75 anos do triunfo soviético em Stalingrado. Uma batalha chave para a derrota do nazismo

Escrito por Mariana Morena, militante do Izquierda Socialista (Seção da UIT-QI na Argentina)
Traduzido por Lucas Andrade
Em 2 de fevereiro de 1943, as forças alemãs renderam-se ao Exército Vermelho após 200 dias de cerco na cidade de Stalingrado. Após anos de resistência heróica das massas ao horror do nazismo, com sua enorme máquina de guerra e seus campos de concentração e trabalho forçado, Stalingrado significou um ponto de inflexão na expansão do Terceiro Reich, mudando o curso da Segunda Guerra Mundial. O povo soviético não se curvou diante da ofensiva alemã e defendeu as conquistas sociais da revolução de 1917, apesar da ditadura de Stálin. A derrota definitiva do nazismo não tardaria a chegar.
Em 22 de junho de 1941, a Alemanha nazista iniciou a invasão da União Soviética com três milhões de soldados e a maior máquina de guerra da história. A ofensiva pegou de surpresa as massas trabalhadoras soviéticas, adormecidas como resultado das infames políticas estalinistas (a estratégia das frentes populares aprovada em 1935 pela Internacional Comunista, a “trégua” pactuada com o nazismo em 1939 e o desmantelamento dos comandos experimentados do Exército Vermelho em um dos “processos de Moscou”).
Em dezembro de 1941, apesar de ter aniquilado e capturado centenas de milhares de soldados do Exército Vermelho, era evidente o fracasso nazista da chamada Operação Barbarossa em seu objetivo de conquistar Leningrado e Moscou através de uma campanha “relâmpago”. A partir de então, Hitler dará prioridade a uma nova ofensiva em larga escala com o objetivo de invadir a região do Cáucaso e acessar os campos petrolíferos. A Operação Azul começou em junho de 1942 com importantes vitórias alemãs. E por sucessivas modificações ao plano original, Stalingrado acabou se tornando um objetivo principal.
Localizado no curso do rio Volga, a 480 quilômetros de sua desembocadura no Mar Cáspio, e fundada como Tsaritsyn, foi renomeada Stalingrado entre 1925 e 1961 como resultado do culto à personalidade de Stálin (que era seu comissário político durante a guerra civil). Naquela época, a cidade (atualmente Volgogrado) tinha 600 mil habitantes e uma importante indústria militar (com a fábrica de barris e munições Barrikadi e de tratores Outubro Vermelho), plantas químicas e petroleiras, silos de cereais, um porto fluvial e uma malha ferroviária crucial da linha que conectou Moscou com a região do Cáucaso.
O Sexto Exército do General Paulus e o Quarto Exército Panzer do General Hoth avançaram juntos em Stalingrado, com 330 mil das melhores tropas da Wehrmacht, atendidas por mais de 2.000 aeronaves, tanques, artilharia pesada e regimentos de seus aliados húngaros, romenos e italianos. Em 23 de agosto de 1942, exatamente três anos após a assinatura do tratado de não agressão entre Hitler e Stálin, a Luftwaffe reduziu grande parte da cidade a escombros em um bombardeio hediondo. Nas duas semanas que se seguiram, 40.000 de seus habitantes morreram.
A resistência heróica popular soviética
O ataque durou até meados de novembro. A população estava presa sob os intermináveis bombardeios alemães. Tornou-se habitual viver em buracos escavados nas barrancas ocidentais do Volga e comer barro quando o pão terminou. No entanto, muitos jovens foram incorporados às fabricas militares e depois às fileiras do exército; Houve inclusive mulheres pilotos de combate e regimentos antiaéreos formados exclusivamente por elas, enquanto as adolescentes se juntaram ao resgate e assistência dos feridos em salas de operação improvisadas nos mesmos barrancos.
As forças alemãs agarraram Stalingrado, mas as tropas soviéticas, lideradas pelo general Zhukov, forçaram-nos a uma batalha fragmentada, rua por rua, fábrica por fábrica, casa por casa, corpo contra corpo, mesmo em porões e esgotos, com baionetas, minas antipessoal, bombardeios noturnos, atiradores e emboscadas, em um tipo de combate para o qual os nazistas não estavam preparados (o rattenkrieg, “guerra de ratos”). Os soldados alemães sobreviventes declarariam que a cidade era um “moedor de carne”, com cheiro de decomposição de centenas de milhares de mortos. As temperaturas extremas do inverno russo e a escassez foram outros fatores decisivos para definir o curso da batalha. Durante o mês de outubro e os primeiros dias de novembro, Stálin reforçou o 62º Exército do general Chuikov para apoiar a luta pelas ruínas de Stalingrado, ao tempo que reunia tropas frescas com as quais levaria a cabo a contra-ofensiva.
A mudança do curso da guerra
Foi chamada de Operação Urano: lançado em 19 de novembro, aniquilou os flancos mais vulneráveis das forças romenas, húngaras e italianas desmotivadas e destituídas, e “embolsou” o Sexto Exército e a maior parte do Quarto Exército Panzer com sete exércitos soviéticos, rechaçando toda tentativa alemã de socorrer-los e lançando novas ofensivas que obrigaram o promovido marechal Paulus, desobedecendo Hitler, a capitular. Junto com ele se renderam vinte e dois generais e 91.000 homens desmoralizados, famintos, congelados e atacados por epidemias. As baixas totais do Eixo chegaram a 800.000, entre mortos, feridos, desaparecidos ou capturados. O Sexto Exército e o Quarto Exército Panzer alemães, e os exércitos italiano, húngaro e romano foram aniquilados.
A batalha de Stalingrado, a maior da Segunda Guerra Mundial e a mais sangrenta da história, reduziu uma das cidades industriais mais importantes da URSS a um gigantesco campo de ruínas. Mas a heróica resistência popular soviética, apesar da liderança burocrática de Stálin, deu ao nazismo uma derrota estratégica, freando o avanço expansionista de uma maquinaria bélica que até esse momento se considerava imparável. Os povos ocupados recuperaram a esperança de derrotar os nazistas e a resistência se fortaleceu em todas as partes. Seis meses mais tarde, o Exército Vermelho os atingiria em Kursk o golpe definitivo e não parariam o seu avanço até libertarem Berlim em maio de 1945.
Stalingrado mudou o curso da história
A Primeira Guerra Mundial foi a manifestação mais clara de que o capitalismo havia entrado em uma nova época histórica: o imperialismo, tempo de guerra e revoluções, fase “superior” ou “final” do capitalismo, tal como a definiu Lênin.¹ Se abria assim uma etapa onde estava na ordem do dia a possibilidade e necessidade do triunfo da revolução socialista.
Mas a época imperialista não foi sempre igual. Teve momentos distintos. Nahuel Moreno dizia que a uma primeira etapa revolucionária (entre 1917 e 1922) marcada pela Revolução de Outubro e pelo ascenso operário e popular que lhe seguiu, continuou uma segunda (aberta a partir do triunfo do fascismo na Itália), onde o que prevaleceram foram as derrotas. Nos vinte anos seguintes se deram a continuação da burocratização da URSS e o ascenso de Stálin, a chegada dos nazistas ao poder, as derrotas das revoluções chinesa e espanhola e, como expressão mais terrível, o começo da Segunda Guerra Mundial e o avanço avassalador do Eixo conquistando quase toda a Europa.
Stalingrado mudou o curso da guerra. Foi o começo do fim para o nazismo. Mas também abriu uma nova etapa, modificando as relações de força em escala mundial: se iniciava uma revolta de massas que levaria à expropriação da burguesia em um terço do planeta e ao colapso de todos os impérios coloniais pré-existentes. Nahuel Moreno explicou desta forma: “Toda época tem seus estágios. Estes são períodos prolongados em que a relação de forças entre as classes de luta permanece constante […] O novo estágio revolucionário começa com a derrota em Stalingrado do exército nazista e abre um período de revoluções triunfantes que se estende até o presente. A primeira delas é a iugoslava ; passa por sua máxima expressão com a Revolução Chinesa, e teve sua última vitória… até agora, no Vietnã (1974) […] diferentemente da etapa aberta pela Revolução Russa, que teve seus efeitos limitados para alguns países da Europa e do Oriente, nesta a revolução explode, e às vezes triunfa, em qualquer parte do globo”².
¹. Lênin, Vladimir. Imperialismo, fase superior del capitalismo. Buenos Aires, Anteo, 1973.
². Moreno, Nahuel. Revoluciones del siglo XX. Buenos Aires, Cuadernos de Solidaridad Socialista, 1984.