33 anos após seu falecimento: Nahuel Moreno e o partido revolucionário
Texto Francisco Moreira e Diego Martínez Tradução Pablo Andrada e Felipe Melo
Em 25 de janeiro de 1987 falecia Nahuel Moreno. Ele foi um dos fundadores do trotskismo na Argentina e na América Latina, e o grande construtor de nossa corrente política, que hoje na Argentina e no Brasil tem continuidade na Esquerda Socialista (FIT) e na Corrente Socialista dos Trabalhadores (PSOL).
No início dos anos 40, Nahuel Moreno iniciou-se no trotskismo em circunstâncias muito difíceis. Leon Trotsky, que juntamente com Lênin havia liderado a revolução russa, tinha sido assassinado por um agente stalinista. Trotsky foi de longe o líder mais experimentado e capaz da Quarta Internacional e sua morte deixou um grande vazio. Como se isso não bastasse, grande parte dos principais quadros e dirigentes que haviam trabalhado lado a lado com Trotsky, também tinham sido assassinados pelas mãos do stalinismo e do fascismo. Diante dessa situação, a Quarta Internacional estava se desmanchando e sua equipe de direção estava ficando fortemente debilitada. Moreno tinha por costume dizer que o inicio dele tinha sido um trotskismo “bárbaro”. Formou-se politicamente sem a orientação de uma direção sólida.
Moreno se desenvolveu como dirigente no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Foi uma etapa marcada por grandes revoluções, como na China e Cuba, que contraditoriamente tinham sido dirigidas por aparelhos contrarrevolucionários fortalecidos no calor daqueles grandes triunfos da luta de classes. Uma parte importante dos dirigentes da Quarta Internacional sucumbiu a essas direções, adaptando-se a elas de modo oportunista. Outro setor foi se isolando desses processos de modo sectário, afirmando que não tinham acontecido revoluções. Moreno teve o mérito de participar e promover ativamente os processos de luta de classes dessa etapa, mas sem capitular a essas direções. É por isso que acreditamos que foi o líder trotskista do pós-guerra que melhor passou no teste.
Os primórdios do movimento operário
Em 1944 Nahuel Moreno fundou o Grupo Operário Marxista (GOM), tirando o movimento trotskista argentino das discussões nos cafés e levando-o ao movimento operário. Um pequeno grupo de jovens, orientados pelo grande dirigente sindical na época Mateo Fossa, somou-se às greves de uma das principais áreas industriais da cidade de Avellaneda, na região sul da grande Buenos Aires. A iniciativa era de ficar só a serviço do que os trabalhadores precisarem, sem “mexer na política”. Dessa forma, o GOM foi conquistando a confiança dos principais ativistas, mudando logo para o bairro Villa Pobladora dessa cidade, onde deu os primeiros passos na construção do partido no interior do movimento operário. Desde então, Moreno e nossa corrente se tornaram fãs em se aproximar dos diversos ativistas de cada lugar onde o partido tiver a oportunidade de se construir colado ao movimento operário.
No entanto, não eram tempos fáceis para construir o trotskismo na classe operária. Uma grande maioria da classe trabalhadora argentina estava sendo conquistada pelo peronismo, que havia concedido importantes conquistas aos operários e setores populares. Nossa corrente, no entanto, tinha definido que o peronismo era um movimento burguês, que não era possível depositar confiança nele e que, devido à sua natureza conciliatória, essas conquistas poderiam ser perdidas. Tal definição não impediu de lutarmos lado a lado com os ativistas operários que se identificaram como peronistas quando aconteceu o golpe militar de 1955, orquestrado pelo imperialismo ianque, contra a atitude do próprio Perón, que se entregou pacificamente e não mobilizou a classe trabalhadora para lutar.
Debates na Quarta Internacional
Em 1948 ocorreu um acontecimento muito importante na história de nossa corrente: a participação no II congresso da IV Internacional, o primeiro congresso ocorrido após a morte de Trotsky. Para Moreno e para o nosso partido foi uma grande experiência e, a partir daí, concluímos a importância de fazer parte de uma organização internacional, por menor que esta seja. Desde então, nossa corrente tem a obsessão por construir partidos em todas as partes do mundo e estar aberta à fusão com outras correntes revolucionárias, mesmo sendo oriundas trajetórias diferentes à nossa.
Nesse congresso de 1948 foi escolhida direção internacional, encabeçada pelo grego Michel Pablo e pelo belga Ernest Mandel. Moreno definiu-a como uma direção impressionista e inexperiente, formada no campo intelectual e não na luta de classes. Teve com eles duras controvérsias.
Pablo e Mandel começaram a impor uma linha de permanente capitulação aos partidos comunistas que seguiam o aparato da URSS encabeçado por Stalin e os nacionalismos burgueses da América Latina, Ásia e África, e posteriormente, ao castrismo. Moreno alertou que essa orientação oportunista levaria à renúncia à construção de partidos revolucionários e ao colapso da Internacional. Nos anos setenta também alertou de modo enfático na política de elevar a tática da guerrilha ao plano estratégico, visto que haviam se mostrado corretas para a revolução cubana, formulando que havia que impulsionar a guerrilha em todos os países da América Latina. Moreno argumentou que essa abordagem levaria as gerações inteiras de combatentes ao desastre e seria contraproducente para o próprio desenvolvimento da revolução latino-americana.
Ele seguia os conselhos de Lenin, que argumentou que era preciso ser firme nos princípios e no programa revolucionário, e flexíveis nas táticas, tomando as formas de luta da classe operária e os setores populares em todas as partes do mundo.
A necessidade de partidos revolucionários e a IV Internacional
Mais de trinta anos se passaram desde o falecimento de Moreno e o capitalismo continua afundando numa crise crônica. Porém, perante as nefastas consequências que provoca, milhões no mundo se levantam e protagonizam heroicas rebeliões e revoluções. As lutas da classe operária e dos povos alcançam, muitas vezes, enormes triunfos. Apesar delas, no entanto, o capitalismo ainda não caiu. A questão é que essas lutas são dirigidas por organizações que afirmam existir saída para a crise nas fronteiras do capitalismo, como tem sido nas experiências já fracassadas do falso “socialismo do século XXI” de Chávez, Evo ou Lula.
Diante destas direções, é preciso lembrar os ensinamentos de Moreno, que afirmava que não é possível uma saída de fundo se a classe trabalhadora não tomar o poder, expropriar a burguesia e o imperialismo, e começar a construir o socialismo. E que essa não é uma tarefa nacional, mas faz parte de algo muito maior: a revolução socialista internacional.
Por isso, continua vivo o desafio de construir um partido e também uma internacional revolucionária. Essa é a imensa tarefa que continuamos promovendo desde a Esquerda Socialista, a Corrente Socialista dos trabalhadores e a Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional.
“Ser trotskista hoje” (Nahuel Moreno)
Numa entrevista feita em agosto de 1985, Moreno conseguiu resumir as definições centrais do trotskismo, destacando a necessidade de construir partidos revolucionários e a Quarta Internacional. Este é um dos legados pelos quais continuamos lutando desde a Esquerda Socialista, a Corrente Socialista dos trabalhadores e a UIT – QI.
“[Ser um trotskista] significa defender as posições principistas do socialismo, do marxismo. […] No aspecto positivo, ser trotskista é responder a três análises e posições programáticas claras. A primeira é que, enquanto o capitalismo existir no mundo ou em um país, não há solução de fundo absolutamente para problema nenhum: começando pela educação, a arte e atingindo os problemas mais gerais da fome, do aumento da miséria. Junto a isso, embora não seja exatamente o mesmo, o critério de que é necessária uma luta impiedosa contra o capitalismo até a sua derrocada, para impor uma nova ordem econômica e social no mundo, que não pode ser diferente do socialismo.
A segunda questão, é que naqueles lugares onde a burguesia já foi expropriada (falo da URSS e de todos os países que reivindicam o socialismo), não há saída possível se não for imposta a democracia operária. O grande mal, o câncer do movimento operário mundial, é a burocracia.
(…) E a terceira e decisiva questão, é que é a única consequente com a realidade econômica e social mundial destes dias, quando um grupo de grandes empresas transnacionais domina praticamente toda a economia mundial. Devemos responder a esse fenômeno socioeconômico com uma organização e política internacional. […] Para isso, é preciso retomar a tradição socialista da existência de uma internacional socialista, que enfrenta a estratégia e as táticas para alcançar a derrota das grandes transnacionais que dominam o mundo inteiro, para inaugurar o socialismo mundial.
[…] Por isso, a síntese do trotskismo hoje é que os trotskistas são os únicos no mundo inteiro que têm uma organização mundial (pequena, fraca, tudo o que você pensar), mas a única internacional existente, a Quarta Internacional, que recupera toda a tradição das internacionais anteriores e a atualiza diante de novos fenômenos, mas com a visão marxista de que é necessária uma luta internacional. ”