Texto 1 – CUT: 40 anos de sua fundação
Por João Santiago, Coordenador Geral do Sintsep-PA
A CUT nasceu nas lutas, classista, democrática e socialista
Em 28 de agosto de 1983, no I Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), realizado em São Bernardo do Campo (SP), nascia a CUT, Central Única dos Trabalhadores. Estiveram presentes nesse Congresso histórico cerca de 5.500 delegados, sendo 460 sindicatos urbanos (com 3.053 delegados) e 363 sindicatos rurais (com 916 delegados), além de 176 associações pré-sindicais (com 716 delegados), 32 associações de funcionários públicos (com 145 delegados), 43 federações (com 194 delegados) e 5 confederações (com 422 delegados)[i].
Foi o Congresso mais democrático de toda a história da CUT e refletiu diretamente o ascenso operário que o país atravessava, com as históricas greves dos operários da indústria metalúrgica do ABC-SP, o que já havia possibilitado a fundação do PT em 1980, e a primeira tentativa de greve geral contra os patrões e a ditadura militar em julho de 1983, tendo à frente a liderança de Lula. Todas as tendências sindicais e políticas de esquerda estavam presentes, inclusive a Convergência Socialista, corrente trotskista ligada ao morenismo na época.
A CUT expressava o “novo sindicalismo” e nasceu se contrapondo ao peleguismo dos dirigentes históricos, como “Joaquinzão”, ligado ao MDB e ao sindicalismo de conciliação de classes do PCB, MR-8 e PCdoB, que formavam a Unidade Sindical. Este setor pelego e reformista, que participou da Primeira Conferência da Classe Trabalhadora, em agosto de 1981, em Praia Grande (SP), junto com os sindicatos e oposições ligados ao PT, com cerca de 5.036 delegados, foi o mesmo setor que não concordou com os princípios classistas de fundação da CUT e boicotou o Congresso, realizando depois o seu próprio Congresso e fundando outra central pelega, a CGT.
A CUT surgiu rompendo a estrutura sindical pelega defendida pelos pelegos e stalinistas. Estes defendiam a tal da “unicidade sindical”, amarrando todas as categorias de um ramo em um único sindicato. A CUT defendia a autonomia e liberdade sindical, permitindo aos trabalhadores fundarem os sindicatos conforme suas necessidades de organização e de luta. Do mesmo modo, desde o início, a CUT combateu o imposto sindical, que era um instrumento para eternizar as burocracias sindicais no poder.
A CUT nasceu democrática, permitindo com que todas as tendências políticas que confluíram para sua fundação participassem da direção da central, através do método da proporcionalidade direta e qualificada. Todas as tendências que concorressem com chapas no Congresso e obtivessem o percentual mínimo poderiam estar na direção. Para se ter uma ideia, no III CONCUT, realizado em Minas Gerais em 1988, o setor majoritário, a Articulação, encabeçado por Lula, obteve 60,4% dos votos; a CUT Pela Base, formado pela DS, O Trabalho e MOMSP, movimento de oposição metalúrgico de SP, conseguiu 23,4% dos votos; e a Convergência Socialista, tendência trotskista ligada a Nahuel Moreno, conquistou 16,3% dos votos. E todas compuseram a direção executiva e nacional da CUT com base nessa proporcionalidade.
A CUT também inscreveu em seu Estatuto de fundação a bandeira da luta pelo socialismo. Lemos em seu artigo 2°: “A Central Única dos Trabalhadores é uma organização sindical de massas em nível máximo, de caráter classista, autônomo e democrático, cujos fundamentos são: o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo”. Refletia ainda o apelo “à democracia” e a luta contra a ditadura militar que governava o país e que viria abaixo no ano seguinte com as mobilizações pelas Diretas Já.
Foi com esses princípios que a CUT organizou a maior greve geral da história do país em 1989, contra o Plano Verão do governo Sarney, quando 30 milhões de trabalhadores cruzaram os braços. Foi com esses princípios que a CUT conquistou uma gama de sindicatos dos pelegos e reformistas, a tal ponto que, no ano de 1989, a CUT detinha 89% dos sindicatos nas empresas estatais, 51% nas empresas privadas nacionais e 56% nas multinacionais, ao passo que a CGT pelega detinha apenas 11% nas estatais e 20% dos sindicatos nas empresas privadas[ii].
Anos 90 com FHC e anos 2000 com Lula: a CUT pelega e chapa branca
Entretanto, os anos de graça do classismo, da democracia e da CUT das lutas não durariam muito tempo. O principal obstáculo para isso se chamava “Articulação Sindical”, a tendência majoritária encabeçada por Lula, Olívio Dutra e Vicentinho, que era orientada pela Igreja Católica. Os que dirigiam a CUT eram os mesmos que dirigiam o PT, e ambas as ferramentas da classe trabalhadora brasileira, sucumbiriam quase ao mesmo tempo ao breve passado classista, democrático e de lutas. Bem antes, já haviam golpeado a democracia interna, diminuindo o critério para a eleição de delegados, a tal ponto de chegarmos ao III CONCUT com apenas 2.500 delegados contra os 5.500 do Congresso de Fundação. O próprio critério da proporcionalidade foi distorcido para favorecer o grupo majoritário, instituindo-se um teto de 10 a 20% para compor a direção da central. A queda do “Muro de Berlim” aceleraria mais ainda o giro de 360 graus dos dirigentes da CUT para a conciliação de classes.
Quando o governo burguês, neoliberal, encabeçado por Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu em 1995, os petroleiros fizeram a maior greve de todos os tempos, com a ocupação das refinarias, enfrentando a repressão do exército e a ilegalidade do STF. A posição da CUT e de Lula naquele momento foi de que os petroleiros suspendessem a greve para negociar com o neoliberal FHC. Quando o mesmo FHC propôs sua reforma da previdência para tirar direitos históricos dos trabalhadores, Vicentinho, presidente da CUT, aceitou negociar a reforma anti-povo.
A chegada de Lula e da frente popular ao governo no ano de 2002 seria a pá de cal que faltava para que a direção da CUT rasgasse a bandeira da independência política frente aos governos. Desde o primeiro momento foram a central “chapa branca” do governo Lula, a tal ponto de apoiarem e não fazerem nada contra a reforma da previdência do governo, que atingiu duramente os servidores públicos de todo o país. A direção da CUT avalizou todas as políticas do governo Lula contra a classe trabalhadora, inclusive a política econômica que privilegiava pagar os juros da dívida pública aos banqueiros. Foi da oposição ao governo que surgiram o PSOL, com os radicais em 2004 e a Conlutas, em 2005, uma central sindical classista.
A atuação da CUT ao longo dos governos Temer e Bolsonaro merece outro texto em edições futuras. No entanto, vale dizer que a resistência contra a Reforma da Previdência do governo Temer por meio de uma greve geral só ocorreu por uma pressão muito forte das bases, e que, durante o governo Bolsonaro, um governo nefasto de extrema-direita, a CUT ficou passiva, não organizou planos de lutas contra as medidas econômicas, de retiradas de direitos trabalhistas e de ataques às liberdades democráticas.
O fato é que, mesmo sendo a maior central sindical do país, os anos de imobilismo e atrelamento de sua direção aos governos Lula e Dilma, deixaram para trás todo o legado dos primeiros anos. Isso nos obriga a cada vez mais exigir da CUT que chame e organize a luta contra a retirada de direitos de nossa classe por parte do governo de Frente Ampla, de Lula e Alckmin. Nossa corrente sindical Combate, desde a CSP-CONLUTAS, defende a independência e luta contra a retirada de direitos e a conciliação de classes, como a luta contra o arcabouço fiscal de Lula/Haddad e a Reforma Tributária, que não ataca os ricos e o imoral pagamento dos juros da dívida pública aos banqueiros.