Maduro não é socialista nem anti-imperialista
Por Miguel Sorans, dirigente da Izquierda Socialista, seção argentina da UIT-QI.
A crise eleitoral na Venezuela abre mais uma vez múltiplas questões para milhares e milhares de lutadores. O que está acontecendo na Venezuela? Maduro é um governante de esquerda e anti-imperialista, que defende o petróleo contra os ianques? Maduro está enfrentando as multinacionais petrolíferas? Deveríamos então defender Maduro e não denunciar a fraude? Nossa corrente socialista trotskista tem outra visão.
Como socialistas revolucionários queremos esclarecer mais uma vez perante a vanguarda mundial anti-imperialista e socialista o verdadeiro caráter do governo de Nicolás Maduro e o significado do chavismo. É totalmente falso que exista um governo de esquerda na Venezuela e que o chavismo tenha promovido a construção de um “socialismo do século XXI”, como proclamou Hugo Chávez em 1º de maio de 2005. Os fatos mostram claramente que o chavismo nunca rompeu com o capitalismo nem deixou de fazer acordos com as multinacionais petrolíferas.
A esquerda mundial, o peronismo e até setores que se autodenominam trotskistas têm distorcido a realidade. Fazem isso para justificar a sua rendição aos governos patronais de conciliação de classes, seja Maduro, Lula, Petro ou Boric.
Vejamos o que diz, por exemplo, Valerio Arcary, dirigente da corrente Resistência e do PSOL do Brasil, apoiador do governo Lula. Arcary afirma ser um trotskista. Segundo ele: “A análise dos resultados eleitorais não pode ser reduzida a uma consideração ingênua. (…) O que está em causa é um realinhamento da Venezuela com os EUA, como uma semi-colônia, a privatização da PDVSA e a entrega das maiores reservas de petróleo às grandes corporações petrolíferas. (…) O governo Maduro assumiu um projeto de regulação estatal nacionalista do capitalismo com reformas sociais.” (“A batalha pela Venezuela”, 1º de agosto. Revista Jacobina).
Ou seja, para Arcary é secundário se houve fraude ou não (não tem “uma consideração ingênua”) e se, por conta das reações, a polícia matou 20 pessoas e está realizando prisões em massa. O centro da “batalha” é o controle do petróleo. Se Maduro caísse, segundo Arcary, “as maiores reservas de petróleo seriam entregues às grandes corporações petrolíferas” (multinacionais). Esse tipo de mensagem tem sido difundida por grande parte do reformismo mundial e do castrismo.
É natural que surjam, então, muitas confusões e dúvidas entre milhões de pessoas. Ainda mais tendo em vista que a oposição de Corina Machado é parte da direita liberal e pró-ianque. Porém, tudo isso é uma grande mentira.
A Chevron e as multinacionais petrolíferas estão na Venezuela há anos de mãos dadas com o chavismo
Primeiro esclarecimento, para evitar maiores confusões: é claro que a direita pró-ianque, liderada por María Corina Machado, quer entregar ainda mais o petróleo. Ela quer ser, na verdade, a intermediária do negócio petrolífero, substituindo o chavismo e as suas máfias corruptas. Trata-se de trocar uma máfia por outra. Nada mais.
É uma enorme mentira que, se o governo Maduro saísse, “as grandes corporações petrolíferas” tomariam conta do petróleo. Não! As multinacionais petrolíferas já estão na Venezuela há algum tempo. Desde 2007, Chávez determinou, por lei, a associação das multinacionais com a PDVSA por meio das empresas mistas.
Entre as primeiras empresas a aceitar o novo modelo estavam, entre outras, a Chevron dos Estados Unidos, a espanhola Repsol, a britânica Shell, a francesa Total, a China National Petroleum e a Petrobras do Brasil. A Exxon Mobil foi a única que não concordou e se retirou do país. Mais tarde, se juntariam a Mitsubishi, do Japão, e as empresas russas Lukoil, Gazprom e Rosneft.
O único setor que se opôs a essa política foi a corrente socialista e classista liderada por Orlando Chirino e José Bodas, dirigentes operários do Partido Socialismo e Liberdade (PSL) e da Corrente Classista Unitária Revolucionária e Autônoma (C-Cura), enraizada entre os trabalhadores petroleiros. Desde o primeiro momento, sua bandeira foi “Chega de empresas mistas. PDVSA 100% estatal sob o controle dos trabalhadores.”
A entrega do petróleo venezuelano às multinacionais deu um novo salto em 2010, quando o próprio Chávez assinou a concessão de vários blocos da Faixa do Orinoco, considerada a área com a maior reserva de petróleo do mundo.
Nos primeiros meses de 2010, o então ministro de Energia e Petróleo, Rafael Ramírez, anunciou que o consórcio formado pela petrolífera estadunidense Chevron, pela Mitsubishi Corporation e pela Inpex Corporation, as duas últimas do Japão, e pela Suelopetrol da Venezuela, seriam parceiras da PDVSA no projeto Carabobo 3, formado pelos blocos 2 Sul, 3 Norte e 5. O projeto Carabobo 1 foi entregue ao consórcio formado por Repsol, ONGC Videsh Limited, Indian Oil Corporation da Índia e Petronas da Malásia. Esse campo é composto pelas áreas 1 Centro e 1 Norte. Os blocos entregues às transnacionais produziram entre 400 e 480 mil barris de petróleo por dia.
Em seguida, Hugo Chávez apelou às empresas capitalistas não só para explorarem o petróleo, mas para se juntarem ao “desenvolvimento do país”, e exaltou a “confiança” demonstrada pelos empresários na economia capitalista venezuelana (para dados e citações, ver o livro “Por que o chavismo fracassou?”, de Simón Rodríguez Porras e Miguel Sorans, páginas 135 e 136).
Tal acordo também foi feito com outras multinacionais (Nestlé, Coca Cola, DHL, Movistar, Citibank entre outras) e grandes empresários venezuelanos, ao mesmo tempo em que se promoveu o surgimento de empresas que faziam negócios com o Estado, muitas delas ligadas às Forças Armadas, gerando um novo setor burguês conhecido como “boliburguesia”. Considera-se que existam cerca de 15 empresas controladas pelos militares. Tal fato explica porque eles continuam a ser a espinha dorsal do regime. Tudo isso no quadro de uma política anti-operária de baixos salários e de ataques às organizações dos trabalhadores e da esquerda independente.
Nada poderia estar mais longe da realidade do que a outra mentira de Arcary, de que “o governo de Maduro assumiu um projeto de regulação estatal nacionalista do capitalismo com reformas sociais”. Já sob Chávez começaram as dificuldades para o povo trabalhador, devido aos lucros que as multinacionais obtiveram e à corrupção e exploração da nova burguesia e do velho patronato, como o grupo Cisneros e o grupo Polar. Foi essa política que levou ao desastre econômico e social da Venezuela.
As multinacionais nunca saíram da Venezuela
Apesar das sanções impostas ao negócio petrolífero pelos Estados Unidos nos últimos anos, as multinacionais nunca saíram da Venezuela. Houve apenas retiradas parciais. Nesse quadro, o fato mais importante foi, em novembro de 2022, a ratificação da licença da Chevron, que passou a enviar 200 mil barris de petróleo por dia para os Estados Unidos.
Um ano depois, em novembro de 2023, o jornal espanhol El País noticiou novos investimentos petrolíferos, depois dos EUA terem anunciado a suspensão de muitas das sanções econômicas que pesavam sobre a Venezuela: “Além da Repsol e da Eni (Itália), que têm há algum tempo trabalhado com a Venezuela em projetos de gás, a francesa Maurel and Prom anunciou que está retomando suas operações no Lago de Maracaibo. A China Petroleum e a Indian Oil já estão realizando trabalhos em Miraflores. (…) A Mitsubishi quer retomar o projeto petroquímico de Metanol de Oriente, Metor. Caracas confirmou projetos conjuntos de petróleo e gás com a colombiana Ecopetrol. Fala-se também da Petrobras e da India Reliance” (El País, 27/11/2023).
Por sua vez, em junho de 2024, mostrando que o alegado bloqueio não existe, a Assembleia Nacional (AN, parlamento), dominada por Maduro, autorizou a prorrogação da operação por 15 anos da empresa mista petrolífera venezuelana Petroindependencia, em que a Chevron tem 34% de participação, que poderá operar até 2050 (dados do Periódico Energía, 18/07/2024).
Perante a nova crise política criada pela fraude, Maduro anunciou que, se a pressão dos EUA continuasse, “entregaria as licenças das companhias petrolíferas norte-americanas aos países do BRIC”. Isso mostra duas coisas: a primeira é a confirmação de que existe um acordo com as companhias petrolíferas ianques e, a segunda, é que não há ameaça de nacionalização dessas concessões, mas de entregá-las a companhias petrolíferas multinacionais do Brasil, da Rússia, da Índia e da China, que estão na Venezuela há anos.
Mais claro do que isso, só a água. O governo de Maduro não tem nada de socialista e muito menos de anti-imperialista. É uma ditadura capitalista com um discurso pseudo-anti-imperialista, usado para continuar a entrega do petróleo e a exploração do povo trabalhador. Nós, do PSL e da UIT-QI, continuamos a nossa luta para acabar com a ditadura de Maduro, a fraude e a repressão, rejeitando a oposição de direita pró-ianque como uma alternativa. Lutamos para conquistar um governo dos/as trabalhadores/as, que inicie o caminho rumo ao verdadeiro socialismo com democracia para o povo trabalhador.