1917: Na Rússia triunfa a primeira Revolução Socialista
Por Mercedes Petit*
No início do século 20, o Império dos Czares, na Rússia, era o maior do mundo e possuía uma população de 150 milhões de habitantes, a maioria composta por camponeses pobres e analfabetos. Na capital, Petrogrado, e em Moscou viviam cerca de 3 milhões de habitantes, com um proletariado industrial pequeno, mas muito moderno e concentrado.
A queda dos czares
Em fevereiro de 1917, a polícia reprimiu uma enorme mobilização em Petrogrado – o que desencadeou uma insurreição, resultando na queda da ditadura do czar Nicolás II. Assumiu, um governo provisório da burguesia liberal (que até aquele momento era aliada do czar), e dos partidos reformistas: os social-revolucionários, com muita influência no campo; e os mencheviques, que pertenciam a socialdemocracia, com peso entre os operários. Ao mesmo tempo, ressurgiram os soviets, organismos democráticos das massas em luta, onde deliberavam e decidiam os delegados dos operários, soldados e camponeses. O triunfo revolucionário abriu amplas liberdades políticas, mas não solucionou a carnificina da guerra imperialista (o czarismo era aliado da França e Inglaterra), e nem solucionou a superexploraçao dos camponeses pelos latifundiários e a miséria generalizada.
O Partido Bolchevique, dirigido por Lenin e Trotsky e que reivindicava o marxismo e o internacionalismo, era minoria no início do processo revolucionário. Nunca apoiou o novo governo burguês e foi crescendo. Entre setembro e outubro, transformou-se na força majoritária entre as massas em luta.
A insurreição e as primeiras medidas
Entre 25 e 26 de outubro (posteriormente, 7 e 8 de novembro, quando o calendário ocidental foi adotado), ocorreu uma insurreição armada em Petrogrado e Moscou. Foi organizada e dirigida pelos bolcheviques e pelo Comitê Militar do Soviet. A mobilização das massas revolucionárias e a condução bolchevique, encabeçada por Lenin e Trotsky, permitiram tirar do poder a burguesia e seus lacaios, os dirigentes reformistas, e acabar com suas forças repressivas. O novo governo dos soviets proclamou, de imediato, seu objetivo: o socialismo na Rússia e no mundo. No primeiro dia, foi decretada a paz imediata, sem anexações, e a abolição da diplomacia secreta e seus tratados. No dia seguinte, o decreto sobre a terra aboliu, sem indenizações, a propriedade latifundiária e da Igreja. Os instrumentos e as construções da lavoura passaram às mãos dos soviets locais. Não houve questionamento sobre propriedade e bens dos camponeses pobres. Nas cidades, foi dada a moratória dos aluguéis e tomadas medidas de emergência para o fornecimento de alimentos. Em novembro, foi reconhecida a igualdade de direitos a todos os povos que eram oprimidos pelo Império Russo, incluindo a separação (como fez a Finlândia), e a liberdade a todas as minorias nacionais ou étnicas. Estabeleceu-se o controle operário das empresas e o salário dos ministros tornaram-se iguais aos de um operário industrial médio. Foram tomadas as gráficas e a produção de papel, para garantir as publicações soviéticas, e iniciada a organização das milícias.
Foi o começo da coordenação da gestão das empresas, que passavam às mãos dos operários, por abandono dos seus antigos donos, e do confisco das empresas imperialistas (por exemplo, das de eletricidade, estabelecimentos industriais, metalúrgicos e têxtis). Também foi estabelecida a educação pública, que estava nas mãos da Igreja, até então; assim como o matrimônio civil e o divórcio, e medidas de proteção à maternidade e à infância. O sistema bancário foi estatizado e abolidos os títulos de nobreza.
Em 3 de janeiro de 1918, foi proclamada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Toda a dívida externa foi anulada. E, em fevereiro, criado o Exército Vermelho, dirigido por Trotsky. Começava a sangrenta guerra civil. Em novembro de 1919, em meio aos combates, foi fundada a Terceira Internacional, em Moscou.
A guerra civil e a burocratização
Com o início da guerra civil, ocorreu a total expropriação da burguesia. Os 3 anos de guerra significaram excessivos sofrimentos para as massas soviéticas. Mas o heroísmo revolucionário e a condução dos soviets, pelos bolcheviques, permitiram derrotar a contrarrevolução armada da reação burguesa russa e os exércitos imperialistas que a ajudavam.
A direção bolchevique, e em particular Lenin e Trotsky, ao tomarem o poder, consideravam que somente era possível avançar na revolução socialista se ocorressem novos triunfos em meio à onda revolucionária que sacudia a Europa, principalmente a Alemanha. Todas as suas expectativas estavam postas na revolução socialista mundial.
Isto não aconteceu. Em 1921, quando terminou a guerra civil, a URSS havia ficado sozinha e devastada. Teve início um processo de burocratização do aparato do Estado, dos soviets e do próprio Partido Comunista, que encontrava espaço frente ao cansaço das massas. Lenin, já doente, dedicou os últimos esforços de sua vida para combater essa burocratização, mas morreu no meio desta luta. Sua batalha era junto a Trotsky e o grande inimigo era Stalin, dirigente da burocracia, que finalmente conseguiu subir ao poder e trair a revolução. Impôs-se uma contrarrevolução política absolutamente contrária à luta revolucionária de 1917, ao marxismo revolucionário e ao autêntico leninismo.
O partido bolchevique
A Primeira Revolução Russa e a extraordinária experiência do governo dos soviets, ou seja, de organismos democráticos de representação direta dos operários e camponeses, não teria acontecido sem o Partido Bolchevique. Este partido foi construído, durante anos, como um partido centralizado, baseado na militância operária e em intelectuais revolucionários, sob a condução de Lenin e com grande democracia interna. Participou de eleições, inclusive durante o regime czarista, junto a outros setores socialistas, para ganhar os trabalhadores. E, no momento decisivo da rebelião operária e camponesa, iniciada em fevereiro de 1917, o Partido Bolchevique, sob a direção de Lenin e Trotsky, foi o único partido que lutou de forma consequente para que os soviets tomassem o poder. Posteriormente, impulsionou a Terceira Internacional, unindo-se aos revolucionários do mundo para estender a revolução.
Por isso, a contrarrevolução stalinista só conseguiu se impor, destruindo o Partido e a Terceira Internacional. Poucos anos mostraram que pode-se forjar uma direção revolucionária internacionalista, como os bolcheviques e a Terceira Internacional, dos primeiros anos, e desenvolver uma revolução com democracia operária. É certo que ambas foram derrotadas, mas nada demonstra que não possa voltar a avançar nessas experiências.
*jornalista e pesquisadora, com longa trajetória no movimento trotskista internacional. Escreve no jornal El Socialista (do Izquierda Socialista-FIT) e na Revista Correspondência Internacional da UIT-QI. Texto originalmente publicado no Jornal Combate Socialista 77, novembro de 2016.