QUEM SÃO OS INIMIGOS DO POVO?

Um debate sobre o caráter do governo Dilma e as tarefas do PSOL em 2015 |

Pedro Fonteles e Michel Tunes – militantes da CST e do PSOL

Estamos em meio a um novo curso da situação política e da luta de classes. A explosão popular de junho de 2013 com as dezenas de greves e lutas que se seguiram e insurgiram contra os aparelhos burocráticos e os governos abriram novas brechas para a esquerda intervir e extrair lições. Em meio a um debate do rumo pós-junho opinamos que há uma crise crescente de descontentamento, representatividade e questionamento das massas às instituições, aos partidos tradicionais, as velhas direções pelegas e a democracia burguesa. Esse fenômeno vai se consolidando na medida em que a classe trabalhadora, a juventude e o povo vão aprofundando sua experiência e vivência de mais de 12 anos de governo do Partido dos Trabalhadores. Governos que mantiveram a política neoliberal da era FHC, as privatizações, a corrupção como método de governo, a submissão ao imperialismo e a repressão aos movimentos sociais.

A eleição de Dilma derrotando Aécio por uma pequena diferença de votos evidenciou uma enorme dificuldade de diferenciação dos projetos encabeçados pelo PT/PMDB ao do PSDB/DEM para os trabalhadores. A votação do candidato tucano não representa um ascenso de uma onda conservadora influenciada por elementos fascistas e nazistas, como o governismo agitou. Ela é expressão do esgotamento do modelo impulsionado pelo PT, do seu giro cada vez mais a direita que representa a estagnação e o retrocesso nesses mais de 12 anos em que está no poder. Por isso, o fato característico do último processo eleitoral foi um voto de protesto que castigou o PT, pulverizando-se em distintas alternativas e no voto nulo/branco/abstenção. Sendo que uma parte mais politizada e de esquerda votou nas candidaturas do PSOL e esteve com Luciana Genro. Não deixa de ser importante a tragédia eleitoral do PT no ABC paulista e em outros centros operários de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, além de seu retrocesso nos maiores centros urbanos do país, onde se concentra a maior parte do proletariado nacional e dos setores mais organizados e politizados do país.

Junho acelerou os rumos dos ventos

As jornadas de Junho aceleraram um processo que já estavam em andamento por meio de greves como Jirau e Santo Antonio, Bombeiros e outras explosões sociais. As teses que defendiam que o governo Dilma era um governo forte, sólido e que o caminho para a esquerda socialista e o PSOL era atuar como o setor de esquerda da governabilidade petista caiu por terra em meio aos milhares de manifestantes nas ruas. No entanto esta questão segue em discussão e voltou a tona nos últimos meses como se o furacão que varreu as ruas entre 2013 e 2014, numa rebelião permanente, nunca tivesse ocorrido. Há uma série de posturas que legitimam discursos como se o PT fosse de esquerda e o governo Dilma progressista ou integrasse um campo “avançado” contra a “direita conservadora”. Fato mais evidenciado no segundo turno e os debates que o seguiram. O que mostra a necessidade de um debate profundo e estratégico no PSOL, preparando os embates de 2015 e a afirmação de uma política combativa e classista em nosso país. Junho de 2013 representou a retomada dos movimentos de massas no Brasil. A rua, as mobilizações e o sentimento de que é possível conquistar direitos voltou a ser o eixo principal da luta política aos olhos de milhares. Conseguimos romper o pacto social e o imobilismo que o PT em conjunto com a burocracia sindical e as entidades governistas do movimento social visavam construir com frações da burguesia. Junho com toda a sua complexidade e pluralidade fruto dos milhões que saíram as ruas apresentou uma agenda a esquerda, centrada na denuncia dos gastos públicos com estádios para a copa do mundo e por mais direitos sociais. A consigna foi: saúde, educação e transporte público padrão FIFA, combinada com os questionamentos da falsa democracia corrupta em que vivemos e o aumento do custo de vida. O Governo Dilma não apenas não deu nenhuma resposta concreta a essa agenda proposta pelas ruas, como criminalizou e atuou para reprimir as manifestações, realizando também um pacto de ajuste fiscal com governadores do PSDB, PMDB e PSB. Com a retomada dos grandes movimentos de massa se desencadeou um conjunto de grandes lutas operárias que tinham como centro valorização salarial e melhores condições de trabalho, tendo para isso que passar por cima da burocracia que dirige as centrais sindicais e enfrentar os governos da ordem, tanto da base de apoio da Dilma quanto da oposição do PSDB. Essas sucessivas e vitoriosas greves, como a dos garis do RJ ou dos rodoviários de POA, confirmaram que a velha direção não tem mais condições de conter, sozinha, os avanços e as explosões das lutas sociais no Brasil, e que eles já começam a perder em uma parte do imaginário da classe trabalhadora o referencial de combatividade e por sua vez de representação dos seus sonhos. Por isso inclusive cresce a importância do papel da esquerda, em particular do PSOL, nessa nova situação política para atuar de forma correta em meio as lutas e as disputas políticas.

O PSOL foi bem no Primeiro turno

A disputa presidencial de 2014 se deu nos marcos de quem poderia gerenciar melhor o Estado burguês, em meio a um intervalo conjuntural das grandes lutas de impacto nacional. De um lado o PT, apresentando como seus aliados os históricos inimigos da classe trabalhadora como Kátia Abreu, Sarney, Renan Calheiros, Barbalhos e aplicando há 12 anos uma política de privatização de portos, aeroportos, rodovias, leilões do petróleo, arrocho salarial, a submissão ao setor financeiro e às diretrizes do FMI/Banco Mundial garantindo mesmo em tempos de crise lucros exorbitantes aos banqueiros, relações espúrias com empreiteiras se confirmando como o principal beneficiado pela corrupção que está encastelada nas principais estatais, subserviência ao agronegócio e a impunidade no campo, criminalização do movimento social e etc. Ou seja, o PT aplicou o mesmo programa que outrora em suas raízes combatia. De outro lado estava o Aécio com a Veja e o Estadão e as frações opositoras da burguesia que viram a possibilidade iminente de alçar um dos seus representantes legítimos e não mais terceirizar para o PT a gerencia do estado. Foi nesse cenário que houve a polarização de dois nomes e a divisão de votos entre Dilma e Aécio. Jamais houve dois projetos em disputa.

Em meio a essa falsa polarização, apareceu o PSOL. Nossa candidata Luciana Genro, enfrentando as leis eleitorais antidemocráticas e o boicote da mídia burguesa conseguiu manter de pé um projeto de esquerda aos olhos de um setor expressivo do eleitorado durante o primeiro turno. Isso empolgou a militância que estava nas ruas e nas redes. Em vários estados pudemos verificar o crescimento do partido e bons resultados proporcionais. Em alguns locais conseguirmos até mesmo boas campanhas majoritárias. A atuação do PSOL no primeiro turno da eleição apontou o caminho que devemos seguir: denunciando que na sua essência a política que defendem PT e PSDB são iguais e mais do mesmo, ambos governam com os patrões e para o capital financeiro. São os irmãos-siamenes que não contrariam os interesses da burguesia, sendo duas alas do sistema. E dentro disso afirmando as nossas propostas de mudança profunda do pais, saindo da mesmice representada pelos partidos da ordem. Há um espaço aberto para o PSOL atuar e se consolidar como uma alternativa política para os trabalhadores e a juventude. Nosso desafio é vocalizar e ser a expressão prática das lutas e da agenda que as ruas e as greves tem reivindicado (como as greves dos bancários ou da USP durante a eleição). Logicamente corrigindo problemas, como o financiamento de campanha e outras questões programáticas.

Voto crítico na Dilma se transformou em voto na burguesia

Manter o perfil do PSOL como oposição de esquerda aos partidos do sistema é fundamental. O combate aos irmão siameses, o bloco PT e o bloco do PSDB, é uma definição estratégica, que marcou a independência de classe do PSOL no terreno eleitoral durante o primeiro turno e está em sua marca de fundação. Sem ela é impossível construir uma esquerda alternativa no próximo período. Mudar essa definição significa transformar o PSOL em "linha auxiliar do PT", um erro cometido por dirigentes e setores de nosso partido durante o segundo turno.

A tarefa para um pólo revolucionário e lúcido do papel que se deve cumprir é por vezes difícil, requer um trabalho pedagógico de explicar e educar pacientemente as massas para o real caráter dos "falsos governos operários" e nesse processo buscar a melhor política que ajude a manter a mobilização de massas. A citação de Trotsky é perfeita nesse sentido: "Expor aos oprimidos a verdade sobre a situação é abrir-lhes o caminho da revolução”. Isso hoje está até menos difícil pela crise brutal pela qual passa o PT e a corrente de Lula. Hoje o principal agente do capital no Brasil é o governo do PT, quem mais atuou para reprimir e derrotar as greves e as manifestações, quem cooptou uma grande parte da vanguarda de dirigentes operários e do movimento social foi o governo Lula/Dilma, quem nada fez contra a grande mídia corporativa e suas mentiras foram os governos do PT, que hoje são o principal entrave para o avanço do nível de consciência dos trabalhadores, seja porque venderam a ilusão de que é possível governar em conciliação de classes e que os trabalhadores podem avançar em seus direitos convivendo de maneira pacífica com os seus opressores, ou seja, porque representam aos olhos de muitos lutadores honestos a derrocada de construção de um partido de esquerda, socialista e de massas. A traição do PT representa um duro golpe na mentalidade e na perca de esperança que muitos tinham. Qualquer ação que faça com que a classe trabalhadora recue no seu nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e vitória, ou seja, que perca a confiança em governar por ela mesma e romper com as estruturas do estado burguês, está inevitavelmente contra o nosso projeto estratégico. Por isso o PSOL não pode dar um "abraço de afogado" no projeto petista. Muito menos agora quando assistimos a explosão de novo fatos vinculados a corrupção na Petrobras e nos contratos federais com as empreiteiras. Um escândalo que deixa em crise a falsa democracia em que vivemos já que afeta todos os partidos e as principais instituições da república. Sendo que o PT é organizador do esquema e seu principal beneficiado, mostrando como ele nada tem de progressista.

A esquerda precisa estar conectada com esse sentimento e seguir adiante. Abrir o voto critico em Dilma, ainda que tenha sido com argumentos de que seria para “evitar o retrocesso e um mal maior” é reforçar a ilusão (que lutamos todos os dias para desconstruir nas ruas) de que o PT ainda nos serve como alternativa ao PSDB. E reforçar a tese de que não é possível construir uma ferramenta de classe para a disputa de poder, de que só há duas alternativas possíveis: ou PT ou PSDB. Nos não pactuamos com isso! Não se pode emprestar todo o acumulo fruto das lutas e da coragem da sua militância que o PSOL adquiriu para maquiar a realidade que é dura, mas é verdadeira: A maior parte das representações dos fundamentalistas, do agronegócio, das empreiteiras que enriquecem com obras superfaturadas, dos banqueiros, ou seja da direita mais reacionária não esta na oposição conservadora ao PT, está justamente governando junto com Lula e Dilma há 12 anos, e comandam as pastas estratégicas do governo federal. Portanto sabemos que Dilma não estava sendo disputada à esquerda, que não teríamos uma guinada, já que hoje o PT também é conservador. Nossa tarefa mais estratégica é construir uma alternativa que seja independente dos patrões e da burguesia, unindo os oprimidos, os pobres, os trabalhadores e a juventude contra a velha política, a burocracia, e as direções traidoras que conciliam classes, contra essa falsa polarização, entre PT e aliados de um lado e PSDB e aliados do outro. Nesse sentido chamando o voto nulo debatemos a nossa opinião com toda a esquerda e no interior do PSOL. Votamos nulo porque ele esteve a serviço de combater tanto Dilma quanto Aécio já que entre eles não havia projetos antagônicos em disputa. Hoje continuamos a denunciar PT como partido do regime e que gerencia o estado burguês, armando assim a classe trabalhadora e a juventude para resistir aos ajustes e ir às ruas e as greves para arrancar na luta real e no movimento de massas mais direito. O mesmo que fazemos contra o governo Alckmin e nos demais estados onde o PSDB governa. Nem PT e nem PSDB nos representam! O PT traiu a classe trabalhadora e o povo e deixou de ser de esquerda ao se converter a ordem burguesa e assumir um programa capitalista. Por isso o governo Dilma não é progressista, não está em disputa e não integra um campo “de combate” contra “a direita conservadora”. Infelizmente os companheiros do PSOL e da esquerda que votaram em Dilma e no PT, acabaram votando naqueles que combatemos todos os dias. A composição do novo ministério já comprova esse fato.

O novo – velho governo e o tempo que está por vir

O novo governo Dilma ainda nem começou, mas já apresenta de maneira nefasta quais serão os seus aliados prioritários e qual política aos mais oprimidos ela aplicará. Tudo para sinalizar aos banqueiros e aos grandes empresários, que o tom mais a esquerda que ela imprimiu no 2 turno com a consigna: Dilma – Coração Valente foi apenas uma manobra para descolar um setor do movimento combativo e se apoderar de uma cara mais a esquerda. A sinalização começa com o tarifaço proposto e em curso, em especial das contas de luz e da gasolina que deve crescer em 20% em 2015. Mas o movimento principal de Dilma e da direção do PT e que antecipou a necessidade da esquerda se manter mobilizada e se preparar para voltar a ocupar as ruas, são a nova equipe do núcleo duro e estratégico dos ministérios: Em primeiro lugar a nomeação de Joaquim Levy para comandar o Ministério da Fazenda e a política econômica do governo. Segue na verdade a mesma lógica de sempre, um nome de confiança do mercado como foi com Henrique Meirelles. Levy era diretor do Bradesco e foi chefe do tesouro nacional no primeiro mandato de Lula e foi um dos responsáveis por operar o ajuste fiscal e também era colaborador do programa de governo de Aécio a presidência. Essa é a confirmação que os credores da divida pública e o capital financeiro estão contemplados. Os bancos se mantêm no comando da economia do país, seus lucros estarão mantidos, foi assim neste ano de 2014 em que meio a crise e demissões nas áreas da indústria os bancos tiveram lucros enormes. Em 2014 somados os bancos Itaú, Bradesco e Santander, o lucro foi na casa dos R$ 27,4 bilhões, 27% a mais que 2013. Vamos assistir novamente graves cortes nas áreas sociais, como saúde e educação, saneamento básico e mobilidade urbana atacando diretamente a qualidade de vida dos trabalhadores e seus filhos. O nome da presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), Kátia Abreu (PMDB-TO) foi também anunciado para o Ministério da Agricultura. Kátia Abreu é a representante e líder legítima dos ruralistas e do agronegócio no congresso nacional. Seus mandatos e sua atuação a transformaram em inimiga do conjunto dos movimentos sem-terra, dos indígenas que lutam pela demarcação de suas terras e da luta pela reforma agrária. Se destacou combatendo as políticas contra o trabalho escravo e como defensora do uso de transgênicos. A deputada "motosserra de ouro" comandará toda a política do campo do governo Dilma. Possivelmente as mortes e a impunidade no campo continuarão a ser a rotina e a marca do governo do PT. Dificilmente Aécio responderia tão bem aos interesses do Agronegócio e do latifúndio quanto Dilma o faz.

Em meio a esse processo, as centrais sindicais governistas já preparam sua ação para blindar o governo de responder sobre os ajustes que aplicará aos trabalhadores, enquanto o capital financeiro manterá seus lucros. Em recente reunião com o Ministério da Fazenda, as direções da CUT, Força Sindical, CTB, UGT e NCST formularam uma proposta que seria de reduzir a jornada de trabalho e concomitantemente reduzir os salários em até 30%. Além disso, as centrais pedem que o governo amplie as isenções de impostos para as empresas. Nas palavras do próprio presidente nacional da CUT, Vagner Freitas: "haveria redução da jornada de trabalho e dos salários e o governo, por sua vez, abriria mão de alguns tributos…". reafirmando a necessidade de uma nova direção para a classe trabalhadora combatendo esses burocratas sindicais vendidos.

Que fazer?

O ano de 2015 será de resistência e luta política e é necessário fazer um chamado e construir um calendário com ampla unidade de ação com as organizações de juventude em luta, sindicatos, centrais sindicais e a todo movimento social para, nas ruas, resistir à política de retirada de direitos do governo Dilma (PT/PMDB) e dos governadores do PSDB e PSB. Fazemos um chamado para unificar e coordenar as campanhas salariais do próximo semestre por meio de comandos de mobilização e atos unificados. Será preciso unir as lutas dos trabalhadores com os protestos dos sem-teto e da juventude. Os trabalhadores e seus filhos não podem pagar por essa crise.
Um exemplo a seguir é dos operários da Wolks de São Bernardo do Campo que enfrentaram e derrotaram em assembleia a política de arrocho salarial do governo, da patronal e da direção pelega do sindicato dos metalúrgicos do ABC. Os operários da Wolks mostraram o caminho pra não pagar pela crise: resistir e se revoltar! Para transformar esse sentimento em ação, faz falta a ação coordenada da esquerda num polo combativo e dinâmico, sem vacilar na ação e sem capitular aos governistas. O mais provável é que em 2015 novos levantes continuarão a estremecer a ordem vigente e questionando a falsa democracia burguesa, os governos da ordem e as velhas direções traidoras do movimento de massas, e a nossa responsabilidade é intervir incentivando o desenvolvimento das lutas e organizando ações concretas que desenvolvam um conjunto de experiências que faça avançar o nível de consciência política dos trabalhadores e da juventude e acumule para a alteração revolucionária da atual ordem social.

A CST e sua militância seguirá mobilizada nas ruas, nos sindicatos, nos grêmios e DCE´s na defesa intransigente dos direitos e dos sonhos dos trabalhadores e da juventude, construindo o PSOL como ferramenta política a altura da necessidade de superação do sistema capitalista que oprime, explora e mata milhões todos os dias.
Venceremos!