Porque ISIS atacou Kobane?
Por Hakkı Yükselen,
Em Frente Operária, jornal do Partido pela Democracia Operária da Turquia.
Quem a fundou?
Não há uma explicação simples para isso. A resposta poderia ser a seguinte, se passarmos por alto as razões estratégicas, políticas e “divinas” mais profundas: para unir as áreas dominadas pelo ISIS capturando os cantões de Rojava (Kurdistão Ocidental em curdo, o Curdistão da Síria), o que constitui uma desconexão física entre essas áreas – os distritos e as cidades no norte; e para chegar a Aleppo, o centro econômico da Síria, pelo norte após a captura de Afrin, a mais ocidental, depois de Kobanê. No entanto, outro motivo poderia ser capturar Cizre, que se encontra no extremo oriental da Síria e que tem um campo de petróleo importante (Rimela), o que permitiria ao ISIS ter todos os campos petrolíferos sob seu domínio e poder garantir um fornecimento contínuo das necessidades militares, de organização e de logística, uma vez que toda a fronteira com a República da Turquia estaria então sob seu controle.
Se o ISIS conseguisse esses objetivos, teria capturado todas as grandes cidades no norte da Síria, o que significa que todos os recursos econômicos significativos e os lucros do petróleo estariam em suas mãos. Por outro lado, isso significaria que o ISIS quase teria alcançado o mar também. A verdade é que esse cenário permitiria uma estrutura organizacional de tipo estatal ser mais eficiente e que o número de seus partidários aumentasse ao mesmo tempo que seu poder e reconhecimento no âmbito internacional. De um ponto de vista estratégico, esta é a situação em linhas gerais.
Temos que dizer que o rumor “anti-imperialista” de que os EUA e Israel haviam fundado o ISIS com o objetivo de intervir na região não reflete a realidade. Embora esse tipo de “análise” emocionante nos salve do trabalho de lidar com um monte de razões históricas, sociais, econômicas e políticas “chatas” no mundo e na região, na realidade não passa de mera propaganda. Isso certamente não significa que o ISIS é “simplesmente” uma organização autônoma. Podemos dizer facilmente que o ISIS teve relações diretas e indiretas sérias com potências imperialistas, em particular com os EUA e com reacionários regionais como a Turquia e a Arábia Saudita por um longo período de tempo, pelo menos durante suas atividades contrarrevolucionárias na Síria. Essas relações provavelmente se tornaram muito diversas ao longo do tempo. Além disso, o ISIS também às vezes colaborou com o regime de Assad. No entanto, o poder do grupo não vem de ser o “servo” do imperialismo, mas de sua capacidade de utilizar essa posição e as oportunidades que ela oferece para alcançar seus objetivos independentes. Infelizmente, o ISIS conseguiu se tornar uma força político-social real devido à sua autonomia organizacional e política, ao contrário dos velhos partidos comunistas na região, que se liquidaram diante dos regimes autocráticos-nacionalistas.
O plano de liquidação
Quanto à Turquia, o Estado e o governo do AKP têm estado implementando uma estratégia de liquidação, ou, se não a liquidação, de controle do movimento nacional curdo na Turquia sob o nome de “processo de resolução”. Essa mesma estratégia é agora aplicada em Rojava. O Estado turco adotou uma atitude hostil em relação à experiência de Rojava desde o início, pois essa experiência constitui um exemplo perigoso para os curdos na Turquia. Essa hostilidade do Estado vem de diferentes formas, como as tentativas de bloquear Rojava com o fechamento das fronteiras – as quais haviam sido totalmente abertas pelo ISIS – para os curdos, o fornecimento de armas, “serviços de saúde” e facilidades logísticas ao ISIS, assim como a permissão para as explorações territoriais do ISIS em seus próprios territórios durante seus ataques aos cantões. Dadas as diferenças entre o mundo ocidental e as estratégias políticas da Turquia em relação à região, em especial em relação à Síria, o governo do AKP foi colocado sob forte pressão do Ocidente quando sua relação sangrenta com o ISIS foi revelada.
O governo não se importaria se o ISIS varresse Rojava e se tornasse vizinho da Turquia na fronteira. Isso teria sido útil na guerra contra o regime de Assad, apesar de que a situação envolve vários riscos. No entanto, o Ocidente optou por impulsionar uma “solução política” na Síria e começou a ver o ISIS como seu inimigo número um, o que invalidou gradualmente o melhor dos cenários do governo turco. Enquanto o governo turco evita uma guerra direta com o ISIS, trouxe à tona a possibilidade de intervenção na situação, usando os refugiados como desculpa para se aproximar de seu melhor cenário. Tal intervenção se expressa nas conversas sobre a criação de uma “zona de amortecimento” com proibição de voo e, se não, uma “zona segura” linear ou de bolso. Esse tipo de zona praticamente acabaria com a autonomia em Rojava. Yalçın Akdoğan (Vice-Primeiro-Ministro) revelou a intenção do governo turco de estrangular Rojava quando disse que o memorando que aprova o envio de tropas para a Síria e o Iraque não afeta apenas o ISIS, mas também outras organizações terroristas. O primeiro-ministro também confirmou essa intenção ao falar sobre a possibilidade de uma zona de amortecimento ou uma zona segura, dizendo: “Temos que continuar lutando contra as organizações terroristas separatistas persistentemente”. Enquanto isso, as questões relacionadas ao regime sírio não saem de pauta; o governo turco exige que o governo de Assad seja outro alvo para se juntar à “coalizão”.
Quanto aos Curdos…
Apesar da confiança em si mesma que a autonomia em Rojava provocou, os curdos chegaram em um curto período de tempo a um ponto de pedir ajuda, e pedindo-a de quem está disposto a dar, não importando quem seja. Essa situação demonstra os limites da democracia local e do projeto de autonomia democrática. Durante esses tempos difíceis, os curdos não apenas enfrentam a atitude hostil da Turquia. Também enfrentam a atitude de hostilidade de classe do governo de Barzani, que recentemente foi salvo graças à ajuda dos bombardeios dos Estados Unidos e, em certa medida, graças ao PKK-PYD. Tudo isso demonstra que a verdadeira libertação e a liberdade do povo curdo não residem em projetos isolados de democracia com um caráter de classe ambíguo e/ou em jogos diplomáticos de equilíbrio de poder. Ela se encontra na luta comum dos trabalhadores e das massas populares da região contra o imperialismo e o reacionarismo regional, e contra sua própria burguesia.
Quanto a nos…
Dito brevemente, somos contra todo tipo de intervenção imperialista, não importa quais sejam ou possam ser suas razões. Mesmo que o objetivo seja destruir o ISIS ou qualquer outra coisa, o bombardeio dos EUA, o bombardeio dos estados ocidentais e árabes que estão em coalizão com os EUA, ou os projetos turcos de zonas de amortecimento ou seguras, que apenas complicam ainda mais a situação. Afinal, o verdadeiro objetivo dessas potências é suprimir a dinâmica revolucionária no Oriente Médio, incluindo a luta das massas populares curdas pela liberdade e libertação, assim como fizeram na Síria com a ajuda de seus “irmãos inimigos” como Irã e Rússia…
Por último, é necessário dizer algumas palavras ao Estado turco: Agora que finalmente aceitou o ISIS como uma “organização terrorista”, então é hora de romper todas as conexões diretas e indiretas com essa organização! Sele os bordos para o ISIS e abra-os para todos que socorrem o povo de Rojava. Levante todos os obstáculos para o armamento do YPG/YPJ! E então se verá que não há necessidade de nenhum tipo de “coalizão”, qualquer bombardeio ou qualquer projeto de “quem sabe que” zona.