Vozes Palestinas

Reprodução do artigo da página 8 do jornal Combate Socialista nº 175.

A voz da comunidade palestina no Brasil

Durante as manifestações e piquetes de nosso jornal, realizando ações em favor da causa palestina, conversamos com alguns integrantes dessa comunidade. Aqui abrimos as páginas de nosso jornal para que eles próprios digam o que pensam, sentem e sua voz seja escutada. Com a palavra, nossos amigos palestinos e palestinas.

“Tiveram que sair de Haifa em 1948 quando a tropa israelense invadiu a cidade.”

Olá. Eu sou de origem palestina. Meu pai nasceu em 1922 numa cidade pequena, perto da Haifa, e minha mãe nasceu 1925 em Akka, que significa “acre” em português. Eles se casaram e viveram na cidade de Haifa, que é uma das cidades mais bonitas da Palestina. Meu irmão mais velho nasceu em Haifa, em 1948. Mas tiveram que sair de lá com meu avô materno em 1948, quando a tropa israelense invadiu a cidade. Foram para Beirute, no Líbano, com a promessa do exército árabe de voltar para a casa deles em duas ou três semanas. Mas com a derrota do exército árabe e a situação difícil no Líbano, com muitos refugiados, depois de um ano, meu pai decidiu ir para Líbia, que oferecia uma moradia e ajuda financeira por um tempo limitado até poder trabalhar.  Naquela época, a Líbia tinha pouca população e, depois de um ano, minha mãe também foi para a Líbia seguindo meu pai. Eles nunca mais puderam voltar para a Palestina.

Muhamed

“O bombardeio é o pior filme de terror que você pode imaginar. Só que não é filme, é real.”

Eu nasci na Faixa de Gaza, na cidade de Rafah. Eu sou brasileira naturalizada. A cada tempo, eu vou lá visitar meus familiares. Minhas irmãs e meus irmãos ainda moram lá. O povo palestino é alegre, hospitaleiro. Gosta de viver em paz. A última vez que eu consegui ir lá, estourou a guerra. Foi em 2014. Eu fui visitar minha mãe e, depois que cheguei, teve bombardeio. Começam os aviões a mandar bomba de madrugada. Aí você acorda com gritos, choros, crianças, explosões, ambulâncias e o povo a correr. E quando amanhece, você sai na rua para ver. O bombardeio é o pior filme de terror que você pode imaginar. Só que não é filme, é real. Eu já vi pedaços de gente, misturados com fumaça, com cheiro de sangue, suor, gritos. Vi crianças pequenas sem membros, sem cabeça. Uma coisa horrível. Não tem como explicar ou descrever. E eu consegui, graças a Deus, voltar para o Brasil e manter ligação com minha família.

Eu reparei que o povo tem muita miséria. O jovem termina a faculdade e não tem um trabalho, não tem emprego. A expectativa para o futuro é pouca. É muito fechado, você não consegue sair para outros lugares. É muita pobreza, muito triste. E a cada ano que eu ia lá, notava que as coisas ficavam pior.

E eu notei mais uma coisa. A cada vez eles são mais patriotas, mais decididos a lutar pela liberdade. Porque querem viver igual a todo mundo. Os jovens de lá querem viver igual a qualquer jovem do mundo inteiro. Uma coisa eu também queria deixar: no mundo inteiro, no século XXI, todo mundo tem pátria, menos o povo palestino, cuja pátria vive dentro dele. Aonde ele vai, carrega a pátria no coração, porque ele tem familiares e tem história lá.

Se você tem humanidade, então, tem que apoiar o povo palestino. Não é porque são palestinos, mas porque são seres humanos. São crianças iguais as nossas crianças aqui; são mulheres iguais as mulheres de todo o mundo, que querem viver em paz, felizes e com futuro. Espero que tenha solução permanente para os palestinos. Não é só para “entrar ajuda humanitária”. É claro que precisam, porque agora eles estão tomando água do mar, água salgada. Espero que tenha uma solução definida e espero que o mundo inteiro trabalhe para isso. Nesse final, quero dizer somente: viva o povo palestino! Palestina livre e soberana, para sempre! Agradeço todo o apoio que o povo palestino está tendo. Tem que ser humano para apoiar o outro ser humano.

Mariam Abdul Aziz

“A manifestação também tem o caráter de solidariedade. Mostrar ao povo palestino que eles não estão sozinhos nessa luta.”

Saúdo a todos que estão me ouvindo com a saudação islâmica, que, traduzindo, significa: “que a paz, as bênçãos e a misericórdia de Deus estejam sobre todos”. Eu sou brasileiro nato, descendente de palestinos. Participei, na Cinelândia, de uma manifestação pró-Palestina. É importante destacar que esse tipo de manifestação, em prol desse nosso símbolo que é a Palestina, tem diversos pontos. O principal, talvez, é o da conscientização. Ela é uma forma de mostrar à população, que não tem acesso à informação completa ou tem acesso a um determinado tipo de informação, o que está acontecendo lá na Palestina. Como é a ocupação, todos os desafios de um povo que está vivendo a ocupação durante mais de 70 anos, que vive lutando por sua liberdade, sua soberania como país e contra o preconceito e o apartheid que acontecem na Palestina. E tentar trazer a atenção global para a situação que ocorre lá. Ainda mais nesse período em que está acontecendo um genocídio, o bombardeio de civis, com o intuito claro de limpeza étnica. Mais de 40 famílias já totalmente dizimadas, apagadas do mapa.

Além disso, é claro que a manifestação tem uma intenção de pressão sobre os nossos líderes, aqui no Brasil, que têm, sim, que se posicionar com relação ao que está acontecendo na Palestina. Porque algumas potências, como é o caso de Israel e dos Estados Unidos, se colocam superiores às leis internacionais, às leis do bem-estar do ser humano. Cometem crimes internacionais que não devem ser cometidos durante guerras, como bombardeios a hospitais, bombardeios a populações civis ou até mesmo impedir o acesso àquilo que é necessidade básica.

E não só isso: a manifestação também tem o caráter de solidariedade. Mostrar ao povo palestino que eles não estão sozinhos nessa luta, no que diz respeito a necessidades básico. Mostrar para as grandes potências que nós estamos vendo aquilo e que os palestinos não estão sozinhos. Se nós que somos seres humanos não lutarmos pelos direitos humanos, quem vai lutar por nós.

A manifestação serve para tentar conscientizar, mostrar o que realmente está acontecendo. A gente demonstra a cobertura da mídia sobre isso. Você vê que, quando iniciou o genocídio, quando iniciou o bombardeio em Israel, citava-se muito a questão do Hamas ser terrorista, de que Israel tem o direito de se defender… Só que, com o tempo, os horrores que estão acontecendo lá são tão grandes que até grandes mídias começam a desviar o assunto, começam a não falar mais nesse viés político e começam a demonstrar mais a verdade. Porque é isso que todo mundo está vendo. Eu espero que isso traga mais conscientização a todos aqueles que estão me ouvindo e que seja uma mensagem de paz, de luta para uma consciência maior em relação àquilo que é nosso direito, que não pode ser subjugado.

Salah Ahmad

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