Entrevista: Duda, dos Entregadores Antifascistas RJ
1 – Como surgiu o movimento dos entregadores no Rio de Janeiro?
No Rio, [o movimento de Entregadores Antifascistas] surgiu há aproximadamente duas semanas e um pouquinho, depois da gente ver aqui no Rio o compartilhamento do ato pela democracia, lá em São Paulo, do discurso do mano Galo, Paulo Lima, lá de São Paulo. E a gente se identificou muito com aquele discurso, com as palavras, se identificou muito com aquela luta. E aí a gente pensou aqui no Rio: “cara, a gente precisa entrar em contato com essa galera, ver se já tem alguma movimentação de entregadores antifascistas pra cá, se não tiver, bora fazer essa ponte”. Porque eu já conhecia vários entregadores aqui, né. Meu companheiro é entregador, alguns amigos nossos são entregadores, então a gente já correu pra fazer esse contato. Consegui via instagram, whatsapp, tudo, buscando de todo mundo, consegui o contato do Galo. Ele me respondeu quase imediatamente, dava pra ver a felicidade na voz, sabe, de ver que aquela verdade que ele compartilhou estava contagiando outros corações. Então aí que surgiu pra cá. A gente aqui ainda está em pouca quantidade. A maioria do grupo aqui no rio é biker. só tem eu e mais um que é motoboy, eu sou motogirl, né. Foi assim que surgiu no Rio.
2 – Quais os maiores problemas dos entregadores?
Então, os maiores problemas dos entregadores… É tanta coisa, tanta coisa… Vamos colocar aí a situação mais cabulosa, que é quem trabalha com aplicativo: primeiro que tu já começa a trabalhar se endividando, né. Tem que entrar, paga a bag, depois tem que rodar pra caramba pra conseguir fazer o dinheiro pra pagar a bag. Então, assim, os primeiros rendimentos que você faz no aplicativo já é só pra quitar dívida. Depois, você fica preso no aplicativo, tendo que trabalhar noite e dia, de domingo a domingo, porque você tem uma série de pontuações pra bater, senão ficam limitados os seus dias de trabalho, aí se tá bloqueado tu não pode rodar naquele dia. Então tu fica com uma obrigação de estar trabalhando o tempo inteiro, incessantemente, pra ganhar merreca, né. Você pensa aí: as vezes no aplicativo toca um pedido de 6 km, pra tu ganhar R$ 5,50. 6 km! Aí tu pensa: mais 3 km, pra tu ir de onde está pra buscar o pedido, mais esses 6km aí. Bota aí, 9 km pra conseguir pegar o pedido. E daí, ida e volta, mais 9 km: 18km. Na real, tu não está ganhando R$ 5,50 pra fazer 6 km, está ganhando R$ 5,50 pra fazer 18 km. Então é bizarro… A forma com eles contam o seu trabalho é bizarro. E além disso, tem todas as dificuldades que todo mundo que trabalha com entrega em geral sofre, né. Tipo, dificuldade pra ir no banheiro, cara. Eu fico imaginando a hora que eu vou ter uma infecção urinária por não conseguir estar indo no banheiro, tá ligado? Pra eu que sou mulher é pior ainda, porque estou tendo sempre que estar pagando uma besteira ou outra pra poder usar banheiro de bar, banheiro de posto, tá ligado? Então é mais um custo aí que eu tenho.
De maneira geral, antes da pandemia a situação já era sinistra. Não é a toa que motoboy/entregador se chama “profissão perigo”, né. A situação já estava sinistra, agora com a pandemia piorou. Mas a gente já tem taxas de acidente de trânsito absurdas no país, né. Então assim, isso é complicado também, porque a gente não tem garantia nenhuma de auxílio, de seguro de vida, de nada. Se a gente se acidentar na rua, vai ficar nós, a bag com a logo, fazendo propaganda pra empresa, e nosso prejuízo lá na pista mesmo, tá ligado? Isso se a gente sobreviver e nossa família conseguir não perder um ente querido, o que não acontece muitas vezes. Então é muito problema, muito problema. Poderia ficar aqui… Já falei 3 minutos, poderia ficar falando mais.
Inclusive vou continuar agora, porque é complicado isso mesmo. A gente não tem vínculo trabalhista, sabe. A gente não ter garantia de nenhum direito trabalhista, cara, de nada, de nada. Não tem 13º, a gente trabalha igual máquina, tá ligado? Não tem férias, a gente não pode ter um descanso, tá ligado? Então, coisas básicas, não tem FGTS, não tem garantia de nada. Não tem direito à alimentação, tá ligado?. A gente conhece o cheiro das melhores comidas da cidade e os aplicativos não tem como custear um prato de arroz e feijão pra gente? Fala sério, né…
3 – O governo do RJ ou federal fez alguma coisa para atender a reivindicação dos entregadores?
Então, o governo do RJ a princípio não tem se manifestado nesse sentido não. Não tentou aproximação com o movimento de greve, não tentou aproximação com o movimento dos Entregadores Antifascistas. Quem procedeu nesse sentido foi o Rodrigo Maia, né. Mas aí não é o governo do Rio… É, o governo federal, né. O Rodrigo Maia tentou esse contato aí. Inclusive essa semana teve uma reunião com entregadores, com algumas “lideranças” de greve e tal. E é isso, foi o único contato.
4- Como está a organização dos entregadores? E qual a atuação das maiores centrais?
Então, a organização dos Entregadores Antifascistas agora está num momento realmente de ampliar nossas raízes, né. A gente tá crescendo em número agora, crescendo pra mais estados.
A gente está num momento de estruturar nossos princípios internos. A gente tem alguns acordos ideológicos já certos, de esquerda, é claro. E a gente está nesse momento de organizar nosso manifesto, regimento interno, etc. Até porque a gente quer se consolidar em uma cooperativa, associada ao movimento de Entregadores Antifascistas. Então a gente está nesse processo de construção interna bem grande.
E a atuação das maiores centrais, a gente tá percebendo um atropelamento da luta, né… Um atropelamento da organização dos entregadores. Por exemplo, você me perguntou se a manifestação do dia 25 [de julho] é real: é real, é legítima, foi ela que foi discutida nos grupos de whatsapp, né. Ela tinha sido puxada pro dia 12, só que acabou que, em alguns lugares, coincidiu com uma outra manifestação política que ia acontecer, então transferiram pro dia 25, pra não haver essa confusão de pautas na rua. No entanto, algumas centrais sindicais puxaram ato pro dia 14, só que esse ato é arbitrário, não parte de deliberação da base.
5 – Quais são os próximos passos da luta?
Os próximos passos da luta, pro movimento de greve, é continuar fazendo breque até que sejam atendidas as reivindicações mínimas que estão sendo feitas, né. Porque se você pensar, o que tá sendo reivindicado pros aplicativos é algo básico, algo mínimo, algo que é absurdo estar pedindo, sabe? As taxas que eles estão impondo são absurdas, é muito menos de R$ 1,00 por km. Você não tem seguro de vida, seguro de roubo, seguro de acidente, você fica devendo ao aplicativo se for assaltado, por exemplo, sabe? Depois, tem que pagar por um prejuízo que só você toma. Então, a perspectiva do movimento de greve é continuar fazendo breque, até conseguir ter, por exemplo, um vínculo mais aberto pra conseguir questionar bloquei indevido. Enquanto isso tudo aí que tá sendo reivindicado nas ruas não for atendido, o breque vai continuar.
Mas a organização da luta, pros Entregadores Antifascistas, vai pra além do breque, pra além das reivindicações diante dos aplicativos. A gente tem uma perspectiva de luta que é anticapitalista. Esses aplicativos têm uma ideologia capitalista por trás deles. Então a gente pode reivindicar, eles podem atender as pautas, mas eles ainda vão estar lucrando horrores, enchendo o bolso de meia dúzia de pessoas por conta do trabalho de milhões de trabalhadores. Então a gente percebe que tem que lutar por fora dessas plataformas capitalistas. Então a gente tem essa perspectiva de montar nossa cooperativa, continuar se organizando de baixo pra cima. E a partir dessa cooperativa, fazer o que os aplicativos não fazem e o que os empregadores em geral não fazem, que é prestar garantia de direito trabalhista, vale-refeição, ter um fundo de emergência pra quem se acidentar. Então, é uma forma da gente trabalhar sem patrão, de maneira mais justa, né. Então, a perspectiva de luta pros Entregadores Antifascistas é uma perspectiva de luta permanente, pra além dos breques e pra além das reivindicações diante dos aplicativos capitalistas. Porque a gente acredita que a lógica do aplicativo é que é o problema, não a tecnologia. Está surgindo, em vários lugares do mundo, cooperativismo de plataforma, aplicativos que são feitos pelos trabalhadores e para trabalhadores, e a gente tem a intenção de seguir aí nesse caminho.