A “guerra tarifária” de Trump e a desordem mundial

Por Miguel Sorans, dirigente da Izquierda Socialista da Argentina e da UIT-QI
Dois dias após lançar sua “guerra tarifária”, Donald Trump teve que voltar atrás e anunciar que sua implementação seria adiada por 90 dias, exceto para a China, país contra o qual ele manteve uma tarifa de 145% sobre as exportações. A China respondeu taxando em 84% as exportações dos EUA. Porém, esse recuo foi parcial e não resolveu a crise global desencadeada. Isso porque Trump manteve tarifas de 25% sobre alumínio, aço e automóveis, que continuam afetando a União Europeia, Canadá, México, Japão e Coreia do Sul, entre outros países. E manteve uma tarifa de 10% sobre todos os países.
A “guerra” não acabou. O ultradireitista Trump pode mudar de rumo novamente, dada a imprevisibilidade de seu plano, as pressões da crise da economia capitalista em curso e os protestos massivos dos próprios trabalhadores estadunidenses. Centenas de milhares foram às ruas para dizer: “Tirem as mãos!”
O recuo de Trump é um sinal de fraqueza
Trump e seu governo querem dar a impressão de que estão no controle da situação e de que o recuo faz parte de um plano calculado para abrir negociações. Porém, isso é falso.
Seu recuo deveu-se à catástrofe brutal provocada na já deteriorada economia capitalista dos Estados Unidos e do mundo. Em menos de uma semana, devido à queda da bolsa de valores, as principais empresas que operam em Wall Street perderam a extraordinária soma de 6 trilhões de dólares (Dados AP, Bloomberg, no Clarín, 06/04/2025).
De acordo com a Fortune, os patrimônios líquidos de Elon Musk (Tesla), Mark Zuckerberg (Facebook) e Jeff Bezos (Amazon) tiveram uma perda conjunta de US$ 80 bilhões desde 2 de abril, data chamada pelo presidente de “Dia da libertação” (Infobae, 08/04/2025). Muitos analistas burgueses descreveram o que aconteceu como uma queda “histórica”, um “banho de sangue” e como “consequências devastadoras”.
Dan Ives, analista sênior da Wedbush Securities, chamou as tarifas de Trump de “o maior desastre que os mercados já viram. Será um Armagedom econômico” (Clarín, 06/04/2025). O JPMorgan, o maior banco dos EUA, alertou que uma recessão global poderia ser desencadeada.
Trump parecia confiante e dava a impressão de que não recuaria. Diante das críticas e dos protestos de rua, ele disse sem papas na língua: “Não sejam fracos! Não sejam estúpidos! (…) e a grandeza será o resultado!” (Ambito, Argentina, 07/04/2025). Trump zombou dos demais países: “Eles estão me bajulando”, afirmou num jantar com congressistas republicanos. E completou: “Eu sei o que estou fazendo”. (El País, 10/04/2025). Todavia, isso durou 48 horas.
O New York Times chamou isso de “marcha e contramarcha patéticas de Trump”. E, sobre o governo, observou que “se você contrata palhaços, deve esperar um circo. E, compatriotas estadunidenses, nós contratamos um grupo de palhaços” (Thomas L. Friedmann, em La Nación, Argentina, 10/04/2025).
Resta saber se também houve um recuo em relação às tarifas impostas por Trump a duas pequenas e remotas ilhotas (Ilha Heard e Ilha McDonald), povoadas apenas por pinguins e focas, localizadas 4.000 km a sudoeste da Austrália.
O capitalismo está sofrendo a crise mais grave de sua história
Essa virada de mesa de Trump, tanto política quanto econômica, é explicada pelo fato de que o capitalismo imperialista vem passando há décadas por uma enorme crise econômica, política, social e ambiental. Não se trata de uma crise conjuntural.
Nós, socialistas revolucionários, consideramos que se trata da mais grave crise da história do capitalismo, porque é ainda pior do que a de 1929. Em primeiro lugar, porque é mais duradoura, se estende ao longo do tempo mais do que a outra. Começou em 2007/2008 e já dura 17 anos. Em segundo lugar, porque está entrelaçada com outras crises e com o agravamento da crise ambiental, gerada pelo próprio capitalismo. A política de Trump, por exemplo, pode estar desencadeando um novo pico agudo da crise econômica.
Trata-se de um processo mais amplo de decadência absoluta e desordem do capitalismo imperialista. A perspectiva é de aprofundamento da crise econômica e social. Somente será possível superá-la através da luta por governos dos/as trabalhadores/as, que abram caminho para o socialismo.
Jogando mais lenha na fogueira da desordem mundial capitalista
Nesse contexto, Trump lançou uma contraofensiva imperialista contrarrevolucionária. Ele busca subordinar imperialismos como a China, a segunda maior potência do mundo, e imperialismos menores como a União Europeia e a Rússia, bem como as semi-colônias do mundo, à sua política de pilhagem e exploração. E, por outro lado, tenta derrotar as lutas do movimento de massa, reverter as conquistas da quarta onda de mulheres e derrubar os direitos das dissidências sexuais. Isso junto com uma ofensiva racista e anti-imigrante nos EUA e no mundo todo. Porém, ainda não se sabe como tudo isso vai acabar.
O conflito com a China é parte central da desordem mundial do capitalismo imperialista. Trump enfrenta uma profunda contradição em sua “guerra tarifária”. Uma alta porcentagem dos produtos exportados da China para os EUA são de multinacionais estadunidenses. Por exemplo, 56% dos calçados vendidos nos EUA vêm da China, de marcas como a Nike, que tem 195 fábricas localizadas lá. Ela opera no país asiático existe desde 1981. A Apple produz a maioria de seus iPhones na China e muito pouco nos EUA. Trump vai impor uma tarifa de 145% sobre os produtos da Nike e da Apple? Até onde Trump irá?
Segundo Trump, a “guerra tarifária” levaria os EUA a uma “era de ouro” e a “sair de seu declínio”. Ele anunciou com entusiasmo que “os investimentos estão chegando” e que “novos empregos surgirão”. O “sonho americano” estaria novamente próximo. No entanto, tudo indica que o oposto pode acontecer, nos EUA e no mundo todo.
Conforme analistas imperialistas, o atual terremoto econômico pode levar a uma recessão nos EUA e no resto do mundo, com uma maior estagnação da economia capitalista e a diminuição dos empregos e dos salários. A inflação – que Trump afirma combater – pode aumentar nos Estados Unidos, já que as tarifas sobre produtos importados (alimentos, brinquedos, calçados e automóveis) forçarão as empresas a aumentar os preços, diminuindo assim o padrão de vida do povo trabalhador estadunidense.
A tentativa de Trump de superar a crise e a desordem globais vivenciadas pelo imperialismo está fadada ao fracasso. A tendência é que a crise econômica global se agrave, que os atritos e confrontos inter-burgueses aumentem e, principalmente, que as lutas operárias e populares cresçam nos EUA e no mundo contra as consequências do aumento da pobreza e da crise social, causadas pelo plano de Trump e pelas medidas de austeridade dos governos capitalistas.
A primeira grande resposta começou a ser dada pelo povo estadunidense, com mais de 1.200 manifestações em 5 de abril, em várias cidades do país. Os protestos também foram replicados em muitas capitais europeias. Nos EUA, o slogan central das mobilizações foi: “Tirem as mãos!”, dirigido contra Trump e Elon Musk. Também houve greves gerais na Grécia, na Bélgica e na Argentina.
Essas mobilizações abrem caminho para enfrentar e derrotar os ataques reacionários do ultradireitista Donald Trump nos Estados Unidos e no mundo todo.