Fracassou o "estatismo" e a "utopia igualitária"? Cuba, a esquerda e as alternativas.
| Laclase.info, tradução Eduardo Rodrigues do Blog Resíduos Ideológicos
Por: Miguel Angel Hernandez Arvelo
Desde que Raúl Castro anunciou no Sexto Congresso do Partido Comunista de Cuba, uma série de medidas que teria como finalidade uma suposta "atualização do modelo socialista cubano", foi espalhado na ilha e fora dela o debate sobre o que hoje é Cuba, se há realmente um "modelo socialista" a ser atualizado ou se deseja-se substituí-lo por outro modelo e qual seria este.
A verdade da Cuba atual
O governo cubano continua a dizer que há socialismo em Cuba e que simplesmente o estão atualizando. Mas, na verdade, esta é a grande mentira que montou o Presidente Raul Castro e a direção do PCC, com o apoio de Fidel Castro desde sua aposentadoria. Não há nenhuma atualização do "modelo socialista", porque não há socialismo, mas sim um capitalismo em Cuba. Muitos setores da esquerda cubana crítica, e de outros países, consideram que as medidas adotadas no VI Congresso caminham para o capitalismo e para o modelo chinês ou vietnamita. Mas, na realidade, as medidas do VI Congresso são apenas a continuação do capitalismo sui generis a la cubana, que começou na década de 90.
Pois o que esconde a direção cubana, e poucos denunciam, é que desde 1992 tem crescido a instalação na ilha de empresas privadas multinacionais européias e canadenses, na forma de empresas mistas, que controlam até 50% no turismo (grupos espanhóis Sol Meliá, Barceló, entre outros), no níquel (a canadense Sherritt), no tabaco (o inglês Tobacco Group), nos alimentos (Nestlé), no petróleo (Repsol, Petrobras, Sherritt) ou na produção, comercialização e exportação de rum (a francesa Pernod Ricard). Esta é a aplicação do modelo chinês, adaptado para a realidade cubana. A atual concessão de 99 anos dos terrenos para as empresas estrangeiras para a construção de campos de golfe de luxo, é mais uma expressão desse capitalismo. A outra expressão do retorno ao capitalismo em Cuba patrocinada pelo PCC, é o lucro que levam estas multinacionais, com base no salário de um trabalhador cubano que é entre 10 e 20 dólares (250 a 500 pesos nacionais) por mês. O inédito, no mundo, é que é o estado cubano que faz agência de trabalho para as multinacionais, garantindo este salário de miséria e a proibição de qualquer direito de greve e sindicalização independente. As medidas de um plano de demissões de mais de meio milhão de pessoas, parcialmente suspenso frente ao medo que provocaram as revoltas árabes, o aumento da idade para aposentadoria ou a campanha para acabar com as "gratuidades", são parte de um plano de ajuste típica do capitalismo.
Isto não tem nada a ver com o socialismo, mas a continuidade de uma restauração do capitalismo que tem gradualmente vendido o que restava das antigas conquistas da revolução de 59. Cada vez mais são afetados os serviços de saúde e educação, por exemplo. E há o crescimento de uma camada de acomodados e ricos enquanto que a maioria do povo cubano com todos os tipos de necessidades não tem outro caminho senão de seguir "inventando" para sobreviver.
O que falhou?
Desde a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, os porta-vozes do imperialismo associam a crise econômica e social de Cuba ao alegada fracasso do Socialismo. Mas não é assim. O que falhou na ex-URSS e seus satélites, como no caso de Cuba, é o modelo Stalinista, modelo de degeneração do socialismo. Sim, o que fracassou foi a caricatura de socialismo que fizeram Stalin e posteriores líderes de um aparato burocrático que traiu as revoluções ao redor do mundo e que liquidou as liberdades dos trabalhadores e do povo, para que eles não questionassem seus enormes privilégios.
O que eu não falhou, pelo contrário, foi a implementação das medidas socialistas, a expropriação da burguesia, o planejamento da economia, mesmo distorcida nas mãos da burocracia dos Partidos Comunistas, foram medidas que permitiram grandes conquistas sociais na ex-URSS, China e na própria Cuba. Nos primeiros anos foram superadas as condições de miséria, a terra foi distribuída a milhões, o desemprego foi liquidado, houve grandes avanços na educação, saúde, habitação e esporte. Estes são fatos incontestáveis, mesmo para os próprios capitalistas. A revolução cubana apenas se desviou de suas origens revolucionárias a partir de quando Fidel e Raul Castro pactuam, em 1968, com a subordinação econômica e política de Cuba à órbita da União Soviética.
Enquanto setores da esquerda crítica ao castrismo argumentam que o que falhou foi o "socialismo estatista" ou "socialismo de Estado", que desde o início estava fadado ao fracasso porque continha uma centralização fatal, ligada à propriedade estatal, que obrigou-o a tornar-se repressivo, pois só assim poderia manter a sua estrutura vertical. Outros dizem que falhou ao tentar uma suposta "utopia igualitária". A verdadeira história é que a Cuba socialista nunca foi "igualitária", porque nasceu com um aparato burocrático totalitário, seu partido-exército, o que deu lugar ao Partido Comunista de Cuba e às Forças Armadas Revolucionárias, liderada pelos irmãos Castro. Foram se transformando em burocratas privilegiados, ao estilo stalinista, com a diferença de que encabeçaram uma revolução e tinham recursos infinitamente menores, mesmo para os privilégios. Eles sempre tiveram mercados especiais e nunca tiveram que depender da caderneta de racionamento.
A grande coisa sobre a revolução cubana foi o seu progresso em direção a ruptura com a burguesia e o imperialismo, o calor da mobilização dos trabalhadores e do povo. Foi esta revolução que levou Castro a radicalizar a reforma agrária, congelar as taxas e aluguéis, expropriar as destilarias, usinas de açúcar e bancos e romper com o yankees. Aquela "centralização estatal" foi um feito histórico: a implementação do plano nacional econômico baseado na propriedade estatal, com o monopólio do comércio exterior e nacionalizações. E assim se conquistou aquela saúde e educação que puseram a Cuba Socialista em um dos primeiros lugares na América Latina.
Aquelas conquistas foram alcançadas apesar da existência de uma burocracia privilegiada e repressiva. A melhor prova do que dizemos a deu Che Guevara, que em todo momento combateu a burocratização e a denunciou publicamente, com o seu visceral e genuíno igualitarismo – o defendemos por honesto, embora não estejamos de acordo com esse igualitarismo extremo, mas viu os males e os chamou pelo nome.
O que falhou foi a subordinação do castrismo à burocracia da ex URSS
Desde 1968 os irmãos Castro se subordinaram à alta burocracia, o colossal aparato do Partido Comunista da União Soviética. Em sua mão, foi abandonando o caminho revolucionário e internacionalista dos primeiros anos da revolução e de Che.
Nunca mais impulsionaram novas vitórias socialistas na América Latina, apoiando a "coexistência pacífica" e o pacto dos burocratas russos com o imperialismo. Eles apoiaram o esmagamento da revolução dos trabalhadores checos em 1968. Somaram-se à reacionária e suicida "via pacífica ao socialismo" dos partidos comunistas e socialistas no Chile, que abriu o caminho para Pinochet em 1972. Em 1979, Castro chamou os sandinistas na Nicarágua a não fazer uma nova Cuba. Em 1981 apoiaram o golpe de Jaruselsky contra os trabalhadores poloneses.
Não é possível alinhar-se com a burocracia, para manter seus privilégios e ser genuinamente socialista. Outra seria a realidade de Cuba e da América Latina se todo o prestígio e poder do regime de Fidel Castro tivesse sido à serviço de alcançar novas revoluções socialistas no continente. Colocando a riqueza da América Latina a serviço dos seus povos, e não a serviço das multinacionais e do imperialismo. E sem monolítismo e partido único, mas com democracia e liberdades para a massa em luta se organizar, discutir, corrigir erros e fortalecer os sucessos. Assim, mesmo com golpes ou retrocessos, a moral e a consciência do povo poderia continuar avançando, construindo uma alternativa socialista e revolucionária. Foram muitas oportunidades arruínadas.
Hoje em Cuba cresce o mal estar e desencanto no povo. E assim se instala o perigo de se reproduzir os retrocessos de consciência que ocorreram na ex-URSS e na Europa Oriental, onde os avanços restauraracionistas, das mãos da própria burocracia, não fizeram outra coisa que criar nas massas fatais ilusões de um "bom capitalismo".
Por um verdadeiro socialismo com democracia para os trabalhadores, juventude e povo cubano
O governo cubano pressiona o povo para que aceite a sua situação com resignação, com o já desgastado tema de "perigo" de que venha a "direita gusana" e, portanto, seria o "mal menor" aproveitar certas concessões que tiveram de rebaixar impostos, permitindo legalizar o emprego autônomo, permitindo maiores remessas do exterior e deixar correr a eterna "invenção" de Cuba sobreviver tanto na área do turismo como na indústria e dos serviços. Na verdade, essas medidas mínimas são conquistas do povo cubano e concessões graciosas do regime, porque procuram evitar o crescimento de instabilidade social e que isso vá desembocar em protestos.
Qual é o modelo ou a mudança que Cuba necessita para que o povo cubano tenha uma vida decente? O grande desafio de fundo, é inverter o processo atual de instalação do capitalismo em Cuba sob o pretexto de "uma atualização do modelo socialista". Precisamos fazer um socialismo verdadeiro, que não é voltar aos anos 70-80, mas um regime político sem partido único e com plena democracia para os trabalhadores e o povo para decidir sobre a economia, sobre a gestão das empresas, sobre a educação e saúde, sobre os salários, sobre a liberdade sindical, a justiça, contra todas as formas de censura e perseguição aos aspectos políticos e ideológicos de toda ordem na vida da sociedade cubana.
Economicamente, o novo modelo socialista deve reverter as medidas capitalistas e de entrega ao capital estrangeiro das riquezas e fontes de trabalho e produção. O níquel, os grandes hotéis, o petróleo e os produtos cubanos por excelência, como o tabaco e o rum, devem voltar a ser 100% cubanos e não empresas mistas. Devem ser empresas reestatizadas em 100%, mas não voltando ao burocratismo empresário ao estilo stalinista, mas devendo ser empresas controladas e geridas por seus trabalhadores. Porque o povo cubano precisa ter 100% do ganho de toda a indústria para que se coloque realmente a serviço da maioria e não das multinacionais, para dar salários dignos, habitação, trabalho, melhor saúde e educação.
O governo esconde ou disfarça seu processo de privatização, argumentando que "não há privatização, porque os hotéis (os edifícios e da praia) são cubanos", também o seria o níquel, o petróleo que está no fundo do mar, etc. Mas este foi o mesmo argumento que levou os governos capitalistas para privatizar a sua riqueza na década de 90. Hoje, os governos da América Latina (Peru, Chile, Argentina) entregam os minerais e o petróleo com o mesmo argumento, de que "são concessões de apenas 50 ou 90 anos". Enquanto isso, seguem o saqueando os povos.
Por um plano de medidas de emergência para ter salários decentes e urgentes melhorias sociais
Tendo em vista essa mudança fundamental, o povo cubano precisa reivindicar frente ao governo um plano de medidas de emergência para atender a sua situação de necessidades básicas, que são baseados nos baixos salários e na escassez dos produtos, ou o alto preço em moeda CUC. A vida cotidiana do cidadão e da cidadã é a busca do que falta, desde café instantâneo até um litro de óleo, passando por fraldas descartáveis, leite ou iogurte.
A questão prioritária é o salário. Não se pode seguir vivendo com um salário de 250 a 400 pesos nacionais, 10 ou 15 CUC, e com salários ditados de cima para baixo pelo Governo e ninguém poder opinar e questionar, como acontece em qualquer país, mesmo capitalista. Já não é aceitável nenhum argumento "oficial" de que não seja possível por conta do "bloqueio" ou que reivindicar aumento de salário seria "um privilégio" enquanto o capital estrangeiro levam os seus lucros para o exterior e nada pode controlar o manejo salarial dos funcionários e das gerências empresariais do Estado.
O povo trabalhador deve exigir ao Governo que se outorgue um aumento imediato nos salários para que todos os trabalhadores possam chegar ao fim do mês com dignidade, cobrindo as suas necessidades e de suas famílias. Junto com isso, devemos exigir o fim do salário decidido unilateralmente pelo Estado e que se autorize a livre discussão salarial em todas as empresas. Para o abastecimento se tem que acabar com as lojas e mercados para o ricos enquanto há escassez e produtos inacessíveis aos trabalhadores. Que haja mais investimento para melhoria da qualidade da educação (infra-estrutura, professores, etc.), Mais investimento na saúde, para ser verdadeiramente livre e de qualidade. Basta de exportar médicos, pois reduz a presença profissional nos hospitais. Que se implemente um aumento imediato nos salários para médicos, enfermeiros e todo o pessoal de saúde.
Em conjunto com essas medidas imprescindíveis para uma mudança na vida do povo cubano, é necessário suspender todas as restrições aos direitos dos cidadãos de se expressar e fazer suas reivindicações. Por exemplo, que se estabeleça o direito à greve, direito histórico do movimento sindical, o direito de se manifestar livremente e de formar sindicatos independentes ou organizações estudantis, campesinas e profissionais. O governo cubano nega esses direitos com o argumento de que isso é o que dizem os "gusanos" e que isso favoreceria a "direita pró-yankee", com os quais continuam a decidir autoritariamente sobre a vida dos trabalhadores e do povo. Este argumento não tem nenhuma validade já que se exigem direitos para o povo cubano, que não apoia os "gusanos" nem é "agente do imperialismo", mas que apenas quer expressar o salário que necessita, quais os problemas que vêem em sua companhia, em seu bairro e em seu país. É hora de que sejam os trabalhadores, a juventude e o povo cubano a decidir sobre o presente e o futuro de Cuba.