Texto 5 – O PCB após 1935 – A política de Frente Popular no Brasil e a dissidência no CR-SP
Henrique Lignani, Historiador e militante da CST
O contexto repressivo
Em 1935, guiado pela orientação ultraesquerdista do chamado “terceiro período”, o PCB stalinista realizou uma tentativa de levante armado. Sem qualquer apoio na classe trabalhadora, o levante foi rapidamente derrotado. Por outro lado, suas consequências foram gravemente sentidas nos anos que se seguiram.
Em primeiro lugar, uma forte repressão foi levada à cabo por parte do governo e da burguesia contra os militantes de esquerda. O PCB, sendo o maior partido vinculado à classe trabalhadora no período, se tornou o principal alvo, com diversos militantes presos e perseguidos. Além disso, o governo de Getúlio Vargas se aproveitou das repercussões do levante para intensificar o seu curso autoritário: ainda em 1935, decretou estado de sítio; em 1937, com base em um documento forjado, propagandeou a ameaça de um novo “golpe comunista” e ganhou apoio de parte da burguesia para a imposição de uma ditadura, o Estado Novo.
A conjuntura repressiva posterior a 1935 também impôs mudanças no funcionamento do PCB. A direção nacional do partido teve que ser transferida do Rio para Salvador, além do fato da comunicação entre os diferentes Comitês Regionais do partido ficar muito debilitada. Dessa forma, o partido passou a funcionar de forma praticamente autônoma em cada estado onde estava presente, provocando algumas confusões e divergências quanto à linha política que seguiam.
O stalinismo brasileiro e a política da IC
A desorientação vivida no PCB na época em questão não era observada apenas internamente, nos frágeis vínculos entre as regionais do partido. A relação entre o partido, representante do stalinismo no Brasil, e a política geral da Internacional Comunista (IC) stalinista também apresentava alguns descompassos.
Em 1935, o VII Congresso da IC operou uma importante mudança de rumo com a adoção da política de Frentes Populares. Justificando-se pela recente ascensão do nazismo na Alemanha, tal política consistia, resumidamente, na adoção de alianças com setores da burguesia considerados “democráticos”, “progressistas” ou, no caso dos países semicoloniais, “anti-imperialistas”. O stalinismo considerava essas alianças necessárias para a concretização de uma “primeira etapa” da revolução socialista, na qual tais setores burgueses teriam um papel a cumprir. Na prática, as Frentes Populares representaram o abandono da independência de classe por parte da IC e dos PC’s stalinistas. Naquele momento, significaram também uma brusca guinada, pois a política ultraesquerdista do Congresso anterior, que propugnava a iminência da revolução socialista, foi abandonada sem a realização de qualquer balanço ou autocrítica.
Assim, é possível perceber as contradições presentes no PCB naqueles anos de 1935 e 1936. A tentativa de insurreição armada no Brasil ocorreu em novembro de 1935, meses após a realização do VII Congresso da IC. Portanto, apesar das novas orientações da Internacional, os stalinistas brasileiros seguiam com uma política ultraesquerdista. Por outro lado, evidenciando ainda mais as contradições, o PCB entendia que, apesar de iminente, a revolução brasileira deveria ser realizada em aliança com setores “anti-imperialistas” da burguesia, o que já expressava a estratégia de Frentes Populares.
Apenas no final de 1936, chegaram ao Brasil orientações diretas da IC, defendendo o enquadramento do PCB nas diretrizes do VII Congresso da IC. Passou-se a adotar decisivamente a política de Frente Popular, considerando o papel hegemônico da burguesia nacional na revolução brasileira e a perspectiva de uma revolução por etapas (a primeira delas, nacional, democrática, anti-imperialista e antifeudal). É importante ressaltar que tal virada política foi concretizada sem que se realizasse uma autocrítica quanto às posições anteriores que haviam conduzido ao desastre do levante de 1935.
A crise interna e as consequências da virada política
O contexto de mudanças na política do PCB não passou sem que diferenças surgissem no interior do partido. No início de 1937, um grupo de militantes nucleado no Comitê Regional da São Paulo (CR-SP), liderado por Hermínio Sacchetta, começou a manifestar abertamente suas divergências em relação às posições do Secretariado Nacional (SN), que tinha Bangu à frente.
De início, os debates eram travados ao redor de dois pontos principais. Primeiramente, quanto às eleições presidenciais que ocorreriam em 1938 (caso não tivesse ocorrido o golpe e o início da ditadura de Vargas). Duas candidaturas burguesas se apresentavam para a disputa: a de José Américo, apoiada por Vargas, e a de Armando Sales. Após alguma hesitação, o SN do PCB decidiu-se pelo apoio à José Américo, enquanto o grupo ligado ao CR-SP defendia que o partido se mantivesse equidistante de ambos os candidatos, buscando que se comprometessem com algumas de suas pautas [1].
Em segundo lugar, o CR-SP apontava diferenças em relação à linha do PCB quanto à aliança de classes entre o proletariado e a burguesia nacional para a realização da revolução no Brasil. Embora não rejeitassem completamente essa colaboração de classes, tais militantes enfatizavam a hegemonia que o proletariado deveria ter no seu interior. Nesse sentido, é importante ressaltar que as diferenças entre os grupos se desenvolviam dentro dos marcos da política stalinista de Frente Popular. Ambos reivindicavam a IC e buscavam o ter o seu respaldo, inclusive acusando os seus adversários de “fracionistas” e “trotskistas”.
O grupo ligado a Sacchetta chegou a ter o apoio da maioria dos demais comitês regionais do PCB, formando um Comitê Central Provisório e defendendo a realização de uma conferência nacional do partido na qual pudessem ser debatidas as questões de divergências. Por sua vez, a direção do partido organizou um novo comitê regional em SP, expulsando os principais militantes da oposição em processos repletos de calúnias e acusações infundadas. A situação foi resolvida apenas com a intervenção direta da IC em favor do grupo de Bangu.
A evolução em direção ao trotskismo
Desde o início, os militantes trotskistas brasileiros, naquele momento organizados no Partido Operário Leninista, acompanharam o processo de cisão dentro do PCB, buscando influenciar os debates. Como visto acima, as críticas por parte do CR-SP começaram a ser desenvolvidas de dentro do stalinismo, algo que era considerado pelos militantes do POL que as caracterizavam como centristas. Dessa forma, em seu diálogo, os trotskistas buscavam apontar as contradições presentes naquela cisão do PCB.
O principal aspecto indicado nesse sentido era o fato de que os militantes do CR-SP restringiam as suas críticas à direção do PCB, ao mesmo tempo em que seguiam reivindicando a IC, onde se originava a política levada à cabo pelos stalinistas brasileiros. O entendimento da burguesia nacional como força motriz da “revolução nacional-libertadora” no Brasil, assim como a divisão e a hierarquização do imperialismo em um “imperialismo melhor” e outro “pior”, alvo das críticas dos cisionistas dentro do PCB, não eram aspectos restritos a este país. Ao contrário, tratava-se do eixo da política stalinista de Frente Popular, orientada a partir da IC para os PC’s de todo o mundo. Portanto, os textos escritos pelo POL no contexto da crise interna no PCB apontavam no sentido da correção das críticas elaboradas pelo grupo de Sacchetta. Porém, caso fossem coerentes e levassem tais críticas às últimas consequências, elas resultariam no rompimento não apenas com a direção do partido brasileiro, mas também com a IC e com o stalinismo.
Dessa forma, os trotskistas conseguiram estabelecer o contato e influenciar parte daquele grupo, que, após a expulsão do PCB, formou a Dissidência Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária. Além de Hermínio Sacchetta, estavam presentes nesse grupo militantes como Heitor Ferreira Lima, Alberto Moniz da Rocha Barros e José Stacchini. Em abril de 1939, tal grupo se juntou ao POL, formando o Comitê Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária, que em agosto daquele mesmo ano originou o Partido Socialista Revolucionário. A unificação ocorreu com base no programa da IV Internacional, sendo o PSR reconhecido como sua seção brasileira.
Notas:
[1] Nesse contexto, os trotskistas brasileiros, organizados no Partido Operário Leninista, defenderam que o PCB lançasse para a disputa, simbolicamente, o nome de Luiz Carlos Prestes, que então se encontrava preso.
Referências:
– KAREPOVS, Dainis. Luta subterrânea – o PCB em 1937-1938. São Paulo: Hucitec, Unesp, 2003.
– ANDRADE [Febus Gikovate]. A crise do stalinismo no Brasil. A Luta de Classe. Nº 37 (II), 25/01/1938, p. 1-5.