DEBATES: Em defesa da Educação: ampla unidade sim, apagar o passado não!
Que o governo Bolsonaro/Mourão elegeu a Educação como inimigo público número 1, todos nós temos certeza, assim como acreditamos ser necessária a mais ampla unidade de ação para defender as escolas e universidades públicas da política de ajuste e da guerra ideológica impostas pelo Presidente e seu ministro. O problema é que muitos setores da esquerda, inclusive dentro do PSOL, têm confundido essa necessária unidade com um apagamento do que foram os governos anteriores, inclusive com relação à Educação. Esse é o caso, por exemplo, do companheiro Marcelo Freixo que, em ato no Rio de Janeiro, relembrou com saudade os anos em que Haddad (PT) foi Ministro da Educação, nos governos Lula e Dilma.
É fato que, durante seu mandato como ministro, houve a criação do PIBID e do SiSU, a implementação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e do IFs, a aprovação da Lei de Cotas, assim como a implementação do ProUni e a reformulação e ampliação do FIES e do Enem, entre outros.
A maioria são medidas que, a princípio, parecem grandes avanços, sobretudo em um país em que, historicamente, o acesso ao ensino superior e à educação básica de qualidade foi marcado pela exclusão dos setores mais explorados e oprimidos. Mas é necessário um exame mais profundo dessas políticas públicas educacionais para compreender a situação atual e resgatar um programa para uma educação 100% pública, gratuita e de qualidade.
Avanço do setor privado, cortes e criminalização
Os governos do PT foram marcados por uma estratégia de conciliação entre os interesses da classe trabalhadora e os interesses dos grandes empresários. Logicamente, a educação fez parte dessa estratégia. Por isso, os programas citados anteriormente atendiam a reivindicações históricas dos movimentos docente e estudantil, ao mesmo tempo em que contemplavam a ganância dos empresários de ensino.
Entre 2003 e 2009, o país saltou de 3,94 milhões de estudantes no ensino superior para 6 milhões. No entanto, 75% das matrículas estavam na rede privada de ensino. Por outro lado, entre 2003 e 2007, Lula deixou de aplicar R$ 20 bilhões, que, por determinação constitucional, deveriam ter sido destinados à Educação. O valor equivalia a mais da metade do orçamento do MEC para 2008 e seria suficiente para manter mais de 2 milhões de alunos matriculadas no Ensino Médio. Em 2014, quase 100% dos recursos do PRONATEC, R$2,6 bilhões, foram destinados ao Sistema S. Em 2015, a Kroton Educacional, que abocanhou uma parcela importante dos investimentos públicos, tornou-se a maior empresa privada do ramo de educação do mundo.
Quando foi criado, o ProUni entregava ao setor privado os recursos equivalentes aos custos de quatro matrículas em uma universidade pública. Não se trata de impedir que pessoas estudem, mas sim de ampliar o acesso à educação pública, um direito de todos e todas. Aliás, se o ensino superior fosse gratuito para todos, não seria necessário um programa como o FIES, que financia o estudo, mas que é pago pelo próprio estudante, com juros, depois que se forma.
O Enem manteve a lógica meritocrática de acesso e de universalização do conhecimento, desrespeitando as diversidades das regiões brasileiras, além de ser uma prova conteúdista e excludente, como qualquer vestibular, mantendo o acesso privilegiado da elite.
Na Pátria “Educadora” de Dilma, R$15 bilhões foram cortados da pasta. Também foi no PNE do governo Dilma que foi introduzida a BNCC. O Pré-Sal, que geraria dinheiro para investir em Educação, não passou de fantasia e, novamente, foi parar no bolso as multinacionais. Foi um governador do PT (Agnelo/DF) quem inaugurou a moda do parcelamento de salário dos professores, o que nos faz lembrar de outro ex-governador petista, Tarso Genro (RS), que liderou uma ação no STF para não pagar o piso salarial nacional da educação básica. Nada diferente do que faz Rui Costa agora com os educadores da Bahia.
A marca dos governos do PT na educação foi, portanto, de benefício do setor privado em detrimento do fortalecimento do ensino público. E os avanços, na verdade, se constituíram como verdadeiros castelos de areia, que foram derrubados com as primeiras brisas de cortes de verbas desses mesmos governos, depois com Temer e, agora, com Bolsonaro.
No calor do Tsunami, fortalecer um programa radicalmente de esquerda para a educação
Convidamos cada ativista que participou do #EleNão e do #ViraVoto no 2º turno das últimas eleições e que agora que está construindo o Tsunami da Educação para fazer essa reflexão. É por que estamos em uma situação pior que precisamos reeditar propostas que contribuíram para que chegássemos até aqui? Nós achamos que não. Achamos que é possível fortalecer, no calor das mobilizações contra os cortes do governo Bolsonaro, um programa radicalmente de esquerda para a educação brasileira. Com o acesso universal para o ensino superior, fim dos incentivos ao setor privado, com investimentos em ciência e tecnologia, com ampliação das bolsas de assistência estudantil vinculada à política de cotas, com valorização salarial dos profissionais, enfim, por uma educação 100% pública, gratuita e de qualidade. Por isso, é necessário manter a unidade de ação nas ruas contra Bolsonaro, mas sem perder de vista os erros do passado e a necessidade de superá-los.
Por Bianca Damacena e Mariana Nolte – Militantes da CST/PSOL e Professoras das Redes Estaduais do RS e RJ