Construir uma saída pela esquerda
Contra o governismo e a oposição tucana | Combate Socialista, nº 66
Diego Vitello – CN CST/PSOL
A crise política e econômica no Brasil tem levado ao aprofundamento dos debates sobre a saída para o país. O ajuste encabeçado por Dilma e Levy leva a uma justa indignação popular contra este governo. Os trabalhadores sentem no seu dia a dia o peso dos ataques do governo petista. A inflação corrói nossos salários e sentimos que o nível de vida só piora. É extremamente positivo que a classe trabalhadora responsabilize Dilma pela crise que vive o país, pois as dificuldades pelas quais passamos no dia a dia são fruto das opções políticas do seu governo, que nada mais é do que um executor do plano econômico dos banqueiros e empreiteiras para jogar a crise nas costas dos trabalhadores.
A baixa popularidade do governo, menor que a própria inflação em 12 meses, e o repúdio da classe trabalhadora ao ajuste fiscal, colocam grandes desafios para a esquerda brasileira. Passados os atos do dia 16 e 20 de agosto, precisamos debater quais as tarefas da oposição de esquerda hoje. Este é o objetivo do presente texto.
A defesa do governo Dilma marcou os atos do dia 20
Os atos do dia 20, que mobilizaram infinitamente menos gente que os do dia 16, foram de claro conteúdo em defesa do governo. Poucos dias antes, a convocação feita pelo PT a partir de inserções na televisão marcou ainda mais na consciência da população como um ato pró-Dilma. O principal partido que aplica o ajuste fiscal contra os trabalhadores, o maior responsável político pelos absurdos lucros dos banqueiros, logo após criminalizar os movimentos sociais ao aprovar a “lei antiterrorismo”, convoca um ato em “defesa da democracia” e contra o “golpe da direita”. Desde que Dilma disse no segundo turno das eleições de 2014 que não retiraria direitos trabalhistas, não víamos tamanha cara-de-pau.
Como não podia ser diferente, a composição social do ato foi centralmente de cargos de confiança dos governos petistas, militantes e sindicalistas vinculados ao governo. As direções majoritárias da UNE e da UBES, que tem recebido dezenas de milhões de reais nos últimos anos do governo petista, voltaram a pintar a cara. Desta vez, porém, não para participar da derrubada de um governo conservador e corrupto como em 1992, no “Fora Collor”, mas para defendê-lo. A eles se somou em São Paulo uma grande coluna do MTST e também uma participação bastante apagada de algumas correntes do PSOL. O conteúdo da convocação do ato teve pequenas variações de estado a estado, porém em nenhum deles houve crítica a presidenta Dilma. Pelo contrário, bandeiras e faixas de apoio à presidenta foram vistos por todos os atos do país.
Estes atos serviram muito bem ao governo. Pois, com suas bandeiras de “democracia” e “contra o golpe”, ajudaram a desvirtuar a luta dos trabalhadores, escondendo que este governo é nosso inimigo. Alguns até falaram mal do ajuste fiscal, porém sem citar a presidenta. Como se Dilma não fosse responsável pela crise estar sendo jogada nas costas dos trabalhadores. Quem nomeou Joaquim Levy? Quem nomeou Katia Abreu? Quem assinou as Medidas Provisórias 664 e 665, que retiram direitos trabalhistas? Quem é uma das principais entusiastas da Agenda Brasil? Quem cortou mais de R$10 bilhões da educação? Quem privatiza o petróleo, os portos e os aeroportos? Todas estas perguntas e muitas outras parecidas com elas tem uma resposta: Dilma Rousseff, do PT. Mas, sobre isso o ato do dia 20 se calou.
Não podemos deixar de colocar a lamentável participação de setores da esquerda nesse ato. Os companheiros de correntes da esquerda do PSOL, Insurgência e LSR, junto com a ala de Ivan Valente e Edmilson Rodrigues, a US, participaram de diversos atos pelo país, sobretudo do maior deles em São Paulo, fazendo coro ao governo e ajudando objetivamente o governo Dilma.
Unificar as lutas em curso e construir uma alternativa dos trabalhadores
Contra o ajuste fiscal de petistas e tucanos
As lutas não param. A greve dos servidores públicos federais e das Universidades segue forte e marcando a conjuntura. Os metalúrgicos vivem uma ascensão de suas lutas. A greve da GM de São José dos Campos, que reverteu as 798 demissões, apontou mais uma vez o caminho a seguir. Na Volkswagen de Taubaté os operários seguem enfrentando as demissões com sua greve. Trabalhadores terceirizados também entram em lutas como no caso de diversas universidades federais e também na Usiminas de Cubatão-SP. Lutas populares como contra a violência policial expressa na brutal chacina de Osasco e Barueri também marcam o cenário político. No primeiro semestre, queremos destacar o poderoso movimento grevista na luta dos professores estaduais. Estas diversas lutas que ocorrem no país neste momento apontam o caminho a seguir pela nossa classe para enfrentar o ajuste fiscal. A necessidade de unificação destas lutas é evidente e deve ser parte fundamental da política da esquerda hoje.
Mas, para além da unificação das lutas é preciso construir uma alternativa política contra aqueles que encabeçaram os atos do dia 16 e do dia 20. A construção de um terceiro campo deve partir de uma definição: Tem que ser oposição intransigente frente aos governistas e aos tucanos. Estes dois “irmãos siameses”, como bem colocou a companheira Luciana Genro nas últimas eleições, são osque aplicam o ajuste fiscal nas costas da classe trabalhadora. Portanto, sem enfrentá-los diretamente não poderemos oferecer uma saída dos trabalhadores e setores populares para a crise do país.
Por essa razão, vemos como muito positiva a iniciativa da Plenária para construir esta alternativa que está sendo chamada para o dia 27 de agosto em São Paulo, que na nossa opinião deve votar um grande ato nacional nesta mesma cidade no mês de setembro.
Nesta alternativa que queremos construir ao lado de todos que compõe a oposição de esquerda e dos trabalhadores e da juventude que estão indignados com a política deste governo, necessitamos defender um plano econômico de emergência para resolver a crise do país: Suspensão e auditoria da dívida pública, taxação das grandes fortunas, prisão e confisco dos bens de todos os corruptos, Petrobrás 100% estatal com controle dos trabalhadores, revogação de todas as medidas que tiram direitos do povo trabalhador; aumento emergencial de salários, apoio irrestrito às greves em curso, etc.Mas também é preciso colocar uma saída para reorganizar o país, por isso colocamos como tarefa da esquerda a luta por uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana, para reorganizar o país sobre novas bases. Defendemos que nessa Assembleia possam se apresentar candidatos independentes, fora de partidos políticos, com controle estrito do poder econômico. Nela, levaríamos para discutir uma nova ordem social e política, começando pelo plano econômico alternativo e uma mudança completa das regras políticas, onde esta falsa democracia do poder econômico e da corrupção seja substituída por uma real participação dos trabalhadores e do povo na tomada das decisões fundamentais do país.
Para se constituir como alternativa política é preciso também ter em conta que precisamos nos apresentar nas lutas e também nas eleições. Ainda que temos certeza que o determinante para a derrota do ajuste fiscal e dos governos que o aplicam passa pelo terreno das lutas, precisamos ter como exemplo os avanços políticos da Frente de Izquierda y los Trabajadores (FIT) na Argentina, que se apresenta também como uma alternativa política eleitoral aos milhões de trabalhadores que protagonizam as lutas em seu país, colocando seus mandatos parlamentares a serviço das greves e mobilizações.
Uma polêmica com Guilherme Boulos:
Saída pela esquerda ou beco sem saída com os governistas?
Guilherme Boulos, principal dirigente do MTST, foi uma das grandes figuras políticas no ato do dia 20. Ele tem falado muito que a saída para a crise do país deve ser “pela esquerda” e “com o povo”. Na semana anterior ao ato, Boulos foi também ao ato dos “movimentos sociais” com a presidenta Dilma. Em seu discurso direcionado à presidenta, não faltaram palavras contra “as elites”, o “golpismo”, até corretamente contra o reacionário corrupto Eduardo Cunha e o neoliberal Joaquim Levy. Porém nenhuma palavra se referindo diretamente à responsabilidade de Dilma pela situação do país. Pelo contrário, para Dilma teve até abraços por parte de Boulos.
Não se contentando com suas movimentações ao lado dos governistas, três dias antes do ato, Boulos se dedicou a atacar a esquerda que não foi ao ato governista. Em seu lamentável texto, Boulos coloca “esta disputa real pelo significado do ato do dia 20 está sendo utilizada por grupos sectários de esquerda para carimbar o ato, e consequentemente o MTST, como governistas (…) Fogem das ambiguidades, de riscos políticos, ou seja da história, dedicam a maior parte de seu tempo não a fazer política de esquerda, mas a criticar quem faz por não ser “suficientemente de esquerda”. O resultado é a mais completa impotência política”. Boulos, no desespero para justificar sua política ao lado dos governistas, parte para o ataque à esquerda. Apesar do jogo de palavras, sua intenção é clara: impedir que surja um terceiro campo político, alternativo ao governismo e aos tucanos.
Na manifestação do dia 20 seu discurso não foi diferente: nenhuma menção a presidenta Dilma.
Gritou contra as elites, os “golpistas”, a direita, mas nenhum comentário sobre a presidenta Dilma. Isto não é à toa, Boulos não esqueceu quem governa o país, é parte de sua política desastrosa, onde atacar a esquerda que não marcha ao lado de cartazes e bandeiras que exaltam a presidenta é permitido, mas falar e citá-la como aquela que ataca nossos direitos, não.
Falar contra o ajuste fiscal sem dizer quem o aplica, compor atos "contra a direita” sem dizer que a política do governo petista é de direita, não nos levará a nenhuma saída pela esquerda, como fala o principal dirigente do MTST, mas a um beco sem saída, onde a esquerda não oferecerá nenhuma alternativa política para a classe trabalhadora que a ajude a combater todos aqueles que atacam nossos direitos.