Sobre a grave crise instalada no nosso país
Na última sexta-feira, 18 de março, ocorreu o ato encabeçado por Lula e o PT e pelos defensores do governo Dilma. Teve como objetivo central a garantia da governabilidade da presidente. Apesar disso, o discurso central dos governistas para ampliar a participação no ato foi a “defesa da democracia” e a “luta contra o golpe”, temas que trataremos
mais adiante.
Os dados apontam que cerca de 400 mil pessoas saíram às ruas em todo país, com destaque para quase 100 mil pessoas em São Paulo, ato onde Lula discursou. Apesar de dar certa demonstração de força em cidades importantes como o Rio de Janeiro e Porto Alegre, os atos não revertem a crise do governo Dilma. Obviamente também que os atos governistas foram incomparáveis às manifestações do domingo (13), que levaram cerca 3 milhões às ruas contra o governo, mas que infelizmente foram convocados por movimentos à direita como MBL e Vem pra Rua que capitalizaram uma pequena parcela.
Há um golpe em curso no Brasil?
O discurso dos defensores de Dilma, sobretudo após a condução coercitiva de Lula e do vazamento das conversas telefônicas entre o ex-presidente e Dilma, é de que estamos frente a um “golpe” contra o governo e uma categórica ameaça à “democracia”. Alguns exageram tanto na reprodução deste discurso que dizem que o Brasil vive um período similar ao que desencadeou o golpe militar de 1964.
Isto se dá porque politicamente o governo é indefensável, e a única saída para que mais gente além dos militantes petistas de sempre fossem às ruas era que acreditassem que estamos frente a uma “ameaça à democracia”. Reconhecemos que em um setor da intelectualidade e da juventude universitária esse discurso teve certa audiência e levou mais gente aos atos governistas. Porém, não acreditamos nessa tese.
Os defensores da tese do “golpe” deveriam dizer se realmente acreditam que a queda de Dilma impossibilitaria as eleições de 2016. Se as direções de DCE’s, CA’s e Grêmios Estudantis seriam destituídas, cassadas e presas. Centenas de parlamentares seriam cassados? Os partidos políticos em sua ampla maioria teriam que passar à clandestinidade? Os exemplos podem ser muitos. Mas o que está claro é que a mentira contada pelos governistas de que estamos à beira de um “golpe”, um “pré-64” não se sustenta pela realidade. Medidas repressivas e antidemocráticas são aplicadas sistematicamente pelo governo Dilma que agora, acuado, se lembra da democracia. Basta lembrar a lei “anti terrorista”, que foi proposto pelo próprio Governo petista, após a Jornada de Junho, com o objetivo de criminalizar os lutadores sociais, e acaba de ser aprovada pelo Congresso corrupto e sancionada por Dilma.
Há ainda um setor que diz que estamos frente a um “golpe” midiático e institucional, pois o impeachment não tem base jurídica. Quem encabeçaria este “golpe” seria a mídia e o próprio Judiciário na pessoa do juiz Sérgio Moro. Isso expressa, por exemplo, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Ainda que até juridicamente é bastante contestável essa tese. O que esse setor não discute é se um governo rejeitado pela maioria da população deve seguir à frente do país. Esse discurso esconde de fato uma política lastimável de “Fica Dilma”, sem considerar politicamente o estelionato eleitoral cometido e também as fontes de financiamento eleitoral de Dilma, que são em sua maioria empresas envolvidas em corrupção. Ou seja, o povo trabalhador tem todo o direito de eleger e de destituir qualquer governo eleito, que não cumpra com os reais compromissos com a maioria da população. Por isso o povo, através de suas mobilizações nas ruas, tem toda LEGITIMIDADE para colocar para fora da presidência da República a Dilma ou qualquer outro governante. De nossa parte, rejeitamos categoricamente esse impeachment, não pelas bases jurídicas, mas porque não aceitamos que essa corja de bandidos que compõem o congresso nacional, capitaneados pelo corrupto mor Eduardo Cunha e por Renan Calheiros, tenha alguma moral para julgar ninguém!
Alguns ainda dizem que estamos em um golpe “à paraguaia”, se referindo à destituição do presidente Lugo em 2012. Também essa alternativa não se sustenta, pois o que primou para destituir o ex-presidente paraguaio foi uma ampla unidade burguesa dos principais partidos do país (Colorado e Liberal) e do judiciário. Mesmo assim, Lugo nunca se colocou como vítima de um golpe. Hoje não vemos nenhuma saída que unifique da mesma forma a ampla maioria da burguesia facilmente em torno de um governo pós-Dilma. Pelo contrário, as crises e divergências quanto à saída, são parte fundamental da situação e também da explicação de porque Dilma ainda se mantém.
O que há na realidade são setores burgueses que deram toda sustentabilidade aos governos do PT nos últimos anos e agora, frente à rejeição do governo Dilma, estão de fato “abandonando o barco”. Lembremos que há um ano a própria FIESP lançou nota contra o impeachment. O Globo fez um editorial no mesmo sentido. O que existe é que parcelas cada vez maiores da burguesia não acreditam que esse governo seja capaz de aplicar a fundo todas as medidas de ataque que são “necessárias” para recuperar a estabilidade burguesa no Brasil, então rompem com o governo e apoiam o impeachment.
De nossa parte, afirmamos claramente que esse relato criado pelo governismo é uma mentira para tentar garantir a sua estabilidade cujo objetivo central é continuar aplicando um duríssimo plano de austeridade além obviamente a manutenção dos privilégios que o PT e seus aliados têm no poder.
Três exemplos da história recente do Brasil
Para ilustrar o que estamos dizendo queremos dar três exemplos da história recente: o impeachment de Collor, o pedido de impeachment do PT contra FHC em 1999 e a crise do mensalão no primeiro governo Lula. Collor sofreu um impeachment em 1992 com o apoio da Rede Globo, Veja e obviamente muita pressão nas ruas. Por que isso ocorreu sendo que Collor nunca foi de esquerda como é o caso do que um dia foi o PT? Centralmente a burguesia abandonou o governo Collor à época não porque era um governo comprovadamente corrupto, mas centralmente porque era incapaz de aplicar os planos que os capitalistas necessitavam, pois não tinha mais nenhum apoio popular. Há que agregar que esse descontentamento popular foi expresso nas multitudinárias marchas pelo Fora Collor, encabeçadas pela juventude, que aceleraram ainda mais a
queda do governo.
Em 1999 após a primeira forte crise do Plano Real que passou por uma abrupta desvalorização, a popularidade do governo FHC caiu junto. FHC era aprovado apenas por 13% da população no auge da sua crise. Ou seja, não está muito melhor que Dilma hoje. Qual foi a política do PT? Pediu um impeachment. Os argumentos em sua maioria eram acerca de um “estelionato eleitoral” dizendo que FHC mentiu pro povo brasileiro para ganhar as eleições de 1998, e acusavam o ex-presidente tucano de tentar impedir as investigações do Ministério Público Federal em curso. O então Deputado Milton Temer, que hoje no PSOL tem defendido a
tese do “golpe” e esteve no ato do dia 18, naquela época foi um dos que encabeçou e fez ótimos e inflamados discursos pelo impeachment de FHC. As contradições não param por aí. Em 99, o deputado Aécio Neves acusava o PT de não aceitar o resultado das eleições. Se referindo aos parlamentares do PT pro impeachment, o tucano dizia: “não aceitam a deliberação majoritária da sociedade brasileira”. Ou seja, os tucanos na época falavam que era “Golpe”, o mesmo argumento usado hoje pelos
petistas.
Lula, em 2005, gozava de amplo apoio popular quando estourou o escândalo do mensalão que atingiu membros da cúpula do governo. Na época, Dirceu, Palocci e Genuíno foram condenados, mas o presidente Lula foi descaradamente blindado. Em entrevista amena e tranquila no Fantástico pediu “desculpas”, disse que “não sabia de nada” e a Globo
deixou por isso mesmo. Ou seja, Lula ainda podia ser muito útil e de fato foi.
A conclusão é simples, Collor perdeu o apoio de setores expressivos da burguesia não porque era “de esquerda” nem nada do tipo, caiu porque não servia mais para aplicar os ataques “necessários”. Em 99, um ano após FHC vencer as eleições, o PT argumentava na sua luta política pelo impeachment do ex-presidente tucano, muita coisa parecida que hoje acusa de “golpe”. FHC não caiu, a governabilidade burguesa se manteve ainda que com bastante crise, mas é importante analisarmos o que dizia o PT quando estava na oposição. Com certeza os deputados do PT daquela época, hoje seriam acusados pelos governos do PT como “golpistas”. Já Lula não caiu em 2005 porque, apesar de quase ninguém acreditar que ele “não sabia”, na esteira de uma situação econômica bem mais favorável que a de hoje, teve capacidade de manter uma relativa estabilidade burguesa que permitiu, por exemplo , que ele mesmo reconhecesse que durante o seu governo, os banqueiros lucraram “como nunca antes visto”.
O que Lula não falou no dia 18
Lula escondeu seus reais objetivos no dia 18. Por trás do discurso “em defesa da democracia” estão mais uma vez seus mais espúrios interesses. Temos que nos perguntar, ainda que seja uma probabilidade minoritária, caso o PT se mantenha no governo e derrote o impeachment, o que podemos esperar desse governo?
A primeira amostra a acaba de dar: um dia antes de seu partido chamar uma manifestação em “defesa da democracia”, se une ao congresso corrupto que prepara seu impedimento para aprovar uma “lei anti terrorista” que vai criminalizar ainda mais as lutas e as
mobilizações. Sem dúvidas duros ataques contra a classe trabalhadora estão por vir pelas mãos de Lula e Dilma, caso se mantenham no governo. Uma Reforma da Previdência de cunho neoliberal, que inclusive Dilma já anunciou. Pacto com os governadores que busca renegociar a dívida dos estados, em troca de um brutal ataque aos servidores estaduais. Cortes ainda mais violentos na área da saúde e da educação, que com certeza serão enormemente sacrificadas pelo PT. Para a Petrobras e as demais estatais, podemos esperar mais privatização, a entrega de fatias cada vez maiores nas mãos do capital privado, como indica o projeto do Senador tucano José Serra em relação ao pre-sal apoiado pela presidente petista. Além disso, cortes de direitos trabalhistas, como foi a medida que diminuiu o acesso ao Seguro Desemprego. Temos grandes chances de ver novamente os petistas mandando a Força de Segurança Nacional reprimir greves e manifestações e o exército ocupar mais favelas como no caso da Maré. E para a “mídia golpista”, o que devemos esperar? Mais dinheiro ainda do que já se vem dando. Nos governos do PT a Rede Globo recebeu nada menos que R$6,2 bilhões. Já a revista Veja R$700 milhões. Essa foi a política do PT nos últimos 13 anos, nada de democratização da mídia, pelo contrário, fortalecimento de monopólios midiáticos reacionários que sempre defenderam interesses da burguesia. Ou seja, todas as medidas que irão aprofundar o projeto conservador que o PT aplica no
país.
O gravíssimo erro dos dirigentes do PSOL que foram ao ato
Infelizmente alguns parlamentares e figuras públicas do PSOL foram ao ato cumprindo objetivamente um papel de linha auxiliar do PT. O erro de Freixo, Tarcísio, Glauber, Brizola e de todos que foram ou apoiaram o ato, como Ivan Valente, Jean Willys e Chico Alencar , os coloca num beco sem saída ao lado dos governistas. Vão na contramão da alternativa que precisamos construir. A ida desses parlamentares ao ato governista legitimou todo o discurso mentiroso de um suposto golpe, usado pelo governo neoliberal e corrupto do PT, de Dilma e de Lula. Vale citar que a ida dos parlamentares ao ato em defesa deste governo corrupto e do amigo das empreiteiras, Lula, não foi debatido nas instâncias partidárias.
Além do mais, se estes parlamentares e dirigentes do partido acreditam firmemente que existe tentativa de golpe e que está em risco esta limitada democracia, o que seria uma coisa de extrema gravidade, por que não chamaram o partido a debater para convencê-lo a participar massivamente nos atos com faixas e bandeiras do partido? Tarcísio Motta é o Presidente do PSOL-RJ, qual foi sua política para que o partido participe com todas suas forças contra o golpismo? Se de verdade era isso o que eles achavam, não atuaram como verdadeiros dirigentes, pois nem convocaram nem debateram com a militância, a mesma militância que convocam na hora de fazer campanha eleitoral.
Foram sozinhos, caladinhos, sem sequer dar publicidade nas redes. Definitivamente, eles defendem a Dilma, Lula e o PT porque os veem como um mal menor, os veem mais progressivos que os tucanos, por isso a maioria desses parlamentares votaram na Dilma no segundo turno, contra uma suposta volta dos tucanos. O centro desses parlamentares e dirigentes é que ao não apostarem na mobilização independente do movimento de mssas e na construção de um terceiro campo alternativo ao petismo. Buscam salvar o PT de sua crise terminal, além disso escondem também um objetivo essencialmente eleitoral com o PT das empreiteiras, que no caso do Rio de Janeiro está numa completa crise e desmoralizado depois de mais de uma década colado ao PMDB de Sérgio Cabral, Pezão e Eduardo Paes.
O papel do Freixo e de todos esses parlamentares e dirigentes deveria ser chamar a todos os que foram no dia 13 que querem colocar Dilma para fora a não confiarem nos tucanos e também a todos os que foram no dia 18 , enganados pelo governo com o discurso do golpe, a não confiarem no PT. E chamar a todos essas a construir um terceiro campo alternativo aos PT e PSDB, vinculado às lutas e mobilizações. Por essa razão, além de denunciarmos essa política de linha auxiliar do PT, nossa corrente está defendendo que se chamem imediatamente plenárias em todas as cidades do país onde o PSOL existe para debater a crise política e as saídas para o país.
O papel do judiciário e do juiz Sérgio Moro
Há um importante debate em curso. Muitos manifestantes do dia 13 colocaram o Juiz Sérgio Moro como um herói nacional. Setores da grande mídia vão no mesmo sentido. Já no dia 18 ocorreu o contrário. Moro foi tratado como um dos principais articuladores do “golpe contra a democracia”.
Não achamos que nenhuma dessas versões corresponde à realidade. Em meio à imensa crise de representatividade das instituições do regime democrático burguês no Brasil, surge a Lava-Jato. Com qual objetivo central? Salvar a imagem de instituições corruptamente cada vez mais desgastadas aos olhos da população. Por isso que se metem atrás das grades alguns grandes empresários e políticos. Para dar a impressão de que o país tomará um caminho mais justo e quem sabe até sem corrupção. Mas isso não é verdade. Moro e este Judiciário elitista não irão acabar com a corrupção. Nem é esse o seu interesse. Não à toa, existe toda essa benevolência do próprio Moro com a corrupção dos tucanos.
Não temos nenhuma confiança neste Judiciário. Exigimos desde as ruas que se investigue e puna todos os corruptos e corruptores de forma exemplar. Sabemos que a pressão mobilização independente dos trabalhadores é a única possibilidade o fundamental para isso acontecer.
Fortalecer o ato do dia 1 de abril e a construção de um terceiro campo político alternativo aos tucanos e petistas
Este é um grande desafio que temos pela frente. Dia 1 de abril serão realizados atos em diversos estados onde teremos que debater as diferentes propostas para encontrar uma saída da classe trabalhadora para a crise do país. Estamos participando em todos os estados onde atuamos das Plenárias do Espaço de Unidade de Ação e debatendo nossa alternativa. Nosso objetivo para o momento atual do país é a derrota nas ruas deste governo e seus planos de ajuste e repressão. Um governo que está até o pescoço evolvido corrupção não tem legitimidade para continuar. É preciso esse governo e todos os políticos corruptos, tirá-los do poder desde as mobilizações nas ruas. Por isso, no dia 1 de abril levantaremos o Fora Dilma, Temer, Cunha, Renan, Aécio! Fora todos! Porque derrotar todos eles é um grande passo necessário para abrimos espaço na construção e fortalecimento de uma alternativa verdadeiramente de esquerda que influencie os rumos do país.
Executivo Nacional da CST – PSOL