A esquerda e a burguesia das cidades

Danilo Bianchi – Diretório Nacional do PSOL

Diego Vitello – Diretor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo


A campanha de Boulos, do PSOL de São Paulo, se consolida como o principal fenômeno à esquerda nestas eleições. Um líder dos sem-teto com possibilidade de ir ao segundo turno na principal cidade do país marca um fenômeno bastante progressivo. O peso da candidatura de Boulos leva inevitavelmente a burguesia a ter uma política para o candidato do PSOL. Nesse sentido queremos discutir a ida de nosso candidato à Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para debater com os grandes empresários do comércio a sua política para a cidade.

Os patrões e sua política para a esquerda

Historicamente, os grandes empresários têm política para a esquerda e as lideranças da classe trabalhadora. Tentam influir nos seus rumos políticos, cooptar, transformar a política de enfrentamento em conciliação. Ou seja, os representantes da Associação Comercial de São Paulo terem uma política para a candidatura de Boulos não representa nenhuma novidade. Infelizmente, do ponto de vista histórico, temos que reconhecer que a burguesia tem sido muito bem-sucedida nessa empreitada e cooptou muitas lideranças vindas da esquerda.

A questão fundamental é como devemos responder à essa inevitável pressão de uma classe social adversa, promotora da desigualdade.

A experiência do PT

Temos insistido que, para o PSOL se consolidar como alternativa dos trabalhadores, é preciso um balanço da experiência petista no governo federal, e também de quando estiveram na administração da prefeitura.

O PT não somente fez um governo ao lado de figuras políticas da direita como Sarney, Renan Calheiros, Michel Temer ou Maluf, mas, também, construiu relações com empreiteiros e banqueiros que financiavam suas campanhas eleitorais.

Na prefeitura foi parecido. Um exemplo foi o próprio enfrentamento aos movimentos dos sem-teto. A partir de acordos com a especulação imobiliária, Haddad ordenou a reintegração de posse em algumas ocupações por moradia. Por exemplo, em nota de 16 de setembro de 2013, o MTST denunciou: “A polícia militar do Estado de São Paulo, a pedido do prefeito Fernando Haddad, implementou na manhã de hoje a reintegração de posse no terreno onde havia a ocupação União de Luta, no bairro do Grajaú. (…) O despejo se deu com extrema violência. (…) O MTST se solidariza com todos os feridos e presos do governo Haddad.” (www.facebook.com/mtstbrasil/posts/613479302023738/).

Em resumo, a experiência do PT demonstra que a política dos patrões para a esquerda muitas vezes leva à cooptação política, levando à aplicação de uma política patronal que se enfrenta com os interesses da classe trabalhadora.

Sobre a ida de Boulos à ACSP

Essa política da burguesia, de tentativa de moderação e cooptação, ficou expressa na “casa do liberalismo”, a ACSP. Nela, os empresários elogiaram o discurso de Boulos sobre redução da desigualdade e buscaram um tom conciliatório. Isso já era bastante previsível.

Porém, como parte daqueles que estão diariamente chamando os trabalhadores e jovens da cidade de São Paulo a votar em Boulos, acreditamos que foram um erro as declarações de tom conciliatório como: “não esperem de mim a demonização da propriedade privada”, ou então: “acredito que o combate à desigualdade é bom para todo mundo”. A verdade é que a desigualdade, o desemprego e os baixíssimos salários pagos pelos empresários aos trabalhadores do comércio aumentam ainda mais os milhões de reais na conta dos chefes da Associação Comercial de São Paulo.

Qual política de enfrentamento aos patrões é possível a partir dos municípios? 

Muitos companheiros e organizações políticas podem dizer que não é possível um “socialismo municipal”, então o único caminho possível é a conciliação com os patrões quando a esquerda governa prefeituras. Não vemos assim. Obviamente que não existe socialismo em escala municipal e nem é possível expropriar a burguesia a partir de uma prefeitura. Porém, a esquerda à frente de um governo pode optar pelo caminho do enfrentamento aberto, defendendo de forma intransigente os direitos dos trabalhadores. No caso dos transportes, setor que é controlado por empresários que ganham milhões ao custo de uma tarifa caríssima cobrada da população, o caminho é a estatização rumando para a tarifa zero. Para isso, é necessária uma política alicerçada na mobilização popular.

Outro tema que é preciso enfrentar é a dívida das grandes empresas com o município. Segundo relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) de 2019, a dívida dos devedores com o município de São Paulo era de R$ 128,2 bilhões. Desse valor, cerca de 80% era referente a empresas. Os maiores devedores, obviamente, são os bancos. Santander e Itaú devem juntos mais de R$ 5 bilhões ao município. Ou seja, é preciso enfrentar os maiores devedores do município para reverter esse dinheiro para o serviço público e para construir um plano de obras públicas que gere milhares de empregos.

No caso do comércio, é possível que a prefeitura apoie maiores salários para os comerciários, categoria super explorada pela ganância dos chefes da ACSP.

Defendemos que a campanha de Boulos assuma abertamente a necessidade de enfrentar os interesses dos grandes empresários de todos os setores para que um eventual governo do PSOL possa cumprir nossos compromissos assumidos com a classe trabalhadora, a juventude e os setores populares de São Paulo.

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