Debate | Eleições são a saída para a crise?
Após meses de intensa disputa, o congresso votou o impeachment de Dilma. Nesse período, o debate sobre a saída para a crise se instaurou no país. Uma das alternativas avaliadas por vários setores foi a proposta de eleições presidenciais; proposta encampada pela REDE, pela Folha de São Paulo, New York Times e um grupo de 30 senadores de inúmeros partidos (PT, PMDB, PDT, PR, PP, PPS, PTB, PSB, PSD e Rede). Ou seja, um setor da burguesia e do imperialismo defendeu uma tática diferente do impeachment. A Folha de São Paulo, defendeu em editorial a proposta de que Dilma e Temer renunciassem e a realização de novas eleições presidenciais. Disseram que “Dada a gravidade excepcional desta crise, seria uma bênção que o poder retornasse logo ao povo a fim de que ele investisse alguém da legitimidade requerida para promover reformas estruturais e tirar o país da estagnação.” (Folha de São Paulo, 03/04/16). Isso ocorre porque uma eventual eleição presidencial poderia gerar um governo com menos rechaço popular que o impeachment. Ou seja, esse setor burguês avalia que poderia recompor alguma confiança no seu regime e seu governo para aplicar o ajuste fiscal e abafar os escândalos de corrupção. Uma proposta semelhante a essa de eleições presidenciais é feita pelo PCdoB por meio de um plebiscito.
E na esquerda, como está esse debate?
Após a saída de Dilma, o campo majoritário do PSOL (Unidade Socialista, RZ, bancada federal) passou a defender novas eleições presidenciais, caso Temer seja afastado, embora fique claro que seu eixo ainda é a luta contra “o golpe”. Postura semelhante à de outros grupos que integram a Frente Povo Sem Medo.
Porém, o que chama atenção é que a maior parte das organizações que integram o Espaço de Unidade e Ação, que realizou as manifestações classistas e combativas de abril e maio, também apresentem como saída uma proposta baseada no voto: as eleições gerais (presidente, deputados, senadores, governadores). O MES e o PSTU, encabeçaram essa proposta de eleições gerais, embora com argumentos diferentes. Consideramos errada a saída focada nas eleições e discordamos da proposta de eleições gerais apresentada pelos setores mais à esquerda. Achamos que é um debate importante no âmbito das organizações que compõe o espaço de unidade e ação e o bloco de esquerda do PSOL. Nós da CST não somos contra eleições por princípio, ao contrario, participamos delas para apresentar nossas propostas. Porém, achamos um erro buscar um caminho institucional ao invés de tentar construir uma proposta focada na ação direta em meio a uma das maiores crise da republica de 1988.
É importante também ressaltar que por mais que tenha diferença entre os que defendem novas eleições presidenciais e eleições gerais, acreditamos que é uma diferença quantitativa e não qualitativa. Essencialmente são duas propostas por dentro do atual regime e que, frente a grandes acontecimentos e mobilizações, servirão apenas para salvá-lo e relegitimá-lo.
Um governo e um regime odiados pelas massas
Antes de tudo, é preciso analisar a situação do governo e do regime político no qual estamos inseridos. A crise do país mostrou para milhões de trabalhadores e jovens a falência do projeto implementado pelo PT nos últimos 13 anos. O brutal ajuste fiscal, que vem destruindo os serviços públicos e gerou a trágica cifra de 11 milhões de desempregados, foi encabeçado por Dilma, contou com o apoio decisivo de Lula e a subserviência das grandes centrais sindicais e movimentos sociais tradicionais.
Esse foi o pano de fundo da crise do governo e explica porque a ampla maioria da população apoiou a saída de Dilma. Portanto, ocorreu uma ruptura de milhões de trabalhadores com o projeto conservador do PT, o que é muito positivo. É o que explica o sentimento difuso, contra tudo e contra todos, que existe nas ruas do país desde as jornadas de junho e atinge o PT, Temer, Cunha, Renan, Aecio. Não por acaso Temer assume o governo já desgastado também, com a maioria da população não acreditando que seu projeto vai melhorar a vida.
O processo de impeachment, comandado por políticos corruptos e reacionários, ajudou a desgastar mais o congresso nacional e essa falsa democracia burguesa, onde quem manda são as empreiteiras, os fazendeiros e bancos. O regime político brasileiro também é visto com enorme desconfiança e repudio aos olhos de milhões de brasileiros. Em pesquisa do IBOPE, publicada em abril, apenas 14% se declararam “satisfeitos” com a democracia no Brasil. Enquanto isso, 49% se declararam “nada satisfeitos” e 34% “pouco satisfeitos”. Ou seja, há um imenso desgaste da democracia burguesa no Brasil nos últimos anos. Ao não conseguir dar estabilidade a própria crise política e econômica, os políticos burgueses e sua democracia são cada vez mais rechaçados por amplas parcelas da população.
Um debate com os companheiros do MES
A proposta de eleições gerais, por mais que aparente ser o mais democrática, não é. Por dentro de um regime político comandado pelo poder econômico das grandes empresas não há democracia para os de baixo. Só vermos quem financia a quase totalidade dos deputados e senadores que veremos que o jogo eleitoral não tem nada de democrático. As grandes empresas compram políticos, que uma vez eleitos não defendem os interesses do povo, mas os seus e de seus financiadores de campanha.
Luciana Genro afirma que “Através de novas eleições o povo poderá expressar seu descontentamento de forma direta, sem a intermediação de políticos e partidos golpistas…” (dezembro de 2015). Mais recentemente o secretariado nacional do MES declara que “O único cenário que permitiria garantir oxigênio para a política e que não seria o jogo controlado por elites, é o das eleições gerais… seria um caminho novo, que colocaria um pouco mais perto do povo a decisão de quais escolhas devem ser feitas” (abril de 2016). Não temos acordo que nas eleições o povo expressa seu descontentamento de forma direta. Há uma série de mediações, nas quais o poder econômico assume um papel preponderante. Discordamos que a verdadeira soberania popular se expresse nas eleições dessa falsa democracia.
O “único cenário” que permitira uma saída positiva é a mobilização nas ruas para tirar todos que comandam o país. Pegando dois exemplos recentes na história do Brasil, convidamos os companheiros à reflexão: o que foi mais democrático para o povo expressar seu descontentamento, as Jornadas de Junho de 2013 ou as eleições de 2014? Nós opinamos que as jornadas de junho. Ali o descontentamento com o péssimo transporte oferecido pelas empresas, com a roubalheira que foi a construção dos estádios da copa em detrimento da construção de hospitais e escolas, etc. conseguiu derrubar as tarifas. Nas eleições por sua vez, o povo sofreu um gigantesco estelionato eleitoral que terminou nisso que ai está.
Os companheiros da direção do MES assumiram uma proposta errada que não aposta na mobilização popular. Na mesma nota que citamos acima, Luciana Genro coloca: “que a derrota do impeachment seja acompanhada pelo governo Dilma assumindo a responsabilidade de propor que as eleições municipais de 2016 se transformem em eleições gerais para renovar todos os parlamentos e o poder executivo.”. Política que é recorrente nas notas posteriores. Além disso, centram no apoio a lava jato, sem nada falar contra Moro. Ou seja, não deram bola para a mobilização, acreditaram na lava jato e colocaram nas mãos do governo Dilma a iniciativa das eleições gerais. Como o eixo não foi a mobilização, essa linha foi coerente pois as eleições gerais só poderiam sair, pela via institucional, através de um projeto de lei no congresso nacional ou uma decisão da justiça, no TSE.
Um debate com a proposta do PSTU
A direção do PSTU defende o Fora todos e as eleições gerais com novas regras, ou seja, um processo eleitoral radicalmente diferente do atual. Os companheiros são coerentes com isso e defendem que é preciso se mobilizar para conquistar essa pauta. Sabem que o presidente, o congresso e os governadores só serão derrubados se existir uma gigantesca mobilização de massas no Brasil. O PSTU vai a fundo nessa política quando propõe uma Greve Geral com eixo no Fora Todos e agrega como saída as novas eleições.
Porém, o que não conseguem explicar é como chamam o povo a fazer uma greve geral para derrubar o governo e o regime e ao mesmo tempo propõe uma bandeira por dentro do atual sistema político. Se ocorrer uma greve geral ou uma gigantesca mobilização popular não vemos motivo para um partido trotskista defender eleições gerais. A contradição é tanta que os textos do PSTU sempre falam de um governo dos trabalhadores com conselhos populares, ou seja um governo soviético, coisa que só se conquista pela via revolucionária. Então ou a saída é a urna e as instituições burguesas ou é a greve geral e uma insurreição por um novo governo e novas instituições. Essa diferença global de estratégia pode ser conciliada no papel, colocando cada proposta num parágrafo distinto, porém ela não tem como ser conciliada na vida real, na intervenção cotidiana de um partido revolucionário.
A política de eleições gerais levaria a reerguer o atual regime. Imaginem se agora contra o Governo Temer, frente a um duríssimo ataque, trabalhadores efetivem uma greve geral acompanhada de mobilizações de massa iguais ou maiores que as de junho de 2013, derrubando Temer e por tabela, questionando todo o resto: Aécio, Renan, Cunha, Serra, Lula e Dilma. Apontar que a saída dessa greve tão importante seja novas eleições seria um erro cabal, comprovando o que falamos. E essa hipótese está colocada como perspectiva.
Qual a saída que a esquerda deve apontar?
Em primeiro lugar, queremos colocar que para apontar uma saída do ponto de vista do povo trabalhador é preciso uma jornada de luta superior às Jornadas de Junho ou greves radicalizadas como as de 2014. Para esse caminho, está colocada a necessidade de afirmar a construção de um terceiro campo político no Brasil, que não esteja nem alinhado ao atual governo Temer e sua turma de bandidos, nem com o PT que quer voltar ao poder para aplicar o mesmo ajuste fiscal. Por isso, defendemos a necessidade de um polo efetivo da oposição de esquerda que aposte nas lutas que estão acontecendo, proposta que defendemos no espaço de unidade de ação e no bloco de esquerda do PSOL. Defendemos a realização de uma plenária sindical, popular e estudantil para discutir coletivamente uma saída operaria e popular para a crise.
Para construir uma “saída pela esquerda” precisamos colocar pra Fora Temer e todos os principais políticos do atual regime (Renan e Cunha (PMDB), Serra e Aécio (PSDB) e Dilma e Lula (PT). Achamos que os problemas de fundo de nossa classe somente serão resolvidos com um Governo da Esquerda, dos trabalhadores e do povo, que aplique um plano econômico alternativo que tenha como primeira medida suspenda o pagamento da dívida pública. Assim teremos recursos para investir em saúde e educação e transporte publico, para reconstruir as estatais e coloca-las sob controle dos trabalhadores, para realizar um plano de obras públicas contemplando moradia popular, dentre outras medidas. O trágico fim do Syriza na Grécia, que de um partido que se dizia de “extrema-esquerda” e passou em poucos meses a uma capitulação à austeridade da troika, mostra que combater a dívida é o “nó da questão”. Além disso, há saídas que devemos apontar contra o atual regime político e suas instituições capitalistas, como a Assembleia Nacional Constituinte para reorganizar o país a serviço dos trabalhadores e do povo, com medidas anticapitalistas.
Executivo Nacional da CST-PSOL