Bolívia: 60 anos da insurreição operária de 1952

Quando os mineiros e camponeses tiveram o poder em suas mãos. | La Protesta (Bolivia), tradução neide solimões

Para muitos na Bolívia trata-se de uma “festa” do MNR. No entanto, o MNR e seu principal dirigente Paz Estenssoro traíram a grande revolução operária e camponesa de 1952. Foram as milícias mineiras e operárias que derrotaram o exército de La Rosca, dominaram La Paz e iniciaram a grande revolução, cujos ensinamentos seguem presentes.

Incrivelmente o 60º aniversário de um dos fatos mais importantes da história boliviana, desde qualquer posição que o julgue, é quase ignorado. E os restos do MNR que o comemoram, tergiversam, tratando de atribuir-se o mérito das grandes mudanças ocorridas em 1952. Velhos mineiros, sobreviventes daquele período, o festejam na intimidade de sua casa.

Cremos que esta conspiração de silêncio não é, em absoluto, casual. Senão que mais bem responde à intenção de apagar da memória histórica uma das maiores datas revolucionárias operárias e camponesas da América Latina no Século XX. Por esse mesmo motivo, para La Protesta é uma necessidade se comemorar este grande fato já que necessitamos seus ensinamentos para o presente.

Bolívia em 1952

Em 1952, a população de Bolivia era cerca de 3100000 habitantes, dos quais 23% era população urbana. Quase 90% era analfabeta e sem direito a voto. A terra estava em mãos de uma pequena oligarquia e os indígenas reduzidos “al pongaje” (uma situação de quase escravidão).
Sobre uma estrutura económica atrasada e arcaica se desenvolvia uma das principais praças de produção de estanho do mundo. A indústria mineira boliviana se concentrava em três grandes companhias transnacionais, as de Simón Patiño, Guillermo Aramayo e Mauricio Hoschild, associadas à empresas ianques e inglesas.

As Teses de Pulacayo.

Em junho de 1946 se produziu o golpe militar que derrubou e assassinou a Villarroel, um militar nacionalista. O golpe foi dado por La Rosca com apoio do estalinismo (chamado PIR nesse momento). Mediante o pacto de Yalta, firmado no fim da guerra, Stalin havia acordado prorrogar a aliança mundial com o imperialismo norteamericano e britânico que se havía produzido na guerra contra Hitler na Europa. Por isso, para o PIR estalinista, o governo de Villarroel era “nazi-fascista” e La Rosca parte da “frente democrática”.

A traição do estalinista PIR de apoiar tanto o golpe de la Rosca como o posterior governo em que tiveram inclusive ministros, os fez perder toda influência sobre os trabalhadores mineiros, que eram os mais organizados. Ante o golpe, os trabalhadores mineiros que já tinham organizado seus sindicatos, fizeram um Congresso da Federação Mineira em novembro de 1946 e votaram as “Teses de Pulacayo”, nas quais declaram sua total independência política, sua oposição ao governo de La Rosca e um programa de transição para o socialismo e um governo dos trabalhadores. Pouco depois ganharam deputados mineiros nas eleições. Estes deputados mineiros, entre os quais estavam Juan Lechín e Guillermo Lora, utilizaram seu cargo para denunciar La Rosca e terminaram expulsos do Congreso.

Em 1951, ainda que só votavam os 10% que sabiam ler, ganhou as eleições presidenciais o MNR encabeçado por Víctor Paz Estenssoro. Nessa época o MNR tinha definições antiimperialistas, expressando um setor pequeno burguês. Por isso o regime de La Rosca dos magnatas mineiros, apoiado pelo exército, se negou a entregar-lhes o poder.

A insurreição derrota o exército

Porém essa ditadura militar durou pouco. O MNR tentava negociar com os militares, com Paz Estenssoro exilado em Buenos Aires. Siles Suazo conspirava desde La Paz. Por sua parte, Juan Lechín, dirigente mineiro pertencente ao mesmo partido que Siles, chamou os trabalhadores a levantar-se contra a ditadura. Assim, em poucas horas, detonou o ódio acumulado e tudo começou a mudar.

Em abril de 1952 explodiu uma insurreição popular encabeçada pelos mineiros. Os operários chegaram a La Paz, armados com dinamite. Assaltaram o arsenal central e a base aérea, conseguiram munições e resistiram ao bombardeio da cidade pelo exército. Um setor da polícia se juntou à insurreição. Em Oruro, os mineiros tomaram a Região Militar e a Prefeitura. Aos três dias, o exército tinha desmoronado ante o poder das milícias armadas, operárias e camponesas que se haviam organizado em sindicatos e já dominavam a cidade e o país.

A direção da COB entregou o poder a Paz Estenssoro

Os trabalhadores tinham as armas, tinham os sindicatos com um forte poder territorial e a COB em nível nacional e decidiam sobre o abastecimento de alimentos e o transporte. Se fundou a Central Obrera Boliviana. Seu principal dirigente era Juan Lechín, que compartilhava a direção com um o POR, que então respondia às posições de Ernest Mandel, (corrente internacional que hoje se denomina Secretariado Unificado). Estavam dadas todas as condições para que a COB assumisse formalmente o poder que de fato estava nas mãos das milícias operárias e camponesas e da COB. Porém sua direção optou pelo caminho oposto: convocaram a Paz Estenssoro, que voltou do exílio em 14 de abril, e lhe presentearam com a presidência.

A mobilização operária e camponesa seguía e pressionava sobre o governo. Se conseguiu a nacionalização de todas as minas. Os camponeses avançaram e ocuparam as fazendas no altiplano e os vales terminando com a “pongaje” e conseguindo recuperar as terras com a reforma agrária. Também se conquistou o voto universal, incluindo as maiorias indígenas e as mulheres.

Porém o MNR no poder imediatamente pactuou com a burguesia e o imperialismo. Integrou o governo, Lechín e alguns dirigentes da COB, porém a serviço de manter a propriedade privada e o regime econômico burguês capitalista. Assim, entregaram o petróleo que estava nacionalizado desde a década de trinta, aos ianques.

No Oriente do país o MNR repartiu a terra indígena entre seus dirigentes e amigos. Ainda que demoraram dez anos, conseguiram desarmar as milícias e, com assessoramento e armas ianques, recompor o exército burguês repressivo. Em 1964 um novo golpe militar impôs na presidência um general René Barrientos, encerrando assim um dos capítulos revolucionários mais importantes da história de Bolívia e de América Latina.

Os trabalhadores e os camponeses podiam governar.

A grande lição de 1952 é que os trabalhadores, camponeses e indígenas, encabeçando a COB e os sindicatos, podiam ter assumido o poder político (se a COB tivesse decidido não havía nenhuma força capaz de impedi-la) e fazer mudanças de fundo que já estava definido nas teses mineiras de Pulacayo: apoiando-se no já conquistado, expropriar o conjunto dos grandes capitalistas e fazendeiros e iniciar a construção de uma economia socialista, convocando aos trabalhadores latino-americanos a fazer o mesmo. Três anos antes havía triunfado uma revolução dos camponeses pobres na China, que havia expropriado os capitalistas e fazendeiros. O imperialismo estava intervindo na Coréia para frear a revolução asiática. Em um mundo convulsionado, a conquista do poder pela COB e uma revolução socialista na Bolívia haveria sido um poderoso impulso para uma revolução latino-americana, 7 anos antes da revolução cubana.

O caminho de pactuar com interesses capitalistas e transnacionais, levou à derrota. Juan Lechín e também a direção do POR e do PC de então, são responsáveis por haver chamado a classe trabalhadora e os camponeses a confiar em Paz Estenssoro em vez de assumir o poder com a COB.

Em 2003 a história se repetiu.

Em outras oportunidades se votaram a repetir circunstâncias parecidas na Bolívia. Em outubro de 2003, quando foi derrotado o Goni por uma insurreição popular, dirigentes da FEJUVE de El Alto reivindicaram a necessidade de conquistar o poder para o movimento operário, indígena, popular e camponês, com a COB, a FEJUVE e outras organizações. Porém, ficaram sós.
Havia enormes condições, pela divisão do exército e o poder popular nas ruas. No entanto, Evo Morales e o MAS, junto aos operadores do imperialismo e a burguesia conseguiram reunir o Congresso para eleger Carlos Mesa. Antes tiveram que pedir permissão à COB para que pudessem entrar os deputados e senadores.

Em 2005 um novo levante popular terminou com a queda de Carlos Mesa e tiveram que convocar eleições nas quais triunfou o MAS com 54% dos votos. Porém o MAS não ganhou o poder para o povo, mas de entrada pactuou com os patrões. Parece seguir as trilhas do MNR, pactua com os patrones e o imperialismo e reprime o povo que o levou ao poder.

La Protesta se constitui como organização revolucionária fundada por ex- dirigentes da FEJUVE, para lutar para que as organizações de trabalhadores, populares, camponesas e indígenas, tomem o poder político, organizadas de forma democrática desde suas bases, para conquistar uma Bolívia socialista.