Juan Carlos Coral: Até o socialismo sempre!

No dia 23 de agosto, aos 84 anos, morreu Juan Carlos Coral, ex-candidato presidencial em duas ocasiões do Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) e figura central da esquerda argentina dos anos 60 e 70.

Por: Ricardo de Titto*

Nascido em Quequén, Provincia de Buenos Aires, no final de 1933, ele se aproximou do antigo Partido Socialista em 1953, pouco antes do golpe que derrubou Perón. Em Buenos Aires estudou Direito. Em 1956 juntou-se ao Partido Socialista e rapidamente se destacou como um orador diferente dos discursos artificiais e, acima de tudo, violentamente anti-peronista dos velhos gorilas socialistas como Alfredo Palácios e Alicia Moreau. Na campanha eleitoral de 1958, ele afirmou seu prestígio como um “homem tribuno” que falava em uma linguagem clara e compreensível para os trabalhadores, por causo disso era o dirigente mais solicitado pelos “centros socialistas”.

Distinguia-se por suas ironias e seus gestos eloqüentes com aqueles que acompanhavam suas palavras. Além disso, ele era um “socialista doutrinário”, como gostava de se chamar, porque era um profundo estudioso dos fundadores do marxismo e do socialismo, como Engels, Plejanov, Kautsky e o próprio Marx.

Estudou a questão da propriedade oligárquica da terra e formulou uma tese sobre a “revolução agrária” na qual incorporou as medidas adotadas pela revolução cubana, com as quais simpatizava desde o início.

Rumo ao socialismo revolucionário

Em 1963 foi deputado nacional, e colocou seu mandato a serviço das lutas operárias, às denúncias da penetração imperialista e à solidariedade com os habitantes das favelas e os povos originários da “América indígena”.

Após o golpe militar de 1966 encabeçado por Onganía, em 1967 foi convidado para o congresso da Organização Latinoamericana de Solidariedade (OLAS) em Cuba, onde se juntou à delegação argentina com John William Cooke e Ismael Viñas. Nessa época reorganizou o PSA- Partido Socialista Argentino em um congresso clandestino que, sob sua direção, editou o jornal “Os de abaixo”, cuja principal palavra de ordem era criar uma “Frente operária”. Nessas páginas, convocou a defender a vida e a liberdade do líder trotskista peruano Hugo Blanco e, distanciando-se da concepção stalinista do PC, levantou a necessidade de lutar pelo socialismo “sem etapas”.

As posições de Coral romperam com o antigo reformismo socialista e evoluíram para um socialismo de esquerda, combativo e classista, distanciado do parlamentarismo burguês. Foi assim que, por vários canais, tanto desde a direção quanto desde a base, durante o ano de 1971, houve uma aproximação com a PRT- La Verdad, a organização trotskista liderada por Nahuel Moreno.

O “glorioso” PST

O “Cordobazo” de 1969 produziu um aumento fenomenal na mobilização das massas trabalhadoras e populares que a ditadura de Lanusse tentou canalizar através do chamado a um “Grande Acordo Nacional”, no qual as duas pernas principais eram Juan Perón e Ricardo Balbín da UCR, para canalizar o processo para as eleições. O grupo liderado por Coral – existia em várias em várias províncias, mas com uma estrutura frouxa – concordou em se fundir com o PRT-La Verdad.

No início de 1972, o jornal Avanzada Socialista começou a ser publicado. No meio do ano, o congresso fundador foi realizado e, uma vez obtido o status legal, em dezembro, adotou-se o nome de Partido Socialista dos Trabalhadores. O novo partido lançaria a chapa presidencial liderada por Juan Carlos Coral, acompanhado por Nora Ciapponi para as eleições de março de 1973.

Após a renúncia de Hector J Cámpora, que assumiu em maio de 1973 e renunciou em julho desse mesmo ano, na eleição subsequente de setembro, havia apenas quatro candidatos. A chapa presidencial formada por Coral com o PST e a Frente dos Trabalhadores, acompanhado pelo líder classista cordobes, José Páez, confrontam e denunciam o papel antioperário e antidemocrático de Perón e seu “Pacto Social”.

Durante os anos do governo peronista, Coral destacou-se percorrendo o país e apoiando grandes lutas de trabalhadores como Villa Constitución, palco de um greve histórica ou Ingenio Ledesma, importante usina açucarera do norte do país onde foram mortos e desaperecidos uma grande quantidade de trabalhadores. Ele foi repetidamente ameaçado de morte enquanto, em vários episódios de 1974 a 1976, 17 militantes do Partido foram mortos e muitas de suas sedes partidárias foram destruídas por bombas. Juan Carlos, além de atuar em público, teve que viver na clandestinidade e foi preso por apoiar a luta dos trabalhadores do Banco Nación. Depois, sofreu o arrombamento da sede onde funcionava a redação da Avanzada Socialista e do local central do PST.

Após o golpe de 1976, ele foi para o exílio na Venezuela. Retornou anos depois com um perfil baixo e, depois de mostrar algumas simpatias com o Kirchnerismo – embora ele sempre fosse um crítico do chavismo- frequentou vários eventos FIT e foi aplaudido pela multidão no final do grande ato realizado no estádio de Atlanta em 2016. Orgulhoso de seu passado, ele reconheceu em nossa organização irmã Esquerda Socialista a organização que incorporava “a tradição daquele embrião do partido revolucionário que era o glorioso PST”.

Sua última aparição pública foi, precisamente, na recente apresentação do segundo volume da História do PST. Coral morreu sem poder ver seu livro de memorias na rua. Eu sei que ele estava feliz por ter sido capaz de deixar “sua história”. Ficamos contentes: nos lembramos dele com aquele sorriso travesso e sedutor que o caracterizou. Querido Juan Carlos, com todo o nosso carinho e compromisso: até o socialismo sempre!

25/08/2018

*militante socialista, historiador, autor do livro Historia do PST volumes I e II, entre outros.

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