligada ao partido Democrata, rechaçou o ataque ao Capitólio mas não tomou nenhuma medida para preparar os sindicatos para dar uma resposta. Não se pode confiar e nem ter expectativas neles. Somente a mobilização dos de baixo pode parar a ultradireita.

 

Uma proposta para a unidade

 

Depende do movimento antirracista, dos setores populares, das bases operárias, das mulheres e da juventude colocar em pé uma poderosa força que ponha os fascistas em retirada. Experiências como a de Boston, em agosto de 2017, quando milhares de manifestantes encurralaram algumas poucas centenas de fascistas, ou o próprio poderoso movimento Black Lives Matter, já demonstraram que, com massivas mobilizações, é possível ganhar terreno e expulsar a ultradireita das ruas. Assim como o povo grego derrotou os neonazistas do Aurora Dourada, o povo trabalhador estadunidense também pode derrotar a impunidade.

Mas também será necessária essa mobilização unitária para enfrentar a política antipopular do futuro governo de Biden. Com uma maquiagem “democrática” e “antitrumpista”, vai seguir favorecendo os grandes empresários e banqueiros que o apoiaram.

É urgente convocar um encontro nacional de organizações populares sob a liderança do Black Lives Matter, as organizações comunitárias, de trabalhadores, de mulheres e da esquerda para avançar na construção de um programa de exigências comum e de uma agenda de mobilização contra a ultradireita e também por exigências sociais e econômicas ao novo governo que está diante da brutal crise econômica, social e sanitária. Os Socialistas Democráticos (DSA) têm a responsabilidade de ajudar a construir essa frente unitária de luta.

Estas são algumas propostas iniciais para a discussão democrática de um programa unitário:

 

  • Desfinanciamento da polícia e prisão para os policiais racistas;
  • Liberdade aos presos políticos do movimento antirracista;
  • Fim da política de encarceramento em massa. Fim das privatizações das prisões. Fim de todos os campos de concentração de imigrantes do ICE;
  • Não às tentativas dos Democratas de aproveitar o ataque ao Capitólio para promover novos instrumentos legais que restrinjam o direito de protesto;
  • Julgamento e castigo para Trump e os dirigentes fascistas por seu papel no ataque criminoso de 6 de janeiro e outros ataques. Basta de impunidade para a violência da ultradireita;
  • Saúde pública gratuita e universal;
  • Aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora e uma renda básica universal até o fim da crise;
  • Salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres;
  • Altos impostos para os grandes grupos econômicos e bancos. Que esse dinheiro e dos cortes dos orçamentos policiais seja destinado para a educação, saúde e assistência social;
  • Não à supressão de votantes, que afeta desproporcionalmente as comunidades afro-americanas, latinas e indígenas. Não ao gerrymandering.
  • Não ao colégio eleitoral. Eleições diretas, uma pessoa = um voto. Representação proporcional no Congresso e abolição do Senado.

 

Sabemos que não são tarefas fáceis, mas a mobilização massiva e coordenada em todo o país pode abrir o caminho da mudança.

 

Convocar um Encontro Nacional seria um grande passo para coordenar as lutas. A outra grande tarefa pendente é a necessidade de construir uma alternativa política unitária da esquerda por fora do bipartidarismo. Necessitamos superar a divisão existente na esquerda anticapitalista. Seria muito importante que os Socialistas Democráticos (DSA), que são a organização mais numerosa da esquerda, sejam parte dessa construção. Deveriam dar um primeiro passo, rompendo com o Partido Democrata. É necessário avançar na construção de um partido amplo, unitário e independente da esquerda. As mudanças de fundo só podem ser levadas adiante por um governo do conjunto da classe trabalhadora e dos setores explorados e oprimidos.

 

Socialist Core, seção simpatizante da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI), 15 de janeiro de 2021.

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