Em resposta a Jorge Altamira: a guerra na Síria, o genocida al-Assad, o chavismo e a posição dos revolucionários

Por Miguel Sorans

O companheiro Jorge Altamira, dirigente histórico do Partido Obrero [Partido Operário], respondeu às nossas críticas a um artigo seu, publicado no jornal Prensa Obrera (nº 1.424, 18/08/2016), sobre a Síria e o cerco à Aleppo. Em tal artigo, ele não faz uso de qualquer frase de repúdio e condenação ao ditador Bashar al-Assad e aos criminosos bombardeios perpetrados por aeronaves russas contra a população civil de Aleppo. Chegamos então à conclusão de que tal ausência indica um apoio objetivo a al-Assad. “Quem cala consente” (El Socialista, n° 323, 24/08/16), dissemos usando o ditado popular.

Em sua resposta (postada no Facebook em 09/01/16), Altamira reclama de nossas críticas, dizendo que não apresentamos “a menor evidência” de seu apoio a al-Assad. Se a nossa crítica política estivesse errada, seria simples refutá-la. Bastava uma ou duas frases ou slogans de Altamira, no seu novo e longo artigo, apresentando a “evidência” do seu repúdio a al-Assad e aos seus atentados criminosos. Frases simples como “Abaixo a ditadura de al-Assad” ou “Chega de bombardeios criminosos”, “Não ao genocídio de al-Assad e Putin em Aleppo e em toda a Síria”. A discussão terminaria.

Porém, nenhuma dessas frases ou slogans é encontrada na longa resposta de Altamira. Pelo contrário, ele fala sobre outros assuntos. Acusa falsamente a nossa corrente, por exemplo, de “chavismo crônico”; de participar de alianças eleitorais na Venezuela “com correntes sórdidas”, ou seja, pró-ianques; de não repudiar os ataques à AMIA [Associação Mutual Israelita Argentina] e à embaixada israelense nos anos 90; de alinhamento “com os peões dos EUA no Oriente Médio”; e outros temas diversos. Ele abre diversas discussões, procurando desta forma evitar o ponto central do debate levantado: a Síria e a sua posição diante de al-Assad. Além disso, despeja uma enxurrada de falsidades ou distorções das nossas verdadeiras posições. É um método de debate que não partilhamos.

Quando os socialistas realizam um debate, devem respeitar a lógica formal, no sentido de que ela, corretamente, exige que se permaneça no tema em debate, sem rodeios ou levantar outros assuntos. Por isso, insistimos na questão central que originou o debate: Altamira e o PO são a favor da derrota do ditador al-Assad? Repudiam os bombardeios? Sim ou não? Altamira não responde isso.

Conhecemos há mais de 40 anos o companheiro Altamira e sua corrente. Ambos afirmamos fazer parte do movimento trotskista. No entanto, é justo reiterar que sempre tivemos diferenças políticas e teóricas de fundo, no que diz respeito ao método de condução das discussões. Não há nada de novo. Apesar dessas diferenças históricas, nossa corrente, fundada por Nahuel Moreno, sempre buscou, muitas vezes sem sucesso, a unidade de ação ou alianças políticas e estudantis de independência de classe com a esquerda, inclusive com a corrente liderada por Altamira.

O positivo é que, para além destas diferenças, há alguns anos construimos a Frente de Izquierda [Frente de Esquerda], a FIT, junto com o PTS. É uma aliança de independência de classe, com um programa revolucionário [1], que valorizamos e defendemos. É nesse contexto que estamos travando este debate político.

Síria: “guerra imperialista”?

A base do erro da posição de Jorge Altamira e da sua corrente sobre a Síria está localizada numa definição equivocada da situação e da guerra.

Segundo Altamira, há uma “guerra imperialista” na Síria. Em responda às nossas críticas, ele afirmou: “No Oriente Médio, a guerra civil foi subordinada a uma guerra imperialista. (…) A guerra imperialista no Oriente Médio subordinou todas as forças presentes e transformou-as no substituto da intervenção do imperialismo para a espoliação política e econômica da Síria.”

No seu longo artigo de resposta, Altamira diz que o seu “método é aquele que Lenin aplicou na Primeira Guerra Mundial”. Em outras palavras, ao definir os eventos que estão ocorrendo na Síria como uma guerra imperialista, como tinha feito Lenin na Primeira Guerra, está falando de uma nova guerra inter-imperialista.

Se assim fosse, em primeiro lugar, Altamira teria que definir quais blocos imperialistas estão em guerra. Altamira não faz isso. Seriam EUA e União Europeia (UE) versus a Rússia e Irã? Todavia, é uma guerra estranha, porque o próprio Altamira, nos parágrafos seguintes à afirmação de que há uma “guerra imperialista”, diz que não existe tal confronto: “Ao mesmo tempo, Obama, Putin, Erdogan e Netanyahu têm um pacto de não agressão entre eles, incluindo um sistema de alerta mútuo, para evitar ‘acidentes’ de guerra”. Algo que, de fato, acontece de vez em quando. Resta a questão: existe ou não uma “guerra imperialista”, como a que Lenin enfrentou?

Na Síria não há confronto militar entre EUA e Rússia, nem qualquer guerra inter-imperialista. Sim, há uma intervenção dos diferentes fatores contra-revolucionários do mundo (desde EUA-UE, Rússia, Irã, Turquia, etc.), mas para reverter o processo revolucionário, que começou em março de 2011, contra o ditador al-Asaad.

É tão evidente que tal guerra mundial imperialista não existe, que ambos os países acabaram de estabelecer “um centro comum de inteligência”. O comunicado de anúncio do mesmo diz: “Desta forma, as forças americanas e russas serão capazes de delimitar com precisão os locais a bombardear. Os alvos serão os extremistas do EI [Estado Islâmico] e da Al Nusra” (Clarín, 09/10). Em outras palavras, não pretendem atacar as forças de al-Assad. Trabalham juntos para apoiar o ditador. Traduzido para a realidade: sob o manto de atacar o “terrorismo”, continuam a bombardear a população civil, como em Aleppo e outras cidades em que ainda estão presentes os rebeldes sírios e curdos, que repudiam Asaad e seguem lutando desde que pegaram em armas há 5 anos.

O emaranhado em que Altamira cai tem uma razão subjacente: a definição errada adotada pelo espaço internacional do qual participa o PO, a Coordenação para a Refundação da Quarta Internacional (CRCI), em setembro de 2013, e que foi publicada na Prensa Obrera, nº 1285, em setembro de 2013:

“A CRCI opõe-se totalmente ao lançamento de uma guerra imperialista na Síria. Apoiamos a revolta dos pobres e despossuídos na Síria e também estaremos ao lado da revolução contra o regime de al-Assad no futuro. Porém, a guerra que agora se prepara nada tem em comum nem com os objetivos progressivos nem com as forças dessa insurreição. A CRCI está ao lado da Síria e do seu povo, e fará todo o possível para derrotar o imperialismo e o sionismo, bem como os Estados reacionários da região, aliados dessas forças. Não à guerra na Síria! Fora imperialismo do Oriente Médio! Parem de destruir o Oriente Médio em benefício do sionismo israelense!….”

Se bem lido, o texto é claro. Define que se inicia uma guerra imperialista, unida ao sionismo, contra a Síria. Por isso, a CRCI-PO fica “ao lado da Síria e do seu povo (…) para que o imperialismo e o sionismo sejam derrotados”. E explicita que eles deixam de apoiar a luta contra al-Assad. Isso porque “também no futuro” estarão novamente na luta contra o regime de al-Assad. A palavra “futuro” é clara e contundente. Ou seja, a CRCI-PO, desde 2013 até ao presente, não luta contra o regime de al-Assad. É por isso que não há, nesse manifesto internacional, a solidariedade com a luta contra o genocídio e a palavra de ordem ‘Abaixo al-Assad’. Para a CRCI-PO, desde 2013, existe uma “guerra imperialista” ianque-sionista na Síria e o foco está em derrotá-la.

Altamira mantém isso, em 2016, no seu artigo de resposta: “a guerra civil foi subordinada a uma guerra imperialista”. Ou seja, a guerra civil contra al-Assad está “subordinada”, permanece em segundo plano diante da “guerra imperialista”. É por isso que não existem slogans contra al-Assad. Altamira continua com a linha do CRCI, de retomar a luta contra al-Asaad, mas só “no futuro”.

Por outro lado, a declaração da CRCI-PO nem sequer menciona a intervenção da Rússia na Síria. Desde o primeiro momento dos ataques do exército sírio à população mobilizada contra o ditador, Putin colabora com o genocida Assad, fornecendo armas, munições, tanques e apoio logístico a partir da base militar russa na Síria, na cidade de Tartus. Mais tarde, quando começou o desastre do exército genocida de al-Assad, a Rússia começou a intervir diretamente com a sua aviação, bombardeando o povo sírio em apoio ao regime.

Esta abordagem errada da guerra, como “imperialista – sionista”, é próxima daquela levantada pelas correntes da esquerda reformista mundial, incluindo o chavismo, a direção cubana e os PCs do mundo. Para tais setores, há uma “agressão imperialista-sionista” contra a Síria, que quer derrubar o governo anti-Israel e “nacionalista-anti-imperialista” de al-Assad. Basta assistir à Telesur para ter acesso a tal versão da Síria. E com isso justificam a sua política de não denunciar al-Assad e a intervenção militar da Rússia-Irã. Pelo contrário, são seus aliados contra a “guerra imperialista”. Na realidade, a situação de al-Assad é bem diferente. É um ditador, que governa contra seu povo. Nunca disparou um tiro contra o exército sionista, que ocupa as Colinas de Golã, mas enviou tanques, aviões e barris de pólvora contra o seu povo. Altamira se ofende quando dizemos que ele tem pontos de acordo, na Síria, com o chavismo. Voltamos ao mesmo assunto: em que lugar do artigo de resposta ele repudia a posição de Nicolás Maduro e de Raúl Castro, de apoiar incondicionalmente al-Assad e a intervenção russo-iraniana?

Síria: uma revolução que se transformou em guerra civil

Na Síria não existe uma guerra “imperialista” ou inter-imperialista, muito menos uma guerra nacional-imperialista. Ou seja, uma agressão militar imperialista contra uma nação oprimida, como defende a falsa interpretação do chavismo e da esquerda reformista mundial. Ocorreu uma guerra nacional-imperialista no caso da invasão estadunidense do Iraque, então governado pelo ditador Saddam Hussein, em 2003. Nesse caso, foi correto a esquerda mundial estar militarmente ao lado do Iraque, mesmo com o governo de Saddam Hussein, para derrotar a agressão imperialista. Isso sem apoiar politicamente Saddam Hussein.

Há uma guerra civil na Síria. A origem dessa guerra civil não foi uma agressão imperialista, mas a ação contra-revolucionária de al-Assad contra uma revolução popular, que começou em março de 2011, como parte da onda revolucionária iniciada na Tunísia e no Egito. Tal onda foi chamada de revolução árabe, contra ditadores que estavam no poder há décadas. Essas revoluções foram genuínas e não criações do imperialismo e da OTAN.

Como dissemos na nota anterior: “Na Síria, o ditador Al Assad enfrentou a rebelião massiva por liberdades democráticas com tanques e bombardeios aéreos. Diante disso, o povo foi forçado a pegar em armas para enfrentar a contra-revolução. O imperialismo ianque, a OTAN e as diferentes forças burguesas – como a Rússia, o Irã, a Arábia Saudita e a Turquia – intervêm na Síria para impedir o triunfo da revolução popular. Cada um com seu projeto burguês contrarrevolucionário, de disputa regional. Porém, está cada vez mais claro que todos, de uma forma ou de outra, vêem al-Assad como o “mal menor”. Agora até Erdogan apoia uma “transição” com al-Assad” (El Socialista, nº 323, 24/08/16).

É claro que há uma intervenção imperialista, mas o seu objetivo é oposto ao que disse Altamira. Repudiamos tal intervenção, mas denunciamos o seu objetivo: impedir a queda revolucionária de al-Assad. Por outro lado, sabe-se que o ISIS foi criado em 2013 pela Arábia Saudita e pelo Qatar, agentes ianques, não para confrontar al-Assad, mas para dividir a frente rebelde.

Algo que mostra claramente que al-Assad não é uma “vítima” do imperialismo, mas sim seu aliado, é o fato de que os Estados Unidos e a OTAN (França, Grã-Bretanha e Turquia) afirmam que estão bombardeando o ISIS e não o ditador. Com essa desculpa, bombardeiam também os verdadeiros rebeldes e a população civil. Fazem isso em comum acordo com os regimes de al-Assad e de Putin, que autorizam os ataques aéreos.

Obama declara, de vez em quando, o seu suposto apoio aos rebeldes. Trata-se apenas, na realidade, de uma jogada política. Em nenhum momento o imperialismo e os seus aliados (UE, Turquia e Arábia Saudita) se arriscaram a armar em grande escala os rebeldes, com armas pesadas e antiaéreas capazes de enfrentar os tanques e aviões de al-Assad e de Putin. Sempre procuraram evitar a queda revolucionária da ditadura. Eles apenas pressionam para buscar uma solução negociada, baseada na “paz dos cemitérios”.

A saída negociada com al-Assad é tão central que a França, membro da OTAN e aliada dos EUA na Síria, disse através do seu ministro do exterior, Laurent Fabius, que já não se “contempla uma saída do presidente sírio, Bashar al-Assad, antes do início de uma transição política na Síria. (…) Uma Síria unida exige uma transição política. Mas isso não significa que Bashar al-Assad deva partir antes da transição, mas sim que deve garantir o futuro” (El Mundo, 5/12/2015).

Altamira afirma, no seu artigo de resposta, que há um “alinhamento real e eficaz da Izquierda Socialista e da sua corrente internacional com os peões dos EUA no Oriente Médio”. Naturalmente isso é falso. A nossa corrente apoia o povo rebelde em luta, não as suas lideranças políticas burguesas ou pró-imperialistas. Nisso seguimos a tradição, por exemplo, dos trotskistas na guerra civil espanhola de 1936-39. Eles apoiaram os combatentes da frente contra o fascista Franco, mas não apoiaram a liderança republicana burguesa. É importante lembrar que os republicanos contaram com a “solidariedade democrática” dos EUA, da França e da Inglaterra, enquanto Stalin enviou “apoio” militar. Naquela ocasião, tais fatores contra-revolucionários também atuaram para derrotar a revolução dos trabalhadores e dos camponeses. E nem por isso ocorreu a alguém acusar Trotsky de se alinhar com “os peões” do imperialismo na guerra civil espanhola.

Altamira também se contradiz nisso. Observa que as milícias curdas seriam “o único movimento com interesses nacionais autênticos nesta guerra, que operam condicionados ao apoio militar do Pentágono dos EUA”. Ou seja, Altamira vê que há uma causa justa na luta das milícias curdas na Síria, embora recebam apoio militar dos EUA. A nossa corrente concorda que há uma causa justa na luta curda, apesar da direção reformista do PKK aceitar a subordinação militar e política aos Estados Unidos. Porém, quando Altamira define que a única causa justa é a dos curdos, confirma a nossa crítica básica: não reconhece que também existe uma causa justa na luta contra o ditador Bashar al-Assad.

A Izquierda Socialista e a nossa corrente internacional (UIT-QI) continuam a manter a sua posição face à complexidade da realidade da guerra na Síria. Como dissemos em outra nota:

“Não há dúvida de que há uma deterioração do processo revolucionário, por conta de fatores contra-revolucionários. Mas isso não significa que a revolução acabou. Ainda existem amplos setores da população que continuam a lutar e a mobilizar-se contra al-Assad e contra o ISIS, e que repudiam a presença imperialista. Existe o que poderíamos chamar de “terceira frente” de combate. Há milhares de pessoas lutando em Aleppo, em Homs, em Idlib e nos bairros de Damasco. São as brigadas do Exército Sírio Livre (ELS), as brigadas independentes, os conselhos revolucionários, os comitês locais e as brigadas curdas que confrontam o regime e o ISIS. Devemos dar-lhes solidariedade e apoio para derrubar o ditador e derrotar o ISIS. Será o povo que derrotará ambos. Não é fácil, mas é a única alternativa justa para o povo e a juventude sírios. (…) Sabemos que por trás das brigadas do ELS e de algumas das organizações do que chamamos de “terceira frente” existe uma influência política de setores patronais sírios, que compõem o chamado Conselho Nacional Sírio (SNC) e que, no exílio, procuram uma solução política negociada em Genebra com o apoio dos EUA e da UE. Nós, socialistas revolucionários, apoiamos incondicionalmente os rebeldes, sem que isso signifique dar apoio à direção política e militar do ELS e de outras brigadas.

“Precisamente o grande problema do processo sírio é a sua crise de direção política e militar. É por isso que devemos intervir procurando fortalecer a esquerda revolucionária síria [2]. Nesse sentido, seguimos lutando pela construção de uma direção socialista para a revolução Síria. (Miguel Lamas, Correspondência Internacional, n.º 37, outubro de 2015).

Nossa corrente nunca foi chavista

Abordamos amplamente a guerra civil na Síria, que é o tema central do debate estabelecido com Jorge Altamira.

Como o companheiro incluiu outros temas, conforme apontamos no início, somos obrigados a, pelo menos, fazer algumas breves referências a alguns deles. Isso porque não podemos ignorar uma série de distorções ou falsificações sobre as nossas posições políticas.

Em sua nota, Altamira tenta desviar o debate da Síria e confundir alguns leitores desavisados, lançando mentiras sobre a nossa trajetória política. Altamira afirma que nossa corrente era chavista e que teve “quase dez anos de chavismo crônico, praticamente até o momento em que seu dirigente mais destacado na Venezuela foi demitido de um cargo administrativo na PDVSA”. E termina dizendo que “Se não estou mal-informado (peço desculpas antecipadamente), sua corrente fez alianças eleitorais na Venezuela com correntes ‘esquálidas’”. Em outras palavras, teríamos passado de chavistas a fazer alianças eleitorais com a direita pró-ianque. Duas mentiras escandalosas.

Sobre este último ponto. Lamentamos o método de lançar uma acusação política séria e dizer: “peço desculpas antecipadamente”. O dano está feito. É um ataque calunioso. É simplesmente mais uma mentira. Isso quando os fatos conhecidos e verdadeiros são que o nosso partido irmão, o Partido Socialismo e Liberdade (PSL), teve a coragem política de apresentar o dirigente sindical Orlando Chirino como a única candidatura presidencial classista e socialista, oposta às candidaturas de Hugo Chávez e de Henrique Capríles (pelo MUD), nas eleições de outubro de 2012. Até Altamira apoiou a nossa candidatura, algo expresso numa nota (“Vamos con Chirino”, Prensa Obrera, 09/06/12) que deu origem a uma polêmica semelhante à atual [3].

Por outro lado, nunca fomos chavistas. Sempre fomos independentes e críticos tanto ao governo Chávez quanto ao seu partido e movimento. Em 2002-03, apoiamos a mobilização operária-popular em defesa do seu governo contra o golpe de Bush e o lockout patronal do setor petrolífero. Em outras palavras, repudiamos o golpe de Estado pró-ianque, algo que nada tem a ver com ser “chavista” ou apoiar politicamente o governo Chávez.

Altamira diz que deixamos de ser chavistas no “momento em que seu dirigente mais destacado na Venezuela foi demitido de um cargo administrativo na PDVSA”. Refere-se ao nosso companheiro Orlando Chirino, sem nomeá-lo. Isso com o objetivo de criar a falsa ideia de que só abandonamos o chavismo porque perdemos um cargo. Ocorreu o oposto. A demissão de Chirino foi uma medida de repressão política, ocorrida em dezembro de 2007. Porém, ao contrário do que diz Altamira, a demissão foi uma consequência de anos de confronto político com o governo Chávez. Não foi o início do confronto. Vale salientar alguns dados: em maio de 2006, o atual sindicato classista C-CURA, liderado por Chirino, venceu o Segundo Congresso da nova central UNT. No entanto, os setores chavistas romperam o Congresso, porque a nossa corrente propôs que a central fosse autônoma e independente do governo. Em dezembro do mesmo ano, Chávez anunciou a formação do PSUV. Chirino e a nossa corrente declararam abertamente que não apoiariam esse partido nem o governo, porque eram projetos poli-classistas. Em abril de 2007, no estado de Aragua, a UNT local, liderada pela nossa corrente, convocou uma greve em apoio a um conflito operário (Sanitários Maracay), que foi selvagemente reprimida. Em meados do ano, Chávez apresentou uma reforma constitucional, que foi rejeitada pela nossa corrente. No final do ano, Chirino foi demitido. Em novembro de 2008, assassinos instigados pelo chavismo mataram três dirigentes sindicais da nossa corrente: Richard Gallardo, presidente da UNT de Aragua; Luis Hernández, secretário-geral do sindicato da Pepsi Cola; e Luis Requena, da UNT. Todos eram membros da Unidad Socialista de Izquierda [Unidade Socialista de Esquerda] (USI), membro da UIT-QI.

Quem vem mudando de posição frente ao chavismo é o próprio Jorge Altamira – e o PO –, que passou do sectarismo e de nos acusar falsamente de sermos chavistas a fazer importantes concessões políticas ao decadente chavismo de Maduro. Altamira comprou as denúncias de “golpe de estado”, feitas pelo governo Maduro em resposta aos protestos de abril de 2013, após o resultado apertado das eleições presidenciais. E também durante os protestos de fevereiro-abril de 2014. Na realidade, tratava-se de uma cortina de fumaça lançada por Maduro para esconder o seu desastre político. Altamira chegou a cunhar uma nova categoria, “golpe crônico”, para se referir à situação venezuelana. Ao estabelecer tal definição, Altamira coincide com o governo chavista, que denuncia permanentemente um “golpe” diante de qualquer protesto: “Uma das características da história da Venezuela chavista é o estado de golpe permanente” (Prensa Obrera, 28/02/15).

Altamira lançou outra mentira sobre a nossa corrente, ao dizer que não repudiamos os ataques à AMIA e à embaixada israelense nos anos 90. Altamira escreveu: “Ele (Sorans) também esquece que, ao contrário de todas as correntes trotskistas na Argentina, sem exceção, nosso partido condenou, desde o início, os ataques à embaixada israelense e à AMIA.” Falso. Nós condenamos e repudiamos tais ataques desde o primeiro dia [4]. Tais atentados ocorreram durante o governo Menem, que apoiou a agressão imperialista ianque contra o Iraque em 1991, enviando mesmo dois navios. Foi nesse contexto que ocorreram os dois ataques. Nossa corrente repudiou categoricamente os dois ataques. No caso da AMIA, repudiamos “o ataque brutal contra as instalações da AMIA, que causou a morte e ferimentos graves a crianças, trabalhadores, vizinhos e outras vítimas inocentes. Um ato tão repreensível, longe de ajudar o povo palestino, enfraquece-o na sua luta contra Israel, que – com o apoio dos Estados Unidos – tem usurpado as suas terras há décadas com sangue e fogo. Além disso, Menem está tentando utilizá-lo para aumentar a repressão” (SS, nº 100, 20/07/94). O que nunca aceitamos foi a versão de Israel, das organizações sionistas, do imperialismo, do FBI e de todos os governos argentinos de que foram ataques racistas e antissemitas, negando qualquer relação com a verdadeira razão de fundo: a ocupação sionista, o genocídio do povo palestino e a histórica agressão imperialista sobre os povos árabes. Por isso, por exemplo, não participamos do evento de 21 de agosto de 1994, no Congresso, convocado pelos sionistas locais, pela embaixada israelense, pelas Forças Armadas, pela Igreja Argentina, pela burocracia sindical e pelo próprio Menem. Foi um ato de defesa do Estado sionista de Israel e das ações imperialistas. Nossa grande diferença com Altamira e o Partido Obrero foi que eles convocaram as pessoas para participarem deste evento em apoio a Israel e ao sionismo [5].

Tais debates fazem parte de um intercâmbio permanente e necessário entre a esquerda e os revolucionários. Nossa corrente sempre procurou ser o mais fraterna possível, apesar da dureza da polêmica por conta de importantes diferenças políticas e teóricas. Sabendo que isso não é fácil, esperamos que o debate possa ajudar a aproximar posições, mesmo que apenas parcialmente. Reiteramos que o fato positivo é que, nos últimos anos, fizemos isso como membros da Frente de Izquierda.

19 de setembro de 2016

Notas:

[1] Ver o programa da FIT: http://www.izquierdasocialista.org.ar/cgi-bin/elsocialista.cgi?es=247¬a=13

[2] Ver a declaração “Romper con el cerco a la revolución siria”, Istambul, julho de 2015.

[3} Ver “Sobre el artículo ‘Vamos con Chirino’ de Jorge Altamira-PO”, de Simón Rodríguez Porras, ES, nº 229, 12/09/12.

[4] Ver as notas no Solidaridad Socialista, março de 1992, e no Semanario Socialista, nº 100, 20/07/94.

[5] Ver a controvérsia em Semanario Socialista , nº 101, 27/07/94.

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