Milei no governo: Ajuste de choque contra o povo trabalhador

Por Juán Carlos Giordano, Esquerda Socialista/FIT Unidade

Apenas eleito, o ultradireitista Milei anunciou um brutal ajuste econômico. Confirmado por seu ministro Luís Caputo, mentor da dívida e fiel servidor do FMI no governo Macri, o ajuste trará a combinação de estagnação e recessão cujo prejuízo, no dizer de Milei, será pago pelo Estado argentino, o que na verdade significa que a conta recairá sobre os trabalhadores, ficando sem efeito o discurso “anti casta” empregado enganosamente durante a campanha.

O novo pacto de governo envolve os mesmos políticos de sempre, incluindo macristas e peronistas. Após quarenta anos de governos patronais que se seguiram à queda da ditadura e frente ao desastre de todos os governos anteriores, inclusive o último, do peronista Fernández, quem agora assume é a direita patronal, agente direto do FMI e do imperialismo norte-americano, que terá pela frente milhões de pessoas empobrecidas, cujo desespero as levou a votar em Milei para pôr um basta à herança desastrosa deixada por Fernández, Cristina e Massa. Essas expectativas se chocarão com a brutalidade do ajuste em curso.

Ao assumir, Milei se apresentou com a mesma imagem de político “novo e diferente” que vendeu durante a campanha. Rodeado por Bolsonaro e o Rei da Espanha, em seu discurso voltado “para o povo”, e não para os deputados, disse que é o primeiro presidente liberal libertário da história e que foi votado para realizar uma mudança inédita. Mas logo passou a vociferar a sua já anunciada receita de ajuste, algo perigoso para quem acaba de assumir sinalizando com decisões contraditórias e improvisadas, quer se trate da formação do seu ministério, quer das suas propostas de governo.

Milei e Caputo jogam lenha na fogueira da crise social

Diz-se que ao falar da pior herança da história (aconselhado por Macri e Caputo) Milei buscava tranquilizar previamente seu eleitorado e evitar críticas, diante do ajuste anunciado como “doloroso, inevitável, não gradual” e do famoso refrão “não há dinheiro”. Mas as suas primeiras medidas já estão a balançar o barco. Pessoas que votaram nele revelam tê-lo feito “com medo, mas seduzidas pela ilusão de uma mudança”.

A promessa de “acabar com a inflação numa canetada” mostrou-se falsa, na medida em que a “liberdade dos preços” tem acarretado aumentos dos alimentos de até 100 por cento, o que se agravará ainda mais com a desvalorização que elevou a cotação do dólar a 800 pesos, ou seja 118 por cento sobre o valor anterior.

Os que remarcam os preços são os mesmos de sempre: Arcor, Coca Cola, Fargo, Danone, Johnson e outras empresas capitalistas que atuam com total impunidade nos setores de ponta, em posição vantajosa dentro do chamado livre mercado, e que continuam se enriquecendo em cima das necessidades do povo.

Em nome da “liberdade de mercado” o que há é mais um capítulo de aumento de preços e tarifas, licenciamentos, desvalorização da moeda, aumento da dívida externa, privatizações, reforma trabalhista, cortes de salários e pensões.

Ao declarar que o ajuste será pago pelo Estado, Milei se volta precisamente contra os que votaram nele achando que não seriam prejudicados. Para Milei, o Estado são os salários dos trabalhadores da saúde e da educação, juntamente com as aposentadorias que estão na mira de todos os governos capitalistas, para os quais tudo isto é apenas “despesa”. O ajuste prometido levará ao agravamento de uma situação já por si explosiva, aumentando a miséria e a pobreza extrema. Daí o silêncio dos seus ouvintes, quando disse que entre dezembro e fevereiro a inflação alcançaria 40%.

Sua promessa de que o ajuste não será pago pelos particulares – e de que será ainda maior do que exige o Fundo Monetário – significa claramente que serão beneficiados os grandes empresários, bancos, multinacionais e o próprio FMI. O argumento de que “não há dinheiro” só vale para o povo trabalhador, porque o governo continuará pagando bilhões de dólares da dívida usurária e fraudulenta, com vencimentos médios anuais de 15 bilhões pelos próximos dez anos. Essa política de choque, com o desastre que acarretou, já foi vista nos anos 90 durante o governo peronista de Menen, que Milei considera uma referência. “Passados trinta anos temos que continuar dizendo a mesma coisa”, disse o Ministro do Interior Guillermo Franco. Entretanto, os resultados já são visíveis.

Quanto tempo vai durar a lua de mel?

De um total de 257 deputados e 72 senadores, Milei tem somente 38 e 7, respectivamente. Não tem nenhum aliado direto nas prefeituras nem nos governos provinciais, e carece de estrutura partidária. O apoio de Macri e de Patricia Bullrich, candidata derrotada no 1º turno, deu força à sua candidatura e o ajudou a ganhar a eleição. Fala-se muito também do acordo que buscará com os blocos patronais no Congresso para fazer passar seu projeto de governo. O foco da expectativa não pode ser o Congresso dos patrões, cujos políticos sempre se acomodam com o governo de turno para dar encaminhamento às reformas. O Parlamento só produz leis que favorecem os de cima, a menos que sejam impedidos pelas lutas do povo trabalhador, como ocorreu na rebelião popular de dezembro de 2017, que barrou o ataque de Macri contra as aposentadorias, e na onda verde do movimento das mulheres que conquistou a legalização do aborto. A questão chave é como reagirá o “humor social” diante dessa facada, independentemente de que se trate ou não dos eleitores de Milei. Os comentários na imprensa já anunciam que Milei terá que se haver com uma maioria empobrecida e pouco disposta a suportar mais perdas. A grande patronal o apoia mas teme um “transbordamento social” que venha de baixo. Será decisivo o desfecho da possível “lua de mel” dos cem primeiros dias do novo governo, diante de um ajuste que virá com repressão, numa reedição do que ocorreu com Macri e sua ministra-gendarme Patricia Bullrich.

O discurso mano dura de Milei ameaça com corte de salários os manifestantes que ocuparem as ruas: “fora da lei, nada”, proclama, referindo-se obviamente não aos delinquentes de colarinho branco mas aos que saírem em protesto contra a sua política. As expectativas populares dos que votaram nele se chocarão com as consequências nefastas do ajuste, podendo-se prever um período muito convulsionado.

O peronismo da “governabilidade” e a cumplicidade da CGT

O desastre representado por Alberto Fernández, Cristina Kirchner e o candidato derrotado Sergio Massa levou a que a insatisfação popular buscasse equivocadamente uma variante da extrema direita. Comenta-se que agora o peronismo passará à resistência, mas de que resistência se trata?

Depois de abandonarem a militância, que fez uma campanha a plenos pulmões para evitar o triunfo eleitoral de Milei e hoje, golpeada, vê que seus dirigentes lhe dão rédea solta, o que agora dizem os dirigentes e parlamentares peronistas é o contrário dessa resistência. “Não vamos criar obstáculos à administração do novo governo”, disse o senador peronista José Mayans diante da vice de Milei, Victoria Villarruel, notória negacionista dos crimes da ditadura e defensora dos militares genocidas (Clarín, 1/12). Por seu lado, Milei retribui dizendo que “não veio para perseguir ninguém nem para ajustar velhas contas”, comemorando a concessão de titularidade a La Libertad Avanza em ambas as câmaras do Congresso, por obra de Cristina Kirchner.

Políticos e funcionários peronistas aceitam servir ao governo de Milei e assumem cargos no nova administração (Ministério dos Transportes, Anses, Banco de la Nación), como é o caso de Schiaretti – “estamos aqui para ajudar”, declarou. Também receberam credenciais Daniel Scioli (embaixador no Brasil); Flavia Royón (Minas); Leonardo Madcur (relações com o FMI); Lisandro Catalán (Secretário do Interior), corroborando a máxima do embaixador norte-americano, que disse a Cristina: “é hora de deixar de lado os partidos e trabalhar juntos”. No máximo, o peronismo seguirá o que disse o banqueiro Carlos Heller, ex-titular da Comissão de Orçamento no governo peronista, que preconizou “minimizar os danos das políticas adotadas”.

A CGT, por seu lado, depois de dizer que não vai dar “nem um passo atrás”, indicou, pela voz de vários de seus representantes, que “ninguém vai provocar um conflito antes do tempo”, e o dirigente da UPCN, Andrés Rodríguez, instou a “garantir a governabilidade, não fazer juízo prévio e se dispor a dialogar”.

O dirigente Pablo Moyano declarou que “a CGT está comprometida com a defesa dos direitos dos trabalhadores” (Página 12, 4/12). Se é assim, por que não defendeu os trabalhadores frente a um governo que, a serviço do FMI, foi responsável por salários de miséria e um aumento da pobreza em 45 por cento? Temos uma CGT que primou por não tomar nenhuma medida de luta em quatro anos de ajuste do último governo. O mesmo fez a CTA e o conjunto da traidora burocracia sindical, contribuindo para que se preparasse o clima que levou à vitória de Milei.

Junto com o sindicalismo combativo e a FIT Unidade, a Esquerda Socialista exige que esses dirigentes deixem de cumplicidade e convoquem assembleias e plenárias de delegados para preparar a luta contra o ajuste anti operário de Milei.

Para pôr um fim à pobreza e à decadência é necessário lutar, romper com o FMI e fortalecer a Frente de Esquerda

Independentemente das mudanças de situação, está claro que há um brutal ataque contra a classe trabalhadora e que o seu enfrentamento se dará com luta. Com um movimento operário que não está derrotado e continua disposto a brigar, a perspectiva para 2024 é de lutas e embates sociais, como se viu durante a rebelião popular em Jujuy contra a reforma constitucional do governador justicialista Gerardo Morales. Diante de uma patronal que já está a despedir pessoal e implantar planos de demissão voluntária, como na Nissan-Renault e Mercedes Benz, a Plenária do Sindicalismo Combativo (PSC) exige que a crise seja paga pelos capitalistas, e não pelos trabalhadores. Para tanto, convocamos as organizações sociais, a juventude e a esquerda à marcha deste 20 de dezembro, aniversário do Argentinazo contra o governo de De la Rúa e o FMI, como primeira ação unificada contra o ajuste de Milei e Caputo e em defesa das liberdades democráticas e do direito de manifestação. Às mentiras de Milei, que diz estar começando “um período contra a decadência” e fala de uma “luz ao fim do túnel” apenas para depois do ajuste, respondemos que a decadência, a pilhagem e a submissão ao FMI só terminarão quando rompermos com essa agência imperialista, deixando de pagar a dívida externa e implementando um plano econômico operário e popular, como sustentamos ao longo deste ano eleitoral e nas lutas de que participamos na Frente de Esquerda Unidade. O coroamento dessas lutas será um governo do povo trabalhador, um governo da esquerda numa Argentina dos trabalhadores e trabalhadoras, socialista e amplamente democrática.

Para esta luta, fazendo eco ao chamado de nosso combativo dirigente Rubén “Pollo” Sobrero, convocamos os lutadores, em especial a valiosa militância peronista à qual nos juntamos para impedir a vitória de Milei, a se somarem à Esquerda Socialista para fortalecer a Frente de Esquerda Unidade, única alternativa política que tem enfrentado os governos de turno, agora na primeira fila contra o ultradireitista Milei e seu “plano motosserra”.

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