Turbulência nos mercados especulativos: crises, bolhas e ajustes
Por José Castillo, dirigente da Izquierda Socialista/ FIT Unidad
Os primeiros sinais foram conhecidos na última sexta-feira, 2 de agosto, embora a turbulência tenha explodido na segunda-feira, 5 de agosto. Houve uma queda forte e violenta (um “crack”) nas bolsas mundiais. Ações, títulos públicos, criptomoedas e os preços das chamadas commodities (como a soja) despencaram. Várias questões surgiram: por que isso aconteceu? Estamos no limiar de uma nova crise global aguda, como a de 2008? E, acima de tudo, que consequências têm essa crise para os povos trabalhadores do mundo e para o nosso país em particular.
Na segunda-feira, 5 de agosto, houve um colapso histórico da bolsa de valores de Tóquio (índice Nikkei), que caiu 12,4%, o pior resultado desde 1987. Isso rapidamente repercutiu em todos os mercados de ações do mundo: Wall Street afundou, as bolsas europeias e latino-americanas também. Em poucas horas, a queda dos preços fez com que dois trilhões de dólares em títulos de capitalização evaporassem. Tal quantia fazia parte, até aquele momento, do capital das grandes empresas e dos ativos dos bilionários do planeta. Surge uma questão: será que tal quantia realmente existiu anteriormente ou foi uma pura supervalorização especulativa?
O problema é que o capitalismo imperialista mundial não funciona bem há mais de meio século, nem mesmo dentro da sua própria lógica. Estamos imersos numa crise crônica, pois o capital produtivo gera lucros inferiores aos do capital especulativo (financeiro, etc.). É por isso que surgem constantemente bolhas especulativas, negócios parasitários de alguns especuladores, que, mais cedo ou mais tarde, acabam por explodir, deixando um rastro de perdedores. Vale lembrar que, muitas vezes, tais “perdedores”, sejam bancos ou grandes empresas transnacionais, são socorridos pelos Estados (pelo Federal Reserve no caso dos EUA ou pelos bancos centrais da Europa e do Japão). Quem sempre é obrigado a pagar a conta da crise é o povo trabalhador, através de ferozes planos de ajuste.
O estopim japonês
O Banco do Japão, em 31 de julho, aumentou a taxa de juros de 0% para 0,25% ao ano. A decisão de aumentar a taxa de juros foi uma consequência do aumento da inflação, que passou de negativa (-1%) em 2020 para mais de 4% anuais. Parece algo pouco significativo, mas não é, tendo em vista que tal taxa estava congelada há anos. A subida da taxa de juros liquidou um negócio especulativo que os grandes capitalistas japoneses vinham realizando: endividar-se (lembremos: à taxa zero de juros), usar o dinheiro para comprar ações ou títulos na bolsa de valores ianque e embolsar os lucros das altas cotações norte-americanas. Então, com empréstimos mais caros, deixou de ser conveniente continuar com esse ciclo e os especuladores japoneses rapidamente começaram a vender essas ações e títulos, causando uma queda nos preços. É claro que tais investimentos especulativos não estavam apenas em Wall Street, mas espalhados pelas bolsas de valores de todo o mundo, que assim afundaram na segunda-feira, junto com o índice Nikkei da bolsa de valores de Tóquio.
“A tempestade perfeita”: a coincidência com as desconfianças em relação à economia ianque
O capítulo “japonês” dessa história coincidiu com outro, que estava acontecendo no interior dos Estados Unidos. Essa é uma história que remonta a 2008, já que a recuperação da economia ianque foi lenta depois daquela crise. Milhões de pessoas perderam o emprego e, quando conseguiram regressar ao mundo do trabalho, fizeram-no em empregos de menor qualidade, mais precários, de tempo parcial (forçados a ter um, dois e até três empregos) e com salários mais baixos. Isso impulsionou o voto de protesto contra Obama nas eleições do final de 2016.
Durante os primeiros anos de Trump, a economia permaneceu a mesma. Depois chegou a pandemia e gerou uma recessão recorde. Embora tenha havido uma recuperação em 2021, dezenas de milhares de pessoas, que voltaram a perder o emprego, só conseguiram se reintegrar ao mercado de trabalho em piores condições e com salários mais baixos.
Somou-se a isso o aparecimento de uma inflação sem precedentes desde a década de 1970, que atingiu duramente os salários, deprimindo-os ainda mais. Uma parte importante da explicação da derrota de Trump nas eleições do final de 2021 está na revolta com essa situação econômica e social.
O governo ianque procurou reduzir a inflação aumentando a taxa de juros do Federal Reserve para 5,25%, tornando o crédito mais caro. Tal política começou nos anos finais de Trump e continuou durante toda a administração Biden. Atingiu milhões de famílias trabalhadoras, endividadas para o resto da vida, comprometendo mais de um terço dos seus salários no pagamento de hipotecas e empréstimos. Para piorar a situação, a inflação não diminuiu como esperado e continuou a reduzir a renda.
Enquanto tudo isso acontecia, uma realidade totalmente diferente estava sendo vivida no mercado de ações, financeiro e especulativo, ianque: as ações e títulos subiam e o establishment financeiro acumulava fortunas. Qual era a realidade, a dos salários deprimidos e das famílias endividadas ou a dos milhões acumulados em Wall Street?
Um olhar mais atento mostrava que o aumento dos preços das ações era uma miragem. Na realidade, a única coisa que cresceu foram os preços das chamadas “sete magníficas”: Nvidia, Tesla, Meta (Facebook), Alphabet (Google), Amazon, Microsoft e Apple, grandes corporações de novas tecnologias. No resto, as taxas de lucro não se recuperaram e existem milhares de empresas chamadas “zumbis” (superendividadas e que só sobrevivem porque continuam a obter empréstimos).
Mas a realidade é que mesmo as próprias “sete magníficas” também estavam supervalorizadas, com preços bem acima dos resultados dos seus balanços. Os sinais indicavam o possível surgimento de uma nova bolha especulativa que, tal como as anteriores, acabaria por estourar.
As notícias sobre o aumento da taxa de juros no Japão coincidiram na semana passada com a publicação de novos dados sobre emprego nos Estados Unidos (o desemprego aumentou dois décimos, atingindo 4,3%). E ambas se somaram com a divulgação de alguns balanços das “sete magníficas”, com resultados piores do que o esperado. Tudo isso causou a queda da bolsa de valores. Até agora, as ações, os títulos e os índices, mesmo que sem continuarem numa queda tão acentuada, não se recuperaram.
Inteligência artificial: uma nova bolha?
Veremos nas próximas semanas se estamos à beira de uma nova crise aguda como a de 2008 (que provocou falências em massa e uma depressão planetária generalizada) ou se significa apenas de um sinal de alerta. De todo modo, a realidade é que está cada vez mais claro que a economia ianque nunca se recuperou totalmente da crise de 2008 e tem sobrevivido graças às bolhas especulativas.
O que se verifica agora é que todo o novo setor da Inteligência Artificial, que tem sido vendido como o eixo da nova e maior produtividade do capitalismo do futuro, está, na realidade do capitalismo imperialista de hoje, gerando e inflando uma nova bolha, que ameaça explodir e causar uma crise de grandes proporções.
Vale lembrar que as “sete magníficas” são a maior expressão daquilo que é conhecido como “a economia do Vale do Silício”, que cresceu nas últimas décadas. Porém, esse setor supostamente próspero da economia ianque não está isento de problemas. Suas ações registraram uma queda de 15% recentemente.
Vários fatores têm contribuído para esse colapso. Há cada vez mais suspeitas de que a Inteligência Artificial, e complementarmente a indústria de fabricação de chips, gerou expectativas exageradas sobre os seus lucros futuros. No último mês, Amazon, Apple, Meta e Nvidia publicaram os resultados dos seus balanços, que decepcionaram os acionistas. A euforia dos investidores com os negócios em torno da Inteligência Artificial começou a se desmantelar. Isso teve um efeito imediato, em cadeia, para os fabricantes de microchips.
Em síntese, a bolha especulativa está exposta: as esperanças depositadas na Inteligência Artificial não correspondem à realidade. As grandes empresas de tecnologia não conseguem convencer os especuladores de Wall Street de que a Inteligência Artificial é o novo motor produtivo da economia global: “As promessas de avanços significativos em Inteligência Artificial por parte da Amazon, Microsoft e Alphabet não satisfizeram os investidores, que manifestam a sua decepção com a queda nos preços das ações dessas empresas de tecnologia” (Washington Post, 03/08).
A conclusão é que, como vem acontecendo há meio século, ainda estamos no meio de uma crise crônica da economia imperialista. As taxas de lucro não se recuperam nos setores produtivos e os super-lucros provêm principalmente da especulação. Ou seja, a Inteligência Artificial está longe de ser o passaporte para uma nova fase de crescimento do capitalismo.
É por isso que continuarão ocorrendo novos episódios de crise como a que começou esta semana. A consequência, para além dos bilhões de dólares perdidos, é que mais uma vez serão os povos do mundo que vão pagar por isso, através de novos e mais duros planos de ajuste. O caminho será, como sempre, enfrentá-los com a luta operária e popular. Mais uma vez, o capitalismo mostra que não oferece saída, obrigando-nos a lutar por governos dos/as trabalhadores/as e da esquerda, abrindo o caminho para um mundo socialista.