Hugo Blanco, até o socialismo sempre!

Escreve Adolfo Santos, dirigente da Izquierda Socialista/FIT Unidad – UIT-QI

Aos 88 anos, cercado por sua família, morreu no dia 25 de junho na Suécia Ángel Hugo Blanco Galdós, mais conhecido como Hugo Blanco. Sua saúde piorou muito no último ano. Hugo Blanco foi, desde a década de 1960, o líder camponês de maior destaque na América Latina. Seguiu tão fiel às suas bandeiras de luta que permaneceu morando em Cusco, no Peru, e sendo membro do sindicato camponês local até alguns meses atrás, quando foi transferido para a Suécia para melhor atendimento médico. Com ele perdemos um exemplo de lutador revolucionário anticapitalista, que teve uma ação militante reconhecida para além do Peru.

Ele começou sua luta muito jovem. Em 1957, como estudante universitário na cidade de La Plata, Argentina, ingressou na corrente trotskista liderada por Nahuel Moreno. Desde então, sua luta não cessou. Até seus últimos dias, continuou como dirigente da federação camponesa de Cusco. Foi precisamente nessa região, onde nasceu, que em 1959, orientado pela corrente morenista, se juntou aos camponeses dos vales de La Convención e Lares e às expropriações de terras contra os latifundiários. Nesta luta, Hugo Blanco se tornou gradualmente um líder camponês indiscutível, promovendo não apenas a expropriação de terras, mas também uma organização sindical de massas.

Foi uma das mais importantes lutas camponesas do nosso continente, que conquistou importantes avanços para a reforma agrária. Por isso mesmo, enfrentou uma violência brutal por parte dos grandes proprietários de terras. Hugo Blanco se tornou, além de um grande dirigente trotskista de massas, num perseguido político. A influência da Revolução Cubana e de sua tática foquista estava no auge. Isso não só permitiu ao governo peruano acusar Hugo Blanco de ser um guerrilheiro. Fez com que, ao mesmo tempo, um setor do partido peruano passasse a defender tal teoria, contra a insistência de Nahuel Moreno de desenvolver o processo, vinculado à luta camponesa e construindo o partido revolucionário para unir essa luta com as áreas urbanas. (Veja “Perú: dos estrategias”, Nahuel Moreno*, Ed CEHuS. Disponível em nahuelmoreno.org)

Nesse contexto, em 1963, o governo peruano mandou Hugo Blanco para a prisão com falsas acusações, pelas quais foi condenado à morte. Porém, uma grande campanha mundial envolvendo artistas, dirigentes sindicais, políticos e intelectuais da época conseguiu salvar sua vida. Dessa campanha, resgatamos a mensagem de Jean Paul Sartre, de 28 de novembro de 1966, num ato contra a Guerra do Vietnã, em Paris: “No Peru, o ex-estudante e grande líder camponês Hugo Blanco corre o risco de ser fuzilado […] Seu crime: ter sindicalizado camponeses pela primeira vez na região rural mais miserável do país. […] eles começaram a recuperar suas terras dos latifundiários, que tinham se apropriado delas […] Hugo Blanco não merece morrer”. Essa campanha global forçou o governo peruano a comutar a pena de morte para 25 anos de prisão.

Em 1970, por meio de uma anistia do governo militar de Velazco Alvarado, foi solto e deportado para o México. Nesse ano foi publicado seu livro “Tierra o Muerte” [Terra ou Morte], traduzido para vários idiomas. Nesse livro ele se refere a Nahuel Moreno nos seguintes termos: “foi no partido trotskista argentino, que tinha como principal dirigente Nahuel Moreno, que recebi minha formação marxista”. E mais adiante, ao referir-se ao desvio guerrilheirista que quase destruiu o partido peruano (a Frente de Izquierda Revolucionario), Hugo Blanco destacou: “O mérito de ter reagido primeiro contra este desvio e de ter iniciado uma luta séria contra ele pertence ao camarada Nahuel Moreno, principal teórico do trotskismo latino-americano”.

Em 1972, viajou para a Argentina. Lá, o governo militar de Lanusse o deteve e o deportou para o Chile. Permaneceu no país até o golpe de Pinochet, quando se refugiou na Suécia. Em 1976, após grandes protestos populares contra o governo militar de Morales Bermúdez, Blanco voltou ao Peru e se candidatou à Assembléia Constituinte pela Frente Obrero Campesino Estudiantil y Popular (FOCEP) [Frente Operária, Camponesa, Estudantil e Popular], juntando-se a um grupo de antigos camaradas, incluindo Enrique Fernández Chacón, então integrantes do PST. Hoje, Fernández Chacón é dirigente do PT-Unios, seção da UIT-QI no Peru. Essa relação de camaradagem, que durou até seus últimos dias, os levou a editar juntos o jornal Lucha Indígena. Naquela eleição, Hugo Blanco foi o constituinte mais votado e se tornou uma referência para a esquerda peruana. Com o grande desempenho da FOCEP, foram eleitos como deputados à Assembleia Constituinte, entre 1978 e 1980, junto com Hugo Blanco, o dirigente operário Enrique Fernández Chacón e Ricardo Napurí (POMR), entre outros. Blanco foi deputado nacional no período de 1980-1985 e senador em 1990-92.

Sem dúvida, Hugo Blanco foi uma figura política mundial e, em muitos aspectos, se tornou uma lenda. Não é por acaso que importantes autores, independentemente de sua posição política, têm ecoado sua luta. O historiador inglês Eric Hobsbawm, por exemplo, em seu livro “Rebeldes Primitivos”, dedicou um capítulo às suas lutas camponesas. Sua vida também foi registrada em documentários cinematográficos, como “Hugo Blanco, rio profundo”, de Malena Martínez, que chegou a ser censurado em seu país. Em 2003, o próprio Blanco dedicou outro livro à sua experiência indígena e camponesa: “Nosotros los indios” [Nós, os índios].

Como disse muito bem o camarada Enrique Fernández Chacón, ao promover uma campanha de solidariedade para ajudar seu amigo a enfrentar a doença que o afligia: “as vicissitudes da política nos afastaram, mas nunca impediram nossa união por mais de 50 anos”. A partir da década de 1980, Blanco se afastou de nossa corrente e, com o tempo, se voltou para o indigenismo e simpatizou com o zapatismo e com o horizontalismo. Mas sempre reivindicou a importância de Nahuel Moreno em sua formação. Distanciado de nossa corrente, quando Moreno faleceu, em janeiro de 1987, Hugo Blanco enviou a seguinte mensagem: “Foi com grande surpresa e dor que soube hoje da morte do camarada Nahuel. Reconheço nele meu maior mestre de marxismo. E sempre o reconheci como tal, apesar das vicissitudes da luta revolucionária terem separado nossos caminhos anos atrás. A América Latina perdeu um lutador incansável e inteligente combatente pela revolução. Quando chegarmos à vitória, um dos nomes lembrados pelo futuro será, sem dúvida, o de Nahuel Moreno”.

E, por ocasião da apresentação do livro “Peru: dos estrategias”, em 2015, enviou uma longa saudação, da qual destacamos: […] O fundador do Exército Vermelho, respeitado por Nahuel e por mim, assinalou: “É necessário armar o povo com a necessidade de se armar.” Ao aplicar este ensinamento, não nos entusiasmamos com a luta armada. […] Sou um revolucionário e meu objetivo final é a revolução anticapitalista, mas não fui eu quem determinou os objetivos da autodefesa, que eram defender o campesinato que fazia a reforma agrária. Por isso, nossa lema não era “Revolução ou Morte!”, mas simplesmente “Terra ou Morte!”. E nós o cumprimos, conquistamos a terra. […] Não acredito em líderes ou caudilhos. Acredito na ação coletiva. É isso que Nahuel defende em seu livro”. O mesmo reconhecimento está registrado no documentário (da UIT-QI de 2017) sobre Nahuel Moreno: “Una vida, infinitas luchas” [Uma vida, infinitas lutas]. Disponível em nahuelmoreno.org.

Hugo Blanco foi um lutador revolucionário, anticapitalista e anti-imperialista, por toda a vida. Diante desta perda irreparável, enviamos um fraterno e solidário abraço à sua família, que cuidou dele até seus últimos dias. Nós, da Izquierda Socialista/FIT Unidad e da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI), dizemos: Hugo Blanco, até o socialismo sempre!

*Nota: Este livro contém o artigo do historiador Hernán Camarero: “Hugo Blanco e a revolta camponesa na região de Cusco (1961-1963)”, publicado na Revista Periferias. Revista de Ciências Sociais nº 8.

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