Maria Lucia Fatorrelli: “o ‘arcabouço fiscal’ segue a mesma lógica do teto de gastos da Emenda Constitucional 95/2016”

Para saber mais sobre o projeto de lei denominado “arcabouço fiscal” nosso jornal entrevistou Maria Lucia Fatorrelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida. Boa leitura!

 

Combate Socialista: Qual a sua opinião sobre o arcabouço fiscal?

Maria Lucia Fatorrelli: Na minha opinião, o denominado “arcabouço fiscal” é um projeto que aponta no sentido contrário ao que o Brasil precisa. Diante do desmonte que sofremos nos últimos anos, precisaríamos de investimentos massivos para recuperar o imenso atraso socioeconômico em que nos encontramos.

Mas o PLP 93/2023, que trata do “arcabouço fiscal”, faz o inverso, pois estabelece teto para os gastos e investimentos do governo com as despesas primárias, que correspondem aos serviços prestados à população (saúde, educação, previdência, assistência social etc.) e com a manutenção da estrutura do Estado, colocando essas áreas para disputar recursos entre si, porque a totalidade desses gastos terá que caber dentro do teto estabelecido. Por outro lado, o projeto deixa livre, sem teto ou controle algum os gastos financeiros que precisariam ser controlados, correspondentes aos juros e amortizações da chamada dívida pública.

Dessa forma, o “arcabouço fiscal” segue a mesma lógica do teto de gastos da Emenda Constitucional 95/2016 (EC 95), que durante toda a campanha o presidente Lula afirmou que iria revogar!

A diferença é que esse novo teto de gastos apresentado pelo governo Lula garante um pífio aumento para as despesas primárias, em cada ano, que poderá variar entre apenas 0,6 e 2,5% do total com essas despesas primárias no ano anterior atualizado pelo IPCA, o que é uma esmolinha acima do que já constava da EC-95!

O que está garantido mesmo é o aumento de apenas 0,06%, tendo em vista que para que as despesas primárias possam crescer mais do que isso (limitadas ao teto máximo de apenas 2,5%), o governo ainda fica obrigado a cumprir metas de resultado primário e, adicionalmente, a arrecadação de tributos terá que crescer, pois outra trava trazida pelo PLP 93/2023 é de que a despesa primária só poderá que crescer até o limite de 70% do crescimento da receita tributária em cada ano.

CS: O que significa realizar superavit primário e cumprir a LRF

MLF: Realizar superávit primário significa forçar uma sobra de recursos que será destinada ao pagamento dos gastos financeiros com a dívida pública, como constou expressamente da exposição de motivos: “A ideia desses limites é (…) permitir (…) que o governo consiga guardar recursos importantes para abatimento do endividamento público”.

Essa “sobra” é obtida quando o que se arrecada com o conjunto de receitas primárias supera o que se gasta com o conjunto de despesas primárias. O PLP 93/2023 restringiu ainda mais esse conceito ao determinar que as receitas a serem consideradas serão apenas as receitas tributárias, deixando fora do cálculo outras receitas públicas, tais como receitas de concessões e permissões; exploração de recursos naturais, dividendos e participações. Todas essas receitas, além das receitas financeiras, não poderão ser destinadas para investimentos sociais, o que é um completo absurdo.

CS: Qual a ligação desse tema com o Sistema da Dívida?

MLF: O “arcabouço fiscal” é um projeto para garantir ainda mais os privilégios do Sistema da Dívida. Esse PLP 93/2023 impõe graves restrições aos investimentos e gastos sociais, pois além de manter o “teto de gastos” com um crescimento real pífio, o referido projeto traz a obrigação de cumprir meta de resultado primário que supera as expectativas do mercado financeiro e, ainda por cima, compromisso de que as despesas primárias crescerão menos que as receitas tributárias, deixando todas as demais receitas livres para o pagamento dos juros da chamada dívida pública.

O governo deveria estar fazendo justamente o contrário; deveria estar enfrentando esse sistema, tendo em vista que até o Tribunal de Contas da União já declarou ao Senado (TCU afirma que dívida não serviu para investimento no país) que a dívida interna federal (que já alcança R$ 8 trilhões) não tem servido para investimentos no país, confirmando o que a Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado há décadas, no sentido de que trata-se de dívida gerada por mecanismos financeiros sem contrapartida alguma em investimentos de interesse da sociedade que paga essa alta conta.

Ademais, os juros são o principal fator de crescimento dessa chamada dívida pública. A cada 1% de elevação da Selic, os gastos com juros dessa dívida crescem em R$40,1 bilhões por ano! Considerando que desde março/2021 (quando a taxa básica Selic estava em 2% ao ano) o Banco Central passou a disparar essa taxa, sob a falsa justificativa de controlar inflação, alcançando 13,75% a.a. em agosto/2022, essa alta significa um gasto extra com juros de quase meio trilhão de reais! Esse gasto se repetirá anualmente, até que a Selic seja reduzida. É aí que está o rombo das contas públicas, e não nos gastos e investimentos sociais que o projeto do “arcabouço fiscal” limita!

CS: Deixe uma mensagem para nossos leitores

MLF: Todos nós estamos pagando essa injusta conta do Sistema da Dívida e precisamos organizar uma grande mobilização para exigir a realização da auditoria da dívida pública, com participação social, e a aprovação do projeto que limita os juros no Brasil (PLP 104/2022). Para isso, será importante criar uma Frente Parlamentar que insira esse debate na pauta da Câmara dos Deputados, e já existe um requerimento nesse sentido, no entanto, ainda não completamos as assinaturas necessárias. Você pode ajudar, enviando mensagem a parlamentares por meio da ferramenta disponível no link CLIQUE AQUI E PRESSIONE pela criação da Frente Parlamentar sobre o Limite dos Juros e a Auditoria Integral da Dívida Pública com Participação Popular.

O Brasil é um país riquíssimo e não podemos nos conformar com o cenário de escassez continuamente imposto por esses projetos que privilegiam o estéril gasto financeiro e impedem o atendimento às necessidades do povo brasileiro e o nosso direito ao desenvolvimento socioeconômico! Esse jogo só vai virar com grande mobilização social, por isso é importante levar essa informação à base da sociedade, para que ela se mobilize contra esse “arcabouço fiscal” e exija o enfrentamento do verdadeiro ralo das contas públicas, que está no Sistema da Dívida. #AuditoriaJá #LimitaJurosJá

 

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