Argentina: é preciso parar o ajuste de Milei!

 

por Izquierda Socialista, seção da UIT-QI na Argentina. Editorial do jornal El Socialista nº 577.

 

O dado é devastador. Segundo o Observatório da UCA, 57,4% da população da Argentina é pobre, sendo que trata-se de um país que produz alimentos para 400 milhões de pessoas. Do 45% de pobreza que deixou o governo peronista anterior, passou-se para 27 milhões de pobres com o governo de Milei, dos quais 7 milhões são indigentes. Milei disse que o dado é “um desenho”, e culpa o “modelo da casta” e a “destruição dos últimos cem anos”. No entanto, prometeu que iria governar para que a Argentina “não se transforme em uma vila de miséria”, com os deploráveis resultados à vista.

A pobreza é a consequência lógica de anos de ajuste de governos radicais, peronistas e do PRO [1], que agora cresce com Milei, após a aplicação de um brutal ajuste ultradireitista. Um enorme ataque antioperário e antipopular, centralmente com a destruição de salários e aposentadorias. “Viemos para mudar o país, a motosserra e a liquidificadora não se negociam”, disse Milei. Mas, como alertamos na campanha eleitoral, a motosserra de Milei é contra o povo trabalhador, a classe média e os pequenos comerciantes.

“Desta vez, o esforço vai valer a pena”, disse o ministro da economia Luis Caputo, tentando fazer com que acreditem que no fim do túnel pode haver uma luz. Macri disse o mesmo e nos levou a outro desastre.

O governo vem de sofrer um duro revés ao cair a chamada “Lei Ônibus”. Apesar de ter acordado com os partidos conservadores, governadores e até com setores do peronismo, o governo teve que retirá-la. O repúdio dos trabalhadores ao ajuste, com a greve geral de 24 de janeiro e as enormes manifestações em todo o país, com panelaços e assembleias de moradores, setores da cultura, sindicatos combativos, piqueteiros, a esquerda e outros, golpearam a “oposição do diálogo” [2]. Sobretudo, os governadores, que viram o que lhes esperava em suas províncias caso avalizassem cem por cento o projeto. Por isso exigiram que parte do milionário “imposto país” fosse repartido, entre outros pontos, para poder fazer frente às demandas salariais e sociais. O governo, com a sua ineficácia política denunciada até pelos seus amigos políticos, quis continuar as negociações fora das instalações e devolveu-as à comissão. A lei caiu e o governo ficou muito enfraquecido. Para se esconder, Milei disse que foi de propósito, para “despir quem defende a casta” e saiu para insultar os governadores e todos os “aliados”, até mesmo López Murphy, que concordou com toda a lei. Agora denunciou o Congresso como um “covil de ratos” e saiu a difamar Lali Espósito, como parte do seu ataque e cortes à cultura, sendo repudiado por milhões. Por tudo isto, os analistas políticos começam a duvidar da “capacidade” de Milei em fazer alianças e continuar com o seu plano de motosserra sem colocar em risco a estabilidade política.

Milei, apesar do golpe sofrido, quer seguir ajustando através de decretos antidemocráticos. O porta-voz presidencial Adorni se perguntou “por que tanta raiva com um governo que tem poucas semanas”. Mas os dados de mais inflação e pobreza são a explicação. Já se escuta o povo dizer “não foi para isso que votamos nele”, e várias pesquisas revelam a queda de sua popularidade, que em 21 dos 24 municípios da Grande Buenos Aires já tem mais rejeição do que apoio.

A greve geral arrancada da CGT (principal central sindical da Argentina) no dia 24 de janeiro, com mobilizações multitudinárias, foi uma forte demonstração de vontade de luta do povo trabalhador. A queda da Lei Ônibus fortaleceu a luta. Seguem as ações e mobilizações populares e piqueteiras e crescem as lutas dos trabalhadores. A marcha e a ocupação do Conicet, as assembleias de trabalhadores estatais contra as demissões, a convocatória de uma paralisação nacional da ATE. Os bancários fazem grandes assembleias em defesa do Banco Nação. As e os ferroviários de Sarmiento lutam contra a privatização da ferrovia, protagonizando o Trem da Resistência junto às assembleias do Oeste. A paralisação nacional de La Fraternidade. As paralisações da Saúde e agora de Ctera e outros sindicatos docentes que se somam às paralisações docentes na CABA e diversas províncias. Haverá um importante ato no dia 1 de março da coordenação dos setores em luta. Avizinha-se uma grande mobilização do movimento de mulheres e dissidências, com uma ação unitária convocada pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto e o Nem Uma a Menos para o próximo 8M, dia internacional das mulheres trabalhadoras. E se aproxima o primeiro 24 de março (dia de repudiar o golpe de 1976) com um governo ultradireitista que reivindica a ditadura, ato que deve ser massivo.

Héctor Daer, da CGT, reconhece que “em torno de 30% das atividades tiveram os salários recompostos, e nenhuma de maneira satisfatória, motivo pelo qual se está chegando a um significativo grau de conflito”. Mas a CGT se nega a marcar a data de uma nova greve geral. É preciso seguir exigindo da CGT e da CTA que o façam como parte de um plano de luta nacional. Redobrando a luta, impulsionando a coordenação de todos os setores e apoiando as reivindicações em curso. É o que viemos fazendo e defendendo como Izquierda Socialista junto ao sindicalismo combativo, à esquerda e a todos os setores que querem derrotar o plano de Milei. Setores que encabeçaram as manifestações no dia 20 de dezembro, tomando a Praça de Maio contra o protocolo repressivo, os panelaços e depois no dia 24 e na resistência em frente ao Congresso contra a feroz repressão de Bullrich.

Ficou demonstrado que é possível frear as medidas do governo. É preciso avançar, impulsionando uma Coordenação Nacional de todos os setores em luta, pela derrubada do plano de Milei. E por um plano econômico alternativo operário e popular, para que a crise seja paga pelos capitalistas, não pelos trabalhadores. Exigindo um imediato aumento de salários e aposentadorias iguais à cesta básica familiar. Deixando de pagar a dívida externa ao FMI e impondo fortes impostos aos grandes empresários, bancos e multinacionais. Fortalecendo, para este fim, a Frente de Esquerda – Unidade.

Notas de Tradução:

[1] Radicais, nesse caso, refere-se ao partido da União Cívica Radical, partido de direita liberal, que já governou o país. Peronistas (nome que vem de Perón, ex-presidente do país) são as correntes ligadas ao pensamento “nacional e popular” burguês, que utilizam um “duplo discurso” para iludir os trabalhadores, similar ao Lulismo no Brasil. Já o PRO é outro partido de direita, ao qual pertence o ex-presidente direitista Macri.

[2] Setores da oposição que não querem levar a luta contra Milei nas ruas até o fim, preferindo apostar em negociações pelas costas dos trabalhadores e do povo.

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