Texto 1 – Os “maximalistas” que fundaram o PCB ainda não eram “verdadeiros comunistas”
M.Tunes, Coordenação da CST
Nas últimas semanas, ocorreram comemorações do centenário do PCB e fala-se dos preparativos para o centenário. Surgiram textos e saudações. É marcante a forma elogiosa com que o PCB conta sua história. Às vezes, fala-se de alguns “erros” ou “equívocos no pré-64” e nada mais, sem grandes autocríticas.
Vendo isso, pode-se imaginar que o PCB teria uma trajetória impecável. Mas, a história não está bem contada. Nós, trotskistas, fomos perseguidos e caluniados pelos Partidos Comunistas burocratizados, comandados por Josef Stalin, e temos algo a dizer.
Surge o PCB
O PCB foi fundando em março de 1922. Eram 9 delegados representando 73 militantes do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Niterói, Recife, São Paulo e Cruzeiro. Os fundadores foram o barbeiro Abílio de Nequete, do Grupo Comunista de Porto Alegre, um dos dirigentes das greve geral gaúcha de 1917, com contatos com o PC do Uruguai; o jornalista Astrojildo Pereira, dirigente dos comunistas do RJ e colaborador de jornais anarco-sindicalistas; o tipógrafo João da Costa Pimenta, dirigente da União dos Gráficos, do Congresso Operário Brasileiro e do Comitê da Greve Geral de São Paulo de 1917; o professor Cristiano Cordeiro, do grupo Comunista de Recife; o alfaiate Joaquim Barbosa; o vassoureiro Luís Peres; o eletricista Hermogênio da Silva; o líder sindical José Elias da Silva; o alfaiate Manuel Cendón.
A influência da revolução bolchevique de 1917 corria o mundo. Não por acaso, o PCB reivindicava-se “Seção brasileira da Internacional Comunista” e o ponto central do Congresso foram as “21 condições” para a adesão à III Internacional. Tratavam-se dos requisitos votados em 1920, visando a construção de uma organização marxista revolucionária mundial. O estatuto foi baseado no do PC argentino. Ademais, se votou uma saudação à Revolução Russa, à III Internacional e seu Bureau para América do Sul, aos Partidos Comunistas da Argentina, Uruguai e Chile. Uma articulação razoável, pois, aqui, os Partidos Comunistas estavam se construindo de forma quase autônomas. Logo após a fundação do PCB, o governo decreta estado de sítio, o que dificulta sua construção. Dentre os dirigentes efetivos da Comissão Executiva, é Antônio Bernardo Canellas, por se encontrar na Europa, que viaja para o IV Congresso da III Internacional.
As lideranças anarquistas aderem ao “maximalismo”
O impacto da Revolução Russa caiu em solo fértil no Brasil, devido às fortes lutas e à existência de organizações operárias. Em 1917, ocorreu a greve geral que durou 30 dias em São Paulo e expulsou o governo da capital. A cidade ficou sob o controle do Comitê de Defesa Proletária. Posteriormente, em 1918, é deflagrada uma greve geral do Rio de Janeiro, dirigida pela Aliança Anarquista, que termina derrotada e as lideranças presas. Essas batalhas mostraram certas limitações do anarquismo. Uma parte desses dirigentes se inclina ao “maximalismo” (como os bolcheviques eram chamados aqui). É assim que, em 1919, surge, por exemplo, o jornal Spartacus. Ao mesmo tempo em que exaltava a “mãe anarquia”, defendia a revolução na Hungria com um “viva o comunismo”. Essa situação confusa dos “anarquistas-comunistas” durou certo tempo, mas a divisão se impôs. Um grupo se define pelo bolchevismo e lança a revista “Movimento Comunista”, que defendia a III Internacional, articula o Congresso do PCB e divulga seus passos iniciais.
O PCB ainda não era “verdadeiramente comunista”
No Brasil havia grupos socialistas utópicos, “partidos socialistas” e outras tendências reformistas. Mas não existia uma tradição marxista revolucionária e o giro dos anarquistas ao bolchevismo ocasionou problemas teóricos, programáticos e organizativos. O que é constatado pela própria III Internacional, em 1922, ao deliberar: “O Comitê Executivo da Internacional Comunista, depois de ter discutido o relatório do representante do Partido Comunista do Brasil, estabelece que esse partido não é, ainda, um verdadeiro Partido Comunista. Ele conserva restos da ideologia burguesa, sustentados pela presença de elementos da maçonaria e influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a estrutura descentralizada do Partido e a confusão reinante sobre a teoria e a tática comunista”. E afirma que era “possível fundar no Brasil um bom e forte partido comunista. O núcleo desse novo partido deverá ser formado pelos grupos atualmente existentes…. Provisoriamente, o Partido Comunista do Brasil deve ser aceito na Internacional Comunista como partido simpatizante. A Agência de Propaganda para a América do Sul é convidada a trabalhar pela organização do Partido Comunista brasileiro, de acordo com os camaradas brasileiros”. Em 1924, ano do V Congresso da Internacional Comunista, o PCB é reconhecido como seção oficial, em plena crise do Partido Comunista da União Soviética e da Internacional.
A burocratização do PCB e adesão ao stalinismo
Após a morte de Lenin, aprofunda-se a burocratização e o controle do aparato comunista por parte de Stalin e sua “teoria” do “socialismo em um só pais”. Debates que perpassaram o V Congresso da Internacional Comunista, em 1924.
A direção do PCB vai, pouco a pouco, se inclinando à fração stalinista. No VI Congresso, em 1928, Astrojildo Pereira é eleito para o Comitê Executivo Internacional da Comintern. Após permanecer em Moscou, Astrojildo volta ao Brasil e traz na bagagem diretrizes para a modificação no partido. Sob a condução do Bureau Sul-Americano da Comintern, implementou-se o “giro obrerista”, que destituiu a antiga direção do partido. O próprio Astrojildo foi excluído pela máquina burocrática. Um ano antes, em 1928, fortes divergências surgem no PCB, acarretando cisões de fundadores do partido, como Joaquim Barbosa, João da Costa Pimenta e Rodolfo Coutinho, dirigentes nacionais como Aristides Lobo, além de Lívio Xavier e Hilcar Leite. A destituição da antiga direção ocorre paralelamente ao atrelamento definitivo do PCB aos ditames de Moscou. Mas, isso já é tema para a segunda parte deste especial, numa próxima edição do Combate Socialista.