37 anos após sua morte: Nahuel Moreno e a luta pelo socialismo

por Federico Novo Foti, Izquierda Socialista (seção da UIT-QI na Argentina)

No dia 25 de janeiro de 1987, faleceu, aos 62 anos de idade, Nahuel Moreno. Foi um dos mais destacados dirigentes do movimento trotskista. Hoje, quando o capitalismo afunda milhões na miséria e destrói o planeta, as contribuições de Moreno permitem recuperar o caminho revolucionário para lutar por uma saída de fundo, conquistar governos de trabalhadores e o socialismo mundial.

O trotskismo nasceu na década de 1920, enfrentando o aparato burocrático dirigido por Josef Stalin, que foi tomando a direção do Estado soviético, dos partidos comunistas e da Terceira Internacional após a morte de Vladimir Lenin em 1924. Foi uma etapa marcada pelo retrocesso e graves derrotas sofridas pelas massas populares do mundo, quando lutas heroicas foram esmagadas pela contrarrevolução nazifascista, encabeçada por personagens sinistros como Benito Mussolini, Chiang Kai-Shek e Adolf Hitler.

Aquelas derrotas foram, em grande medida, resultado da traição das velhas direções socialdemocratas (os partidos socialistas) e da burocracia stalinista. O abandono da luta para conquistar governos de trabalhadores e o socialismo mundial por parte da socialdemocracia e do stalinismo, que em nome do “socialismo” realizaram a conciliação com a burguesia, aplicou um duro golpe à tarefa de construir uma direção revolucionária, tal como vinha ocorrendo com os quatro primeiros anos da Terceira Internacional e com o Partido Bolchevique, que desde 1918 passou a se chamar Partido Comunista. Diante de tamanha traição, Leon Trotsky, principal dirigente da Revolução Russa ao lado de Lenin, sob as difíceis condições impostas pela perseguição stalinista, assumiu a tarefa de defender os princípios do marxismo-leninismo. Antes de ser assassinado por um agente stalinista em 1940, Trotsky escreveu o programa para a revolução socialista (o Programa de Transição de 1938) e assentou as bases para uma nova organização, que ao calor de um futuro ascenso de lutas operárias deveria varrer as direções traidoras para liderar a revolução: a Quarta Internacional [1].

Desde 1943, com a derrota nazista na batalha de Stalingrado, na Segunda Guerra Mundial, começou uma nova etapa de ascenso: conquistou-se a grande vitória da rendição do exército de Hitler, caíram quase todas as ditaduras nazifascistas, as colônias na Ásia e na África conquistaram suas independências e foram construídos Estados operários, expropriando a burguesia, em um terço do planeta. O programa de Trotsky se confirmou. Mas o ascenso não fortaleceu o trotskismo, e sim a socialdemocracia, o stalinismo e outras direções nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas, levando esses primeiros triunfos a novas frustrações e derrotas para as massas.

Sem Trotsky e a maior parte dos dirigentes que o acompanharam, que tombaram assassinados pelo stalinismo ou combatendo o nazismo, sobrou para um punhado de dirigentes jovens e inexperientes a tarefa de reconstruir a Quarta Internacional. Entre eles, Moreno foi quem melhor passou à prova, continuando a luta de Trotsky. Diante das capitulações dos oportunistas às direções majoritárias das massas e da negação dos processos revolucionários pelos sectários, Moreno defendeu a inserção do trotskismo na classe operária, a intervenção nos processos de luta e revoluções sem capitular às suas direções, e batalhou incansavelmente para reconstruir a Quarta Internacional e seus partidos nacionais, na perspectiva de conquistar governos de trabalhadores e o socialismo mundial [2].

O trotskismo operário e internacionalista

Em 1942, o jovem Hugo Miguel Bressano Capacete (logo apelidado Nahuel Moreno) foi ganho para o trotskismo por um trabalhador marítimo no Teatro del Pueblo, um espaço de reunião da intelectualidade de esquerda na cidade de Buenos Aires. Naqueles anos, os dispersos núcleos do trotskismo local costumavam realizar longas reuniões de debate nos cafés portenhos e militar muito pouco [3]. Mas aquele jovem se propôs a tirar o trotskismo dos cafés e se juntar ao movimento operário. Em 1944, Moreno fundou o Grupo Obrero Marxista (GOM), junto a um grupo de jovens. Seu documento precursor, “El partido”, baseado nos ensinamentos de Lenin, colocou a importância de iniciar a tarefa de construir um partido revolucionário, começando por se ligar ao “movimento operário, aproximando-se e penetrando nas organizações, onde elas se encontrem, para intervir em todos os conflitos de classe” [4].

O grupo teve seu batismo de fogo em janeiro de 1945, quando estourou a greve do frigorífico Anglo-Ciabasa, em Avellaneda. O dirigente trotskista do sindicato da madeira, Mateo Fossa, lhes aconselhou a se colocarem a serviço da greve, sem tentar “baixar a linha”. O respeito que aqueles jovens ganharam por seu compromisso com a greve lhes permitiu instalar-se na Villa Pobladora, em Avellaneda, e começar a dirigir vários sindicatos na área. O grupo foi se forjando sob o auge do peronismo, polemizando com suas posições de conciliação de classes. Desde então, o “morenismo” batalha para construir partidos revolucionários no seio do movimento operário e em suas lutas [v].

Em 1948, Moreno viajou a Paris, como delegado para o segundo congresso da Quarta Internacional, que estava se reorganizando. Em 1951, no terceiro congresso, os dirigentes Michel Pablo e Ernest Mandel começaram a impor uma linha de capitulação ao stalinismo (Mao Tsé-Tung na China, Tito na Iugoslávia, entre outros) e aos nacionalismos burgueses da América Latina, Ásia e África (o peronismo, Paz Estenssoro/Bolívia, Ben Bella/Argélia e outros). Moreno alertou que essa orientação oportunista levava a renunciar à tarefa de construir partidos revolucionários e ao paulatino abandono da luta pelo socialismo nesses países e no mundo. O triunfo da Revolução Cubana em 1959 reavivou o debate. Moreno defendeu a primeira revolução que adotou medidas socialistas na América Latina, contra os sectários. Mas enfrentou a corrente mandelista, que capitulava à direção de Fidel Castro e ao Partido Comunista. A realidade deu razão a Moreno. A burocracia cubana cedeu ao stalinismo e, décadas depois, restaurou o capitalismo em nome de uma falsa “atualização do socialismo”.

Apesar das fortes polêmicas, crises e rupturas, Moreno nunca abandonou a luta em defesa da independência política da classe operária nem o desafio internacionalista de unir os revolucionários para reconstruir a Quarta Internacional, o partido mundial da revolução socialista. Em suas palavras, “a maior tarefa que já esteve colocada para o ser humano” [6].

A luta pelo socialismo continua

Ocorreram grandes mudanças no mundo desde 1989, apenas dois anos depois do falecimento de Moreno, quando ocorreu a queda do Muro de Berlim e da ditadura burocrática da ex-União Soviética, debilitando os partidos comunistas em todo o mundo. As massas foram protagonistas daquelas mobilizações revolucionárias, mas a ausência de alternativas revolucionárias fez com que não se conseguisse impedir a restauração capitalista. O imperialismo e os próprios burocratas aproveitaram para disseminar a falsa ideia do “fracasso do socialismo”, semeando ceticismo.

Nessa nova etapa, sobre as ruínas do stalinismo, voltaram a emergir variantes de centroesquerda e do falso “socialismo”, que insistem em impor falsas soluções, como o “socialismo de mercado” da ditadura capitalista chinesa. Mais uma vez, os governos de colaboração de classes, que mantêm o capitalismo, levaram as massas a novas frustrações. E também continuam as dificuldades do trotskismo. No entanto, Moreno nos ensinou que devemos assumir que nossa luta é difícil, mas é o caminho correto. Que não devemos cair no ceticismo, caindo no sectarismo do “não é possível” ou no propagandismo, nem no facilismo oportunista de buscar atalhos, que somente levam a novas decepções.

Hoje, mais do que nunca, está confirmado que o sistema capitalista imperialista fracassou, trazendo maior miséria, exploração e devastação ambiental. O movimento operário e as massas do mundo continuam lutando e protagonizando heroicas rebeliões e revoluções em busca de uma saída para os males diários produzidos pelo capitalismo. Em cada luta, a UIT-QI e suas seções nacionais, seguindo os ensinamentos de Moreno, defendem a necessidade de unir os revolucionários para construir os partidos socialistas revolucionários em cada país e no mundo, com a convicção de que somente a classe trabalhadora e as massas no poder poderão abrir uma nova época de progresso sustentável para a humanidade, conquistando um mundo socialista.

Notas:

[1]. Leon Trotsky. Programa de Transição. (1938). Publicado no Brasil pela Editora Sundermann, 2017.

[2]. Ver documentário de Mariano Manso (diretor). (2017). Nahuel Moreno: uma vida, infinitas lutas. [Vídeo online] Disponível em espanhol www.nahuelmoreno.org

[3]. Carmen Carrasco e Hernán Félix Cuello. Esboço Biográfico. CEHuS, Buenos Aires, 2016. Disponível em espanhol em www.nahuelmoreno.org

[4]. Nahuel Moreno. “El partido” (1943) em Problemas de Organização. CEHuS, Buenos Aires, 2017. Disponível em espanhol em www.nahuelmoreno.org

[5]. Ver Mercedes Petit. Recordando Mateo Fossa. Em “El Socialista” Nº 34, 14/06/2006. Disponível em espanhol em www.izquierdasocialista.org

[6]. Nahuel Moreno. O Partido e a Revolução. Edições El Socialista, Buenos Aires, 2013. Disponível em espanhol em www.nahuelmoreno.org

 

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