O que opinamos sobre o PL da prostituição proposto por Jean Wyllys?
O presente documento é fruto do acúmulo de informações levantadas durante os debates da Comissão de Mulheres da CST acerca do Projeto de Lei Gabriela Leite, de autoria de Jean Wyllys, que se propõe a legalizar a prostituição. Sabemos da complexidade do tema e por isso essa contribuição não tem a pretensão de concluir o debate, e sim de apresentar as discussões das Socialistas Revolucionárias acerca da polêmica de regulamentação das Profissionais do Sexo.
Ainda que saibamos que a prostituição é uma das muitas mazelas do capitalismo, que degrada ainda mais a situação das mulheres, oprimidas e exploradas pelo sistema. Entendemos que essa iniciativa é importante, visto que dentro da sociedade de classes a venda do próprio corpo é associada à força de trabalho, sendo a saída encontrada por milhares de mulheres para sobreviver.
Temos convicção que o fim da prostituição só será possível com o fim do capitalismo, por isso há necessidade de analisar tal situação. Em contrapartida, vemos que o PL é insuficiente na proteção aos direitos trabalhistas dessas mulheres, o que fez com que trouxéssemos a nossa própria contribuição ao debate.
A crise econômica no Brasil vem afundando as trabalhadoras e trabalhadores, aumentando a exploração, o desemprego e a violência. Os últimos dados estimam haver mais de 14 milhões de desempregados no país, e, na atual conjuntura, sabemos que são as mulheres as maiores vítimas da crise.
O mercado formal de emprego ainda paga cerca de 30% a menos às mulheres que ocupam os mesmos postos que os homens. Segundo Onofre Portella, professor de Economia das Faculdades Integradas Rio Branco, mesmo com curso superior ganhamos, em média, 40% a menos que os homens.
Hoje as mulheres são a grande massa de trabalhadoras terceirizadas, com contratos de trabalho precários, sendo as primeiras a serem demitidas e as últimas a serem contratadas e muitas vezes não possuindo direitos femininos básicos, como a licença-maternidade. Além disso, milhares de mulheres enfrentam a violência machista dentro de seus lares, e por não possuírem o suporte do estado em relação à segurança, à moradia e às estruturas econômicas e psicológicas, ficam à sua própria sorte lidando com a situação de vulnerabilidade na qual se encontram. Tudo isso vira uma amálgama, e o peso do ajuste que os governos vêm aplicando na sociedade, juntamente com a forma machista que esses tratam as mulheres, limitam as alternativas de sobrevivência dessas, que acabam vendo a prostituição como única saída.
Mulheres: as mais atingidas pela crise
Numa conjuntura de profunda crise econômica, o número de mulheres se prostituindo aumenta. Assim como aumentam os roubos, crimes e a violência. A causa primária disso é a crise que afeta o conjunto da classe trabalhadora, que sente a dificuldade de sobreviver cada dia mais. O salário mínimo arrochado e a super-exploração se somam ao preço cada vez mais caro dos alimentos, ao transporte público caótico e a violência.
Somado a isso, não temos sequer o direito de decidir sobre nosso próprio corpo, já que o aborto não é legalizado. Sendo que, se optamos por engravidar, ao virarmos mães a responsabilidade imediata de alimentar, educar e cuidar recai sobre nossos ombros. Porém, sabemos que o estado não fornece creches suficientes para todas as crianças, escolas de tempo integral, saneamento básico, dentre outros. Quando nossos filhos adoecem somos nós quem ficamos horas em filas lotadas de hospitais, e ainda é sobre nossas costas a tarefa de cozinhar, lavar, passar e limpar a casa. Cumprimos jornadas duplas e triplas por anos, sem qualquer tipo de remuneração.
A exploração da classe trabalhadora é uma das causas principais que coloca muitas mulheres na terrível situação de venderem seus próprios corpos, a única forma de erradicar a prostituição é erradicar a exploração de uma classe sobre outra. Estabelecendo uma economia planificada, com uma política específica para as mulheres, que tenha como objetivo acabar com a diferença salarial entre os sexos, fornecendo creches e educação de qualidade para todos, retirando de nossas costas as responsabilidades com o cuidado do lar e dos filhos, eliminando a violência contra as mulheres, extinguindo o feminicídio, e acabando com a prostituição.
Mas, até lá, o que fazer com as mulheres que, não vendo outra saída, se submetem a um trabalho que as expõem a todo tipo de perigo e violência, sendo vítimas da cafetinagem e do tráfico internacional, impossibilitadas de terem seus direitos trabalhistas, direitos à saúde pública de qualidade e até mesmo direito à aposentadoria?
Parte daí a necessidade de regulamentação das trabalhadoras sexuais: garantir que essas mulheres possam ter, ainda que numa profissão degradante, o mínimo de humanidade e direitos. Que não sejam semiescravas sexuais nas mãos do tráfico de pessoas, nem de cafetões. Que possam ter todos os direitos como qualquer trabalhador que vende sua força de trabalho tem. Direitos que lhe garantam uma sobrevivência mais digna nesse sistema explorador.
Uma breve visão Marxista da questão
É correto considerar as prostitutas como “trabalhadoras do sexo”?
Sim, inseridas nessa lógica capitalista, sim. Marx definia que trabalhador/trabalhadora são todos aqueles que sob o capitalismo devem vender sua força de trabalho para garantir sua subsistência. Por “força de trabalho” entende-se o conjunto de condições físicas, emocionais e mentais que o permitem produzir bens e serviços.A prostituição não somente é um trabalho, mas um trabalho produtivo gerador de lucro, e na maioria das vezes, este lucro vai para as mãos de cafetões, ficando a prostituta com pouco ou quase nada.
É um negócio que movimenta bilhões anualmente em todo o mundo: não é à toa que foi incorporado à economia capitalista, com uma estrutura organizativa completa de profissionais e que conta com a participação do grande capital e da legitimação do Estado, ao penalizar a prostituta e não seus exploradores, ao facilitar o tráfico de pessoas, ao banalizar o trabalho sexual e em contrapartida condenar de forma moralista a mulher que não têm outra opção a não ser se prostituir para sobreviver.
Reconhecê-lo como trabalho não implica em qualquer tipo de apoio ou estímulo, mas ao contrário, nos demonstra o grau de perversão e degradação da dignidade humana sob o jugo do capitalismo que objetifica tudo e todos, nos mercantiliza, fazendo com que tudo vire mercadoria.
Como socialistas revolucionárias, lutamos contra todos os flagelos do capitalismo, mas sabemos que ceifar esse mal não será fácil ou rápido. Só será possível através de uma mudança estrutural na base da economia, mudando seu modo de produção, pondo fim à sociedade de classes, coletivizando os meios de produção. Por exemplo, durante os primeiros anos da Revolução Russa de Lenin e Trotsky, foi enorme a preocupação, de Kollontai e do partido bolchevique, em acabar com a com a permanência da prostituição, principalmente infantil, visto que o problema da fome não foi resolvido de imediato.
Somente após alguns anos de planificação econômica, legalização do aborto, e muitas outras políticas voltadas aos temas das mulheres, foi que se pôde, por um tempo, abolir a prostituição, sendo retomada com o início da restauração capitalista.
Em Cuba a abolição da prostituição foi vivenciada como um sintoma da vitória dos trabalhadores, o seu retorno é um símbolo do retrocesso da restauração do capital, assim como o foi na antiga União Soviética.
PL Gabriela Leite: um avanço com problemas fundamentais de conteúdo
O Deputado Jean Wyllys propôs em 2012 o Projeto de Lei Gabriela Leite que visa regulamentar as Profissionais do Sexo. Projeto que, do nosso ponto de vista, tem alguns pontos positivos: ter colocado em pauta a questão da prostituição e ter tentando dar uma solução a um problema existente. Entretanto, também possui erros fundamentais por não ter ido a fundo aos direitos trabalhistas dessas mulheres. Propomo-nos contribuir com esse debate, dando um foco maior para algumas questões que para nós são primordiais.
É fundamental que um parlamentar de esquerda busque diálogo com um setor tão marginalizado e que possui como principal reivindicação a regulamentação da profissão, uma vez que a regulamentação visa dar algum tipo de segurança a essas trabalhadoras, para que exerçam suas atividades sem serem vítimas de clientes que não pagam pelo serviço, que as violam, as agridem e chegam até mesmo matá-las. Que também deixem de serem vítimas do estado que as prendem.Trabalhar sem ser vítima de violência, prisão ou calote é o mínimo. Outro ponto fundamental é que as mulheres trans. e travestis também sejam beneficiadas com o PL. A estigmatização, somado à hiperssexualização do corpo dessas mulheres fazem com que 90% recorram a essa profissão onde a insegurança e o assassinato fazem parte da realidade.
O RedTube publicizou dados, que colocam o Brasil como campeão mundial em consumo de filmes pornôs de trans. e travestis. Somos também o campeão em assassinato: segundo a ONG Transgender Europe (TGEU) entre janeiro de 2008 e março de 2014 foram 604 mortes. Segundo o Grupo Transrevolução (RJ) a expectativa de vida dessas mulheres é de cerca de 30 anos!
Mas o PL de Jean contém um enorme equívoco ao traçar a linha dos 50% para determinar o que é exploração ou não. O texto diz: “A exploração sexual se conceitua (1) pela apropriação total ou maior que 50% do rendimento da atividade sexual por terceiro(s); (2) pelo não pagamento do serviço sexual prestado voluntariamente; ou (3) por forçar alguém a se prostituir mediante grave ameaça ou violência.”
Essa linha na prática regulamenta a cafetinagem, e não consegue cumprir com o seu primeiro objetivo: dar segurança para as prostitutas.
Não saudamos a prostituição como uma forma de empoderamento. Temos certeza absoluta que não o é, pois, a grande maioria dessas mulheres deseja sair da prostituição. Essa é uma condição em que a crise se soma a exploração dessa trabalhadora, empurrando-a para uma situação degradante e que reflete o fundo do poço para onde a burguesia empurra as mulheres e toda sociedade, pois aos homens cabem a necessária reflexão de que tipo de sujeito é aquele que se aproveita da situação de vulnerabilidade financeira de uma mulher para adquirir sexo.
Outro problema é a legalização da prostituição sem a legalização do aborto que é claramente um risco da profissão, por mais que seja feito com preservativo. Até porque sabemos que nenhum método contraceptivo é totalmente eficaz, e muitas das vezes serão as trabalhadoras que terão de arcar com os custos de não engravidar, visto que o PL não diz nada sobre o cafetão pagar pela saúde das trabalhadoras.
A regulamentação deve garantir os direitos trabalhistas dessas mulheres, outro ponto em que o PL de Jean navega por cima! A garantia dos direitos trabalhistas devem ser incorporados para que o Projeto de fato beneficie essas trabalhadoras! A partir da regulamentação das casas de prostituição entendemos que essas trabalhadoras deverão ter suas carteiras assinadas, ter data-base, direito a férias, FGTS, previdência social, auxílio doença e também plano de saúde, e que os acordos sejam decididos pela organização das trabalhadoras através de seus sindicatos.
No caso das profissionais autônomas e organizadas em cooperativas, defendemos que a Profissão entre na lista de profissionais autônomos reconhecidos pelo INSS e que assim possam contribuir gozando dos mesmos direitos que todas as trabalhadoras e trabalhadores autônomos, como a aposentadoria, pensão por morte ou por invalidez e auxílio doença.
O estado deve também garantir os cuidados de saúde, com exames periódicos feitos pelo SUS. Bem como estipular penas duras para o tráfico de mulheres, ou quem exercer a cafetinagem ou que não pagarem pelo serviço. Além disso, qualquer violência que a mulher sofrer no exercício da profissão também deve ser criminalizada. E para fazer valer a regulamentação também se faz necessária a fiscalização.
Acreditamos que todos esses elementos são fundamentais para garantir direitos e dar segurança para essas mulheres. Saudamos e consideramos que parte desse processo também deve se refletir na organização dessas mulheres em cooperativas e no direito de se sindicalizarem, para que consigam lutar contra a precarização de suas condições de vida e trabalho.
Nós, mulheres da CST-PSOL estamos ao lado das trabalhadoras do sexo em busca de respeito, dignidade e na luta contra a retirada de direitos! Apoiamos as reivindicações pela regulamentação da profissão e estimulamos a sindicalização para que essas trabalhadoras possam lutar por seus direitos. Acima de tudo lutamos pela construção de uma nova sociedade, em que toda mulher tenha apenas uma motivação para se deitar com alguém: a vontade! E não a necessidade financeira!