Rio Grande do Sul: frente ampla ou frente de esquerda independente? Um debate com o MES-PSOL
No dia 23 de dezembro, findando o ano de 2023, os dirigentes do PSOL Rio Grande do Sul e da corrente Movimento Esquerda Socialista (MES) fizeram uma publicação conjunta com a deputada federal petista Maria do Rosário na rede social Instagram [1], comunicando que estiveram reunidos com o ex-prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, para “pedir sua colaboração na elaboração de um programa para melhorar Porto Alegre”. A seguir, informam que o mesmo respondeu positivamente. Essas negociações visam as eleições municipais da capital gaúcha (no ano que vem) e demonstram que, assim como em outras capitais do país, como São Paulo (com Boulos), o PSOL está empenhado em reeditar a frente ampla de conciliação de classes que levou Lula-Alckmin à presidência (e através da qual eles governam atualmente). Na opinião da CST, que em 2023 rompeu com o PSOL, essa política de alianças de conciliação de classes é um grave erro e só pode nos levar a derrotas estratégicas. Neste texto, queremos debater com as e os camaradas do MES e das demais correntes da chamada “ala esquerda” do PSOL, assim como com o conjunto de ativistas de esquerda que estão preocupados em construir uma alternativa contra a miséria capitalista.
Quem é José Fortunati? Amigo ou inimigo?
Conhecido por já ter sido prefeito de Porto Alegre pelo PDT, Fortunati iniciou sua militância ainda jovem no movimento estudantil de Porto Alegre, em meio à ditadura, e, posteriormente, como bancário, ajudou a fundar a CUT e foi presidente do sindicato dos bancários da cidade. Na sequência, entrou na política institucional, tendo sido candidato e parlamentar pelo PT em diversas oportunidades, inclusive como deputado constituinte do RS em 1989. No entanto, depois disso, Fortunati só foi à direita. Rompeu com o PT em 2002 para ir ao PDT, sendo indicado para Secretário Estadual de Educação do governador Germano Rigotto (PMDB, atual MDB), que havia derrotado Tarso Genro (PT) nas eleições. É prática do PDT do RS, partido de Brizola e de Alceu Collares, negociar e entrar em qualquer governo do estado que lhe entregue a Secretaria de Educação, e os professores sabem que a situação só piorou ao longo dos anos.
Em 2008 iniciou sua participação na prefeitura de Porto Alegre, como vice de José Fogaça (PMDB). Uma prefeitura de direita que também atuou para entregar trechos da Orla do Guaíba à iniciativa privada. Quando Fogaça abandonou o governo para tentar ser governador, em 2010, Fortunati assumiu o cargo de prefeito. Concorreu à reeleição em 2012, pelo PDT, derrotando a chapa de Manuela D’ávila (PCdoB) e do direitista Berfran Rosado (PSD). O vice de Fortunati foi Sebastião Melo (PMDB), atual prefeito de Porto Alegre associado recentemente a Bolsonaro. Em 2013, ocorreram os multitudinários protestos de junho de 2013 em todo o Brasil, mas Porto Alegre foi a precursora com sua juventude que combateu o aumento da passagem e foi duramente reprimida, servindo como exemplo para o resto do país. Nesse contexto, José Fortunati foi justamente o prefeito que enfrentou e reprimiu os manifestantes, contando com a ajuda do então governador, Tarso Genro (PT). Além disso, a prefeitura de Fortunati-Melo foi marcada pelo início do arboricídio e por diversos enfrentamentos contra os trabalhadores municipais, rodoviários e a juventude. Uma das características da gestão foi aproveitar o contexto pré-Copa de 2014 para desencadear a repressão contra as reivindicações dos trabalhadores, solicitando auxílio do governo estadual e do governo Dilma-Temer para defender os interesses da burguesia.
Buscando espaço eleitoral, Fortunati saiu do PDT em 2017 e saltou de partido em partido. Passou pelo PTB, do bandido bolsonarista Roberto Jefferson, a convite do próprio. Tentou ser candidato a prefeito em 2020, mas teve sua candidatura barrada pelo judiciário. Sem candidatura, o PTB e Fortunati apoiaram Melo, candidato que reivindicou Bolsonaro em plena pandemia. Foi nessa ocasião que Melo ficou conhecido como “MeloNaro”. Em 2022, Fortunati se filiou ao União Brasil, buscando se candidatar a deputado federal. O União Brasil é um partido de extrema direita, que abrigou diversos bolsonaristas nos últimos anos. O mesmo partido pelo qual o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, foi eleito senador na última eleição. Um partido que rompeu com Bolsonaro não por diferenças ideológicas, mas por divergências envolvendo as negociatas. Atualmente, o União Brasil faz parte da base aliada do governo Lula-Alckmin, integrando o setor de extrema direita do governo com 3 ministérios. Segundo levantamentos, é o partido mais “desleal” a Lula nas votações no parlamento.
Portanto, nossa conclusão é de que José Fortunati não é aliado da esquerda, da classe trabalhadora e do meio ambiente, mas um inimigo político que deve ser combatido. Não concordamos que seja correto buscar esse sujeito para fazer alianças ou “contribuir no programa”. O programa de Fortunati, como a prática demonstra, está bem distante dos anseios do povo trabalhador em meio à crise do capitalismo. E também não será uma possível filiação de Fortunati à REDE (partido que compõe o governo do Republicanos em Charqueadas) que mudará esse fato.
Os argumentos da direção do MES, além de equivocados, são incoerentes
O MES é uma corrente que reivindica ser parte da chamada “ala esquerda” do PSOL, crítica à política de conciliação de classes da direção majoritária do partido. A corrente fez parte da quase metade do partido que votou a favor da candidatura própria do PSOL em 2022, com o deputado Glauber Braga. A seguir, argumentando que a batalha havia sido perdida, o MES aderiu à candidatura de Lula-Alckmin desde o primeiro turno, em nossa percepção de forma totalmente acrítica. A CST, em contrapartida, não aderiu à deliberação do PSOL e apoiou a candidatura do Polo Socialista Revolucionário, com Vera Lúcia e Raquel Tremembé (PSTU). No segundo turno, a CST declarou voto crítico em Lula para derrotar Bolsonaro, sem que isso significasse apoio político ao seu programa ou ao futuro governo.
No entanto, apesar das divergências que temos com a política do MES, um debate que sempre fizemos de forma fraterna, nosso conhecimento era de que os camaradas, em sua argumentação, diziam ser contra a política de conciliação de classes de Lula com Alckmin, e que a adesão à chapa lulista desde o primeiro turno se deu por ser “a realidade colocada”.
Chama a atenção que, sendo direção majoritária do PSOL RS, os dirigentes do MES, ao lado de Maria do Rosário, busquem José Fortunati para uma aliança. Aí não se trata mais da “realidade colocada”, mas sim da busca do MES de criar essa realidade de acordo com seus interesses políticos. A argumentação do MES é que trata-se de uma aliança necessária para derrotar o “bolsonarismo” nas eleições municipais, representado por Melo. Essa política também é seguida pelo Fortalecer o PSOL, que compõe a direção do PSOL RS com o MES e manifestou publicamente acordo com a linha através de seus dirigentes.
Na publicação do Instagram, algumas pessoas questionaram a aliança com uma figura como Fortunati, dizendo, inclusive, que ele foi responsável por alçar Melo à prefeitura de Porto Alegre, já que Melo foi vice de Fortunati e recebeu apoio do mesmo posteriormente. Vejamos o que Roberto Robaina, dirigente do MES que esteve presente na reunião, argumentou em resposta: “E o Alckmin? Entendeste? Eu acho que o Fortunati tem formação de esquerda, diferente do Alckmin. E não tenho dúvidas de que é um democrata contra a extrema direita”.
Ou seja, Robaina revisa a própria política do MES e reivindica como correta a aliança com Alckmin, um exemplo a ser seguido e aplicado agora com Fortunati. É a política de conciliação de classes, de fazer uma frente policlassista entre todos os “democratas” para derrotar a “extrema direita”. Se antes o MES disse ser contra essa política, mas chamou a votar pois “era o que tinha”, agora passa a ser a política a ser implementada. Chama a atenção também que um dirigente de longa data como Robaina utilize como argumento a suposta “formação de esquerda” de Fortunati [2]. Como já demonstramos anteriormente, isso não serve de nada, pois ele só foi à direita depois disso. E um historiador como Robaina certamente sabe que a formação do sujeito no passado não o impede de ir cada vez mais à direita e cometer atrocidades contra os trabalhadores. Não vamos citar nomes, mas deixamos a reflexão.
Essa política de conciliação de classes pode ajudar a ter sucesso eleitoral? Pode ser que sim, já que as eleições são um reflexo distorcido da realidade e da luta de classes. No entanto, ela prepara derrotas estratégicas para nossa classe. A eleição de Lula-Alckmin derrotou Bolsonaro eleitoralmente, mas seu governo de colaboração de classes, recheado de bolsonaristas, segue aplicando a cartilha da burguesia, o que faz com que não haja melhorias substanciais na qualidade de vida dos trabalhadores. A indignação contra a cruel realidade social faz com que o povo trabalhador busque alternativas, já que o atual governo não está resolvendo a situação. Se não encontrar uma alternativa pela esquerda, buscará uma saída à direita, que pode resultar numa reoxigenação da extrema direita. A vitória eleitoral de Milei, na Argentina, é um exemplo disso. Chamamos as e os camaradas do MES a refletir sobre essa linha política e a mudar os rumos enquanto há tempo.
A CST propõe outra política: frente eleitoral e de luta da esquerda independente
A CST é uma organização socialista e revolucionária independente, que rompeu com o PSOL em junho de 2023 para rejeitar a política de conciliação de classes implementado pela direção majoritária do partido, que se federou com a REDE e vem apoiando e integrando o governo burguês de Lula-Alckmin com cargos e ministérios. O último Congresso do PSOL (2023), do qual já não participamos, reafirmou essa política, dando peso ainda maior para sua direção reformista (representada no RS pelo deputado estadual Matheus Gomes). Diante disso, estamos chamando as e os lutadores, parlamentares e as correntes que discordam desses rumos do PSOL a romper com o partido e ajudar na reorganização de uma alternativa de esquerda. De nossa parte, pensamos que uma boa iniciativa nesse sentido seria a de rejeitar as frentes amplas de conciliação de classes que PT-PCdoB-PSOL buscam nas eleições municipais de 2024 e construir uma frente eleitoral da esquerda independente, que está fora do governo Lula-Alckmin. Recentemente, lançamos um chamado nacional pela formação dessa frente da esquerda independente em 2024, que pode ser lido aqui: https://www.cstuit.com/home/2023/12/21/propomos-uma-frente-eleitoral-da-esquerda-independente-em-2024/.
Defendemos construir uma frente da esquerda independente também dos governos estaduais e municipais e de qualquer setor patronal. Uma frente independente para combater o Arcabouço Fiscal, o plano de desestatização do sistema ferroviário federal, as privatizações e defender a reversão do corte de verbas, a revogação das medidas do bolsonarismo (reforma da previdência, trabalhista, privatização da Eletrobras e NEM); para exigir a taxação dos bilionários e multinacionais e o não pagamento da dívida para disponibilizar orçamento para reajuste salarial, pagamento do piso nacional da educação, bolsas universitárias, plano de obras públicas (hospitais, escolas, etc.) para geração de emprego, para emergência climática, políticas contra violência de gênero, aborto legal, seguro e gratuito, o desmantelamento do aparelho repressivo e das chacinas policiais, a estatização dos sistemas de transporte municipais e a implementação da tarifa zero, além da reestatização das empresas privatizadas em cada município, dentre outras propostas que podem ser debatidas em cada contexto.
Chamamos o MES e o Fortalecer o PSOL, que dirigem o PSOL no RS, a refletirem e romperem com essa política de frente ampla. Da mesma forma, gostaríamos de ver um posicionamento nítido do Alicerce e da vereadora Karen Santos [3], que também fazem parte da direção do partido no RS; bem como da corrente Construção Socialista (CS), importante setor da luta da educação no estado. Ao invés de reunir com Fortunati e Maria do Rosário (defensora do nefasto PL 4653/23, que posterga ainda mais o fim do uso do carvão mineral no RS), opinamos que é mais correto reunir com UP, PCB, PCB-RR, PSTU (que lançou a pré-candidatura da companheira Fabiana Sanguiné) e MRT para buscar organizar uma alternativa de independência de classe para as eleições municipais de 2024 em Porto Alegre e nas demais cidades do Rio Grande do Sul. Estamos empenhados nessa construção.
Referências:
[1] Publicação de Luciana Genro e Maria do Rosário no Instagram: https://www.instagram.com/p/C1My17EgY-C/. O link contém uma foto com Roberto Robaina, Luciana Genro, Maria do Rosário e José Fortunati reunidos e a legenda: “Procuramos o ex-prefeito José Fortunati para pedir sua colaboração na elaboração de um programa para melhorar Porto Alegre. Ele respondeu positivamente à nossa proposta. Estamos firmes nessa construção”. Os comentários de Roberto Robaina estão na mesma publicação.
[2] Em maio de 2023, Robaina já estava fundamentando o seu novo posicionamento sobre Fortunati: https://sul21.com.br/noticias/politica/2023/05/porto-alegre-oposicao-se-aproxima-de-consenso-por-uniao-para-eleicoes-de-2024/. Na notícia, ele deu uma entrevista afirmando que Fortunati “foi prefeito com o Melo de vice, mas teve uma experiência muito traumática com esses setores da burguesia e da elite”.
[3] Em junho de 2023, a vereadora Karen apresentava desconforto com a possibilidade de uma aliança com Fortunati (Ver minuto 48:18 da entrevista ao CuboPlay/Sul21) https://youtu.be/nMtAAYOUoS0?si=rXZFTRAGpxV-YXOM.