Frente à morte do ex-vice-presidente José Alencar
Nota sobre a morte de José de Alencar | Silvia Santos – Executiva Nacional PSOL – Corrente Socialista dos Trabalhadores
Ninguém pode se alegrar com a morte de uma pessoa. Mais ainda: frente à morte, respeitamos a dor dos familiares. Trata-se de um gesto humanitário. Mas a nota publicada pelo presidente nacional do PSOL excede qualquer limite e tenta aparecer do lado de quem, em vida, esteve na trincheira oposta da classe trabalhadora e dos socialistas.
A morte do ex-vice-presidente José Alencar não mudou em nada seu caráter de classe contrário aos interesses da classe trabalhadora. José de Alencar foi um dos mais poderosos empresários brasileiros. Dono do Grupo Coteminas, construiu um Império do ramo têxtil com mais de 10 fábricas como Cotenor, Cotene, Cebratex e Wentex, espalhadas por todo o país além de empreendimentos rurais, criação de gado e construção de usinas elétricas. Suas empresas foram parte da delegação de empresários em visita ao Haiti com o objetivo de instalar uma de suas fábricas e assim aproveitar a mão de obra quase escrava desse país. Uma imensa fortuna feita graças à super-exploração de milhares de famílias trabalhadoras brasileiras, do crédito brando da SUDENE que lhe permitiu fundar a Coteminas e das relações promíscuas com o poder de turno.
A população pobre e trabalhadora, do lado da qual deve se posicionar nosso partido, não deve ficar consternada pela morte de um dos principais dirigentes burgueses deste país. Não somos hipócritas nem cínicos, não tínhamos nenhuma intimidade nem relação com este poderoso empresário. Nestes dias, nossa consternação é com as mortes de dezenas de companheiros da construção civil nas obras do PAC do governo do PT e José Alencar, das quais os políticos, com a cumplicidade da burocracia sindical, pouco falam e não se lamentam.
Por outra parte, nunca acreditamos que as críticas de José Alencar aos altos juros fossem produto de uma luta consequente. Se de verdade queria lutar contra as altas taxas não teria permanecido por oito anos integrando o governo que bateu todos os recordes de taxas de juro do mundo. A verdade de esta historia é a que conta o jornalista Fernando Rodrigues na FSP de hoje: “… (em) uma das interinidades de José Alencar no Planalto Palocci e Anne Krueger (poderosa vice-diretora do FMI) foram até ele. Ouviram imprecações contra as altas taxas de juros. Apesar do espanto de Anne Krueger, a conversa transcorreu calma. Teve até um desfecho bem-humorado pela presença de espírito de José Alencar: "Eu vou dizer uma cois a para a senhora. Aqui, quem bate nos juros sou eu. Não vou deixar para a oposição bater, não". Uma luta de brincadeira.
O presidente do PSOL conclui sua elogiosa nota sobre a figura de José Alencar afirmando: “O heroísmo de sua luta pela vida entra para a História do nosso país”. Para nós, herói na luta pela vida é o povo trabalhador que deve enfrentar longas filas para receber um atendimento precário ou morrer nos corredores dos sucateados hospitais públicos aguardando um atendimento que muitas vezes nem chega. O próprio ministro do governo Lula/Alencar, José Gomes Temporão, depois de rasgar elogios sobre o ex-vice escreve: “… Na luta contra o câncer, nosso Zé foi atendido pelos melhores médicos, operado nos melhores hospitais, teve acesso a medicamentos de alto custo e até mesmo experimentais. Tal padrão de qualidade dificilmente está acessível a tempo e hora ao brasileiro comum…” O que dev e entrar para a historia de nosso país, é que o governo que Alencar encabeçou junto com Lula aprofundou as deficiências na área da saúde pública em favor dos planos privados, transformando milhões de pacientes do serviço público, se não em heróis, em verdadeiros mártires.
Não nos comove, como expressa o presidente do PSOL, a coragem e a bravura do bilionário José Alencar. Como ser humano não teve essas qualidades para reconhecer sua filha Rosemary de Moraes, uma professora aposentada de 55 anos que vive com uma renda mensal de R$ 1200,00. Nada de humano teve seu comportamento quando negou sistematicamente o reconhecimento de paternidade e nunca aceitou fazer o exame de DNA. Pressionado, acabou reconhecendo que Rosemary poderia ser fruto do relacionamento com uma "mulher reconhecidamente frequentada por vários homens". Uma atitude covarde, machista e própria de coronéis que aproveitavam sua ascendência econômica para servir-se de mulheres às que depois não dariam nenhum atendimento. Essa foi a história da falecida enfermeira Francisca Nicolina de Morais que diz haver tido um romance com o ex-vice-presidente em 1954, do qual nasceu Rosemary. Casualmente, Dona Nicolina morreu de um câncer de pele que foi espalhando por seu corpo por não dispor de um bom atendimento médico.
José Alencar foi um grande empresário que se dedicou à política para defender os interesses dos poderosos de nosso país. Não por acaso, outro Zé, o Dirceu, o procurou para integrar a chapa de Lula, simbolizando a política de conciliação através da falsa unidade do “capital com o trabalho”. Além de ter apoiado a Ditadura, foi contra ocupações do MST, mais um dos motivos pra que toda a esquerda petista criticasse a coligação com o PL. Junto com a Carta ao Povo Brasileiro, cumpriu o papel de espantar as desconfianças que Lula e o PT despertavam nos grandes empresários nacionais e internacionais, fundamentalmente do sistema financeiro. O já domesticado e conciliador PT, outrora esperança de emancipação para a classe, com a figura de José Alencar na vice-presidência, culminou um processo de integração completo à ordem burguesa, à conciliação de classe e à traição definitiva dos interesses dos trabalhadores. Por isso, a morte de José Alencar o ex-vice-presidente do governo Lula não é um motivo de “lamento” para os lutadores de nosso país. Não era um dos nossos, por isso sua morte não nos consterna. Nem nos alegra, nem nos entristece.