Contra a pandemia e o capitalismo
Escreve: Reynaldo Saccone, ex-presidente do Cicop (Centro Internacional de Conservação do Patrimônio). Traduzido por: Pablo Andrada e Ivana Furtado
Publicado em 15 de abril de 2020, em El Socialista N° 455
Na cidade de Nova York, os bombeiros diariamente recolhem das casas de cem a duzentos corpos. No dia de hoje [15 de abril], os Estados Unidos registram 23.600 mortes, das quais 7.500 correspondem apenas a Nova York. A pandemia se enfurece com os trabalhadores, em especial os das minorias étnicas oprimidas. Os afro-americanos, que representam 22% da população, contribuem com 28% das vítimas fatais; os latinos, com 29% da população, fornecem 34%. A esse inventário negativo também devem ser somadas as vítimas sociais: 16 milhões de demissões executadas pelas empresas nesses meses.
Por que existe uma gigantesca catástrofe no país imperialista mais avançado do planeta? Um problema é que o sistema de saúde dos Estados Unidos é o paradigma do modelo mercantil de medicina e não está preparado para atender às necessidades da saúde pública em grande escala. Deixa de fora 27 milhões de habitantes que não podem pagar seu seguro. O sistema range quando deve enfrentar essa pandemia, que já está afetando 600 mil pessoas.
O segundo problema foi o tratamento criminoso da crise realizado pelo Donald Trump. Por semanas, ele ignorou publicamente a gravidade da pandemia. No domingo passado, seu principal assessor na área da saúde, o epidemiologista Anthony Fauci, disse textualmente: “O presidente deixou passar semanas cruciais para estabelecer o distanciamento social, o que teria conseguido salvar várias vidas. Mas houve muita rejeição ao fechamento de muitas coisas naquela época”. A quem o assessor presidencial se referiu com a frase “houve muita rejeição”? Surpreendentemente, a resposta é dada pela própria imprensa imperialista. O jornal New York Times cita “banqueiros, executivos e industriais” como responsáveis, que ainda agora estão pressionando Trump pedindo o fim das restrições e do distanciamento e que comece a funcionar a economia.
Também na Itália a burguesia impediu que o povo trabalhador se defendesse da pandemia
Na Itália, como nos Estados Unidos, a crise no sistema de saúde e a gestão criminosa da burguesia favorecem o desenvolvimento da epidemia, como resultado das políticas de ajuste, onde o gasto público em saúde caiu de 7% em 2009 para 6,5% em 2017; o número de leitos por cada mil habitantes passou de 3,79 em 2008 para 3,17 em 2016. Nos últimos dez anos, 37 bilhões de euros foram retirados do orçamento da saúde.
Na Lombardia, que concentra um dos mais importantes centros industriais da Itália, os empresários fizeram lobby para evitar o fechamento de suas fábricas e perda de dinheiro. Por incrível que pareça, a área com mais mortes por coronavírus por habitante na Itália – e em toda a Europa – nunca foi declarada zona vermelha (zona de risco), apesar da pressão do povo trabalhador e das autoridades locais.
A câmara da patronal local, Confindústria Bérgamo, agrupa 1.200 empresas que dão emprego a mais de 80 mil trabalhadores. Todos foram expostos ao vírus, forçados a ir ao trabalho, em grande parte sem medidas adequadas, superlotados, sem distância de segurança ou material de proteção. A Confindústria lançou sua própria campanha: “Bérgamo não fecha”. Quando a Itália alcançou o triste recorde de quase 800 mortes por dia no sábado, 21 de março, o primeiro-ministro Conte, que até então era contrário à medida, disse que serão encerradas “todas as atividades econômicas produtivas não essenciais”.
Por que a vacina está demorando tanto?
Existem mais de sessenta equipes no mundo trabalhando para criar uma vacina contra o coronavírus. Alguns são gerenciados por grandes empresas farmacêuticas, como a Glaxo Smith Kline ou a Johnson & Johnson. O problema é que eles vão devagar. Qual é o motivo dessa lentidão? Uma declaração de Bill Gates ao New England Journal of Medicine explica o fato de forma transparente: “É preciso que os governos coloquem fundos, porque os produtos para a pandemia são investimentos de muito alto risco, o financiamento público minimizaria esses riscos para as empresas farmacêuticas e isso os ajudaria para entrar nessa questão com os dois pés”. Mais claro, impossível. Os capitalistas querem que o Estado coloque os fundos e as empresas fiquem com os lucros. Gates conclui: “finalmente, os governos devem financiar a compra e distribuição de vacinas para a população que precisa”. Em outras palavras, o Estado financia a produção e depois precisa comprar os produtos das empresas. A proposta de Gates revela a essência do capitalismo: não há progresso nas vacinas se não houver lucro garantido.
A existência do capitalismo é um obstáculo que impede de derrotar a pandemia. Temos visto a burguesia mundial lutar contra as medidas de isolamento e suspensão de atividades, como nos Estados Unidos e na Itália, sem considerar as mortes ou os vírus. A burguesia tem aplicado os planos de ajuste que destruíram os sistemas de saúde e agora sustenta com cinismo e indiferença que o Estado deve financiar a produção de remédios ou vacinas que fariam desaparecer a pandemia. Os trabalhadores e o povo devem avançar rumo à estatização e nacionalização dos serviços de saúde e da indústria a ela ligada, que produz insumos, remédios e vacinas. Elas devem, sob o controle de seus trabalhadores, ser colocados a serviço da luta contra a pandemia. Isso permitiria acelerar e libertar a humanidade do prolongamento desses horrores e sacrifícios de vidas.