Catalunha: entre a proclamação da República Catalã e as eleições

Por Cristina Mas e Josep Lluis del Alcázar – Luta Internacionalista – Estado Espanhol

 

No dia 27/10 foi proclamada a República Catalã na sede do Parlamento. Horas depois, o Senado espanhol decretava a dissolução do Parlamento e do governo catalão e aplicava o artigo 155 da Constituição contra o projeto de autonomia. As três semanas, entre o referendo de 1º de outubro e as continuas hesitações do governo burguês catalão, foram determinantes para permitir ao regime espanhol retomar a iniciativa e colocar em uso todo o seu aparelho judicial e policial.

O movimento popular impõe o referendo e a República

O referendo foi um triunfo da mobilização popular diante do governo Rajoy, que afirmou que não haveria votação, destacando milhares de policiais e a Guarda Civil para confiscar as urnas e cédulas de voto, ao mesmo tempo em que instaurava vários processos, inclusive contra mais de 700 prefeitos. Mas o 1º de outubro representou também um triunfo popular sobre a burguesia catalã. De acordo com instruções provenientes das mesas de voto, não se deveria opor resistência. O plano do governo era se salvar, contando poder alegar que a repressão impedira a consulta e que a única saída seria convocar novas eleições autônomas.

Mas, o movimento popular tornou possível uma votação massiva. Os chamados CDR (Comitês de defesa do referendo) organizaram milhares de pessoas para a defesa das zonas eleitorais, com ocupações de escolas desde a sexta-feira, impedindo seu fechamento. O referendo foi realizado com os centros de votação e as urnas sob proteção. Apesar da repressão policial, que deixou mais de mil feridos, foram contabilizados mais de 2,3 milhões de votos. E a repressão levantou uma onda de solidariedade, com manifestações em Madrid, Bilbao e outras cidades do Estado Espanhol.

Ainda assim o movimento continuou e se fortaleceu, obrigando a polícia a se retirar dos hotéis onde se hospedava. Foi determinante a greve geral de 03/10 contra a repressão, da qual participaram diversos setores de trabalhadores junto a uma jornada de mobilizações sem precedentes na Catalunha, quando as direções sindicais foram superadas pelo sindicalismo de esquerda que convocou a greve. Esta nova dinâmica, que garantia a luta pela República e o peso dos setores populares nesse processo, fez tremer a burguesia catalã. Mas, o governo catalão atrasou a publicação dos resultados até o dia 10 e deixou “em suspenso” a declaração da República. Nós, da Luta Internacionalista, exigíamos que essa proclamação ocorresse imediatamente.

Isto permitiu ao Estado Espanhol retomar a iniciativa. No dia 4, o rei avalizou a repressão em defesa da unidade da Espanha. Manifestações se organizaram em apoio ao rei, à polícia e à guarda civil, com a extrema direita aparecendo com suas bandeiras e agredindo impunemente os atos de solidariedade com a Catalunha. A 16 de outubro, o estado espanhol prendeu os dirigentes independentistas da Assembleia Nacional Catalã (ANC) e Omnium Cultural. Houve uma nova manifestação multitudinária em Barcelona para exigir sua libertação, mas a República continuava em compasso de espera. Para encontrar uma base legal para a intervenção, Rajoy pactua com os partidos Cidadãos e PSOE a aplicação do artigo 155. A grande patronal catalã, de acordo com o governo de Rajoy, retira da Catalunha as sedes de quase 2.000 empresas. No mesmo dia 27, Puigdemont anuncia que convocará eleições autônomas, mas os estudantes em greve permanecem concentrados diante da sede do governo catalão, o chamam de traidor, exigindo a proclamação da República. Acuado, ele convoca o Parlamento nesse mesmo dia e, sem nenhum entusiasmo, proclama a República.

O governo catalão traiu sem resistência

Proclamada a República e com o artigo 155 em prática, toda a atenção se volta para ver se na segunda-feira o governo Puigdemont e o Parlamento continuariam funcionando ou acatariam a dissolução. Uma parte do governo fica na Catalunha e outra se instala na Bélgica, mas todos acatam e se curvam sem resistência. No entanto, o regime espanhol quer impor uma derrota completa e, a 2 de novembro, a Justiça prende 8 membros do conselho de governo catalão e emite ordem de prisão contra 4 membros do conselho que estavam na Bélgica. Rajoy impõe eleições autônomas para 21 de dezembro, ressaltando que em caso de vitória dos independentistas continuará vigorando o artigo 155. Mas Puigdemont e seu Partido Democrático da Catalunha (PDeCAT) aceitam as eleições, que qualificam de “desafio democrático”. O mesmo faz o seu associado pequeno-burguês Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).

Nós da LI entendemos que essas eleições são ilegítimas e impostas pelo Estado Espanhol numa situação de intervenção e ocupação militar, devendo, portanto, serem boicotadas por todas as forças que se dizem democráticas.

A esquerda parlamentar da CUP-CC tampouco se demarcou claramente, limitando-se a apelos genéricos à resistência sem, contudo, aparecer como a referência de que o movimento necessitava. No dia 5/11 uma nova e multitudinária manifestação em Bilbao expressa o processo de independência também no País Basco. A 8/11, um pequeno sindicato fazia um chamado à greve geral, e outros sindicatos de esquerda aderem ao chamado. A greve não foi como a do dia 03 mas teve importância em alguns setores, como os trabalhadores da rede pública de ensino. Os CDR (hoje quase 300, empenhados num trabalho de coordenação) chamam a participar na greve com mais de 70 bloqueios de estradas e ferrovias. A Catalunha fica totalmente paralisada. Desta vez, para não trazer de volta as imagens de 1/10, não há repressão, mas a polícia autônoma, agora sob controle direto do Estado, procede à identificação de mais de cem ativistas. No dia 11 de novembro, uma nova manifestação de grandes proporções ocupa novamente as ruas de Barcelona, exigindo a liberdade dos presos políticos e em defesa da Republica.

O governo Rajoy sabe que com uma escalada repressiva não pode acabar com a resistência popular; necessita recolocar o movimento no marco institucional por meio da reação democrática. Não só o PDECAT e o ERC, mas também o Podemos, Ada Colau e as direções das CCOO e UGT aplaudem a convocação de eleições. Nós tentamos uma campanha pelo boicote às eleições e em defesa da assembleia nacional constituinte da República, mas todas as organizações aderem às eleições.

Podemos, sua política e as eleições

A política de Podemos tem sido nefasta. Não se comprometeu com a mobilização contra a repressão na Catalunha, tentando se manter numa posição equidistante entre a rejeição ao referendo, a proclamação da República e a intervenção do Estado com o artigo 155. Isto provocou que a direção de Podemos Catalunha rompeu e formou um novo partido. Por sua vez, Podemos, dirigido por Iglesias, (onde continuam os Anticapitalistas do SU) se apresentará nas eleições como Catalunha em Comum (CeC) em unidade com os Comunes de Ada Colau (prefeita de Barcelona), ICV e EuiA (os dois setores que vem do velho PC da Catalunha), sendo que ICV tem sido o setor mais agressivo contra o processo catalão, levantando aplausos entre PP e C’S.

Estas eleições não são uma nova oportunidade para avançar na República, pelo contrário, a depender do resultado, o Estado Espanhol pode começar a fechar a crise.

Luta Internacionalista participa em torno da Candidatura da Unidade Popular (CUP-CC) defendendo uma ruptura tanto com o Estado e em defesa da República e também com o capitalismo.

Este acordo deve ficar aberto à ruptura de Podemos Catalunha e aos movimentos. Exigindo uma política independente do governo autonomista que surja (seja do ERC e PDeCAT ou ERC com CeC) organizando a resistência política por um processo constituinte da Republica e se comprometendo incondicionalmente com a luta dos trabalhadores e do povo.

Se conseguirmos impor uma derrota das forças unionistas monárquicas (partido popular PP, Cidadãos C’s e Partido socialista) e enfraquecermos o partido da burguesia catalã, e se a esquerda se fortalece, estaremos melhor para enfrentar as tarefas necessárias após o 21/12: 1) continuar a mobilização  pela liberdade dos e das presas, parar a repressão e derrotar o artigo 155, nos apoiando nos setores mais sensibilizados (ensino e trabalhadores da mídia); 2) Impulsionar os organismos populares que são fiéis à República, especialmente os CDR’s (Comitês em defesa da República) e que tenham uma agenda própria. 3) reativar a   mobilização em defesa das reivindicações operárias e populares: trabalho, salários e aposentadorias; escola e saúde públicas, moradia…; 4) coordenar e estender a luta contra a Monarquia, o regime pactuado com o franquismo a nível do conjunto do Estado Espanhol.

 

Chamado à solidariedade Internacional e encontro em Barcelona em 16 e17 de dezembro

Através da Luta Internaiconalista participamos na campanha de solidariedade internacional With Catalonia, que procura apoio das organizações de esquerda, operárias, estudantis e populares ao direito do povo catalão à autodeterminação. Além dos atos e protestos que estão sendo realizados no resto do Estado e em diferentes cidades do mundo, estamos impulsionando un Encontro Popular em Solidariedade à Catalunha em Barcelona em 16 e 17 de dezembro. Mais informações no site www.withcatalonia.org

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