A luta da classe trabalhadora pela reconstrução do Rio Grande do Sul
Por Jorge Nogueira – Técnico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e militante da CST e Diego Vitello – Coordenação Nacional da CST
Enquanto fechávamos esta edição, a catástrofe climática do Rio Grande do Sul já havia afetado 475 dos 497 municípios (96%), 37.154 pessoas encontravam-se em abrigos, 579.457 pessoas desabrigadas, 2.390.556 de pessoas afetadas, 806 pessoas feridas, 42 pessoas desaparecidas, 172 pessoas mortas, 77.874 pessoas resgatadas e 12.543 animais resgatados (Defesa Civil, Balanço das enchentes no RS, 03/06/2024).
Esta catástrofe colossal não é natural, mas fruto da degradação ambiental causada pela insanidade do capitalismo, sistema cujo único objetivo é acumular capital. O carniceiro imperialista das guerras do Iraque e do Afeganistão, George W. Bush, confessou, quando governava os EUA, que quebraria a economia americana caso seguisse o Protocolo ambiental de Kyoto. Um sincericídio que mostra a incapacidade do capitalismo resolver o problema da crise climática que causa. Os EUA, por exemplo, são um dos maiores poluidores do mundo. Com outro tipo de discurso, essa também é a política do partido democrata, com Biden à frente.
No Brasil, o capitalismo imperialista, que nos explora e domina, impõe que o eixo central da economia gire ao redor dos monopólios financeiros (via, por exemplo, o pagamento da dívida) dos ramos de extração e agroexportadores. Além da exploração da classe trabalhadora, o capitalismo se sustenta no banditismo contra os povos originários, quilombolas, camponeses, além de queimadas criminosas e desmatamentos gigantescos. A área utilizada para plantar soja é mais de 5 vezes o tamanho das áreas onde se planta arroz, feijão e trigo somadas (Conab, 2021). O resultado é que o Brasil importa estes últimos apesar de ter condições de produzi-los. Uma insanidade que só o capitalismo proporciona.
Leite e Melo querem reconstruir os lucros do capital
Os governos burgueses legalizam os crimes ambientais para que os capitalistas possam lucrar sossegados. O governador Eduardo Leite destruiu a legislação ambiental, destinou 0,2% do orçamento para preservação, fechou fundações e privatizou a Corsan, a Sulgás e a CEEE. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), culpou as pessoas que moram em áreas de risco, destinou 0% do orçamento para prevenção em 2023, desmontou o DMAE para privatizá-lo e enfrentou a cheia do Guaíba com sacos de areia.
Após lucrar com a degradação ambiental que gerou a destruição do RS, os capitalistas agora querem lucrar com a reconstrução. Leite e Melo ignoraram a UFRGS e contrataram uma empresa americana, a Alvarez & Marsal, para coordenar a reconstrução. Essa empresa atuou na privatização da Corsan, contratou Sérgio Moro para fazer acordos com empresas que ele próprio condenou e é conhecida pela sua atuação em Nova Orleans após o Katrina, onde demitiu professores, fechou e privatizou escolas, além de segregar o povo negro.
Leite aprovou, na Assembleia Legislativa, a criação de uma privatista “Secretaria de Reconstrução”, que será coordenada por Pedro Capeluppi, um bolsonarista ex-assessor de Paulo Guedes. O PT gaúcho votou a favor dessa Secretaria. Antes, PT e PCdoB apresentaram para Leite um projeto de um fundo com “participação social” junto com os empresários. O tucano gostou e a Assembleia Legislativa aprovou. “A nossa bancada se sente orgulhosa de ter ajudado, de estarmos juntos. Para nós, agora, não tem governo e não tem oposição nesse momento. Temos acertos de contas para fazer, mas vai ser depois. Tem responsáveis históricos, pelo deveria ter sido feito e não fez, pelo que fizeram e não deveriam, tudo isso é em outro momento. Não agora. Nós precisamos acertar o futuro e para acertarmos o futuro nós primeiro temos que consertar o presente, com o esforço de todos”, disse o deputado petista Luiz Fernando Mainardi (Alergs, 21/05/2024).
Dívida do RS: oportunismo bolsonarista, compromisso petista com os banqueiros
O governo Lula aprovou no Congresso Nacional a suspensão por 3 anos da dívida do RS. Embalada como “bondade”, trata-se de uma medida limitada, já que a calamidade deixa o Estado sem condições de pagá-la e, além do mais, essa dívida já foi paga.
Os bolsonaristas propuseram uma emenda para cancelar 3 anos da dívida, armando uma verdadeira “cama de gato” para a frente popular (PT, PCdoB, PSOL), que votou contra. Com isso, passaram a denunciar os deputados gaúchos do PT que votaram contra a emenda. Em resposta, os petistas argumentaram que o cancelamento teria que vir acompanhado de uma fonte de receita para cobrir a dívida e que a proposta dos bolsonaristas deveria ser por PEC, o que “atrasaria a ajuda ao RS”. Tais argumentos demonstram que o compromisso do governo Lula e da frente popular é com o Arcabouço Fiscal que aprovaram, instrumento de ajuste fiscal que corta da população trabalhadora para dar aos capitalistas, sobretudo os banqueiros.
Por outro lado, a postura dos bolsonaristas é puramente oportunista, já que Bolsonaro nunca propôs nada parecido e no seu governo os Estados foram empurrados a aderir ao mal chamado “Regime de Recuperação Fiscal”, exatamente para seguirem pagando a dívida.
A dívida pública atua como um instrumento de socialização do que seriam os prejuízos dos capitalistas: o dinheiro que os bancos não emprestam vira dívida pública, as grandes empresas salvas da falência aumentam a dívida pública, os capitalistas com dificuldades de acumular na produção investem nos títulos da dívida. Para garantir a valorização e o pagamento desses títulos, os governos burgueses cortam das áreas sociais e fazem contrarreformas neoliberais. Por isso, como socialistas revolucionários, defendemos a suspensão definitiva e o cancelamento de todas as dívidas públicas: dos Municípios, dos Estados e da União. Defendemos, como a nossa antecessora, Convergência Socialista, o não pagamento da dívida.
Organizar a luta por reconstruir o RS para a classe trabalhadora
Com a catástrofe das enchentes, abre-se uma nova conjuntura na luta de classes no Rio Grande do Sul. Como em toda crise, grandes capitalistas buscam se aproveitar do atual momento para ampliar ainda mais seus lucros. Para isso estão demitindo em massa e buscam “parcerias” com os governos para colocar ainda mais dinheiro público nos seus cofres. Os governos de plantão, incluindo o de Lula, não apenas não terão medidas de fundo para resolver a crise, como também ajudarão os capitalistas na sua busca incessante por lucro.
As eleições municipais, que se avizinham, serão palco de debates sobre a crise do estado.
Somente a classe trabalhadora e o povo da periferia, com sua mobilização, podem impor melhorias na sua difícil situação. Destacamos, desde já, que o processo de mobilização começou. Tivemos atos no Sarandi, na Cidade Baixa, no Centro e uma plenária popular no Rubem Berta. Na maioria dessas atividades, a militância da CST e da Combate Sindical esteve presente.
Porém, ainda estamos em um processo embrionário e é preciso coordenar as lutas que estão surgindo. Primeiro, defendemos que em cada bairro atingido organizemos um comitê popular dos atingidos pelas enchentes. Também nesse sentido, propomos que a CSP-Conlutas chame uma plenária aberta no centro para discutir a convocação de mobilizações. Exigimos também que as maiores centrais sindicais (CUT, CTB, Força Sindical), as direções de sindicatos (como o CPERS) e partidos de oposição ao governo Leite convoquem atos de rua e organizem a luta contra as demissões que estão ocorrendo em diversas empresas, bem como que se lute para solucionar a situação dos desabrigados (destinando imóveis da especulação imobiliária, por exemplo).
Medidas emergenciais frente à crise:
Para resolver a crise do ponto de vista da classe trabalhadora e do povo pobre do estado do RS, propomos as seguintes medidas:
– Cancelamento imediato de toda a dívida do RS com a União;
Um dos principais problemas que tem o RS hoje é a dívida pública do estado com a União. Além de já ter sido paga várias vezes, essa dívida ilegítima hoje serve para o governo federal destinar quase metade do orçamento do país para pagar juros dos títulos da dívida aos banqueiros e grandes capitalistas. Hoje o seu valor é de R$92 bilhões. Metade desse valor seria suficiente para construir mais de 500 mil casas para a população atingida pelas enchentes. Junto com isso, o não pagamento da dívida externa e interna do governo Lula/Alckmin para garantir mais recursos federais para o RS e para a emergência climática e ambiental no país.
– Plano de obras públicas para reconstruir moradias, ruas e estradas;
Esse plano enfrentaria dois problemas que estão no centro da catástrofe: o de moradia e do desemprego. Utilizando o conhecimento técnico produzido na UFRGS e demais universidades do interior (como UFSM, UFPel, etc), o estado pode garantir um ótimo planejamento. Um plano de grandes proporções poderia empregar centenas de milhares de trabalhadores que perderam seus empregos, construindo moradias para todos os atingidos pelas enchentes.
– Reestatização da CEEE e da CORSAN;
Nas mãos da iniciativa privada, as empresas de fornecimento de luz e água para os gaúchos vinham piorando ano após ano. Com a catástrofe, mostraram sua total ineficiência.
– Fim do Plano Safra que financia o agronegócio devastador do meio ambiente;
O governo de Lula destinou, em 2023, R$435,6 bilhões para o Plano Safra. Hoje, o agronegócio brasileiro é concentrado na exportação de soja. Altamente rentável para meia dúzia de grandes capitalistas, é responsável pela emissão de mais de 70% do CO² emitido no país. Precisamos acabar com essa farra dos capitalistas que destrói o meio ambiente. Defendemos que os bilhões que Lula destina ao agronegócio sejam investidos em agricultura familiar destinada à produção de alimentos. Defendemos a expropriação de todas as multinacionais poluidoras do campo envolvidas em desastres e destinação de seus lucros para a ações na área ambiental.
– Rompimento da “parceria” com a empresa corrupta Alvarez & Marsal;
A empresa contratada pelo prefeito de Porto Alegre, Sebatião Melo (MDB), para “reconstruir” o estado, está envolvida em diversos escândalos de corrupção e organizou uma verdadeira rapina dos cofres públicos em Nova Orleans, após o furacão Katrina.
– Não à “flexibilização” de direitos trabalhistas proposta pela FIERGS;
Os multimilionários que comandam a entidade patronal da indústria buscam se aproveitar da crise e sofrimento do povo gaúcho para colocar mais alguns milhões nas suas contas. O plano que apresentaram prejudica os trabalhadores, propondo a retirada de diversos direitos. Ao invés de favorecer magnatas, precisamos garantir auxílio emergencial de um salário mínimo aos desabrigados e desempregados.
– Nenhuma demissão! Estabilidade no emprego!
Os grandes empresários, covardes como sempre, estão demitindo milhares de mães e pais de família. Para não perder nenhum centavo dos seus milhões, jogam a conta da crise nas costas da classe trabalhadora. Exigimos uma lei que garanta estabilidade no emprego e proíba compulsoriamente qualquer demissão. Para as pequenas empresas que perderam tudo com a catástrofe, defendemos que o governo garanta o salário dos seus trabalhadores nesse momento e um plano financeiro para reconstrução de cada estabelecimento.