ENTREVISTA COM A LIDERANÇA INDÍGENA DO POVO MUNDURUKU, ALESSANDRA KORAP.

J – Alessandra, estamos acompanhando a luta pela revogação da Lei 10.820 ⁄ 2024 e pelo Fora Rossieli (SEDUC PA). E a gente queria que tu falasses das políticas do governo Helder Barbalho, em especial dessa lei, do quanto que ela afeta as comunidades indígenas e da importância de lutar pela revogação da Lei 10.820 ⁄ 2024.

A – Eu sou liderança. Sou coordenadora da Associação Indígena Pariri. A gente vem trabalhando há algum tempo em parceria com os professores, porque eles não tem apoio do governo do Estado e muito menos do município. A gente vem acompanhando os professores, vendo eles tirarem do próprio bolso para chegar até a Aldeia, para dar aulas aos alunos indígenas, e muitos desses jovens indígenas não falam português, e os professores têm a paciência de ensinar a língua portuguesa, a matemática, etc., para prepará-los para a Universidade. Quando soubemos dessa Lei, aprovada dia 19 de dezembro, fomos pesquisar do que se tratava. Os professores me ligaram preocupados. Meu ramo não é educação, é territorial, sempre foi território, não sou professora, mas eu conheço a luta dos professores. A partir daí os professores me chamaram, para verificar de que forma eu poderia ajudar na luta pela educação. Estudamos e vi o quão grave era: “-O Estado já não ajuda e ainda vai piorar para vocês! Vamos à luta!”. Então, foi aí que decidimos vir a Belém. Sai dia 12 de janeiro, estava para a Aldeia. Na estrada não tínhamos dinheiro para comer, não pagamos combustível, tudo foi fiado, uma luta para poder defender os direitos, já que essa lei não iria prejudicar apenas os indígenas, mas também os quilombolas, ribeirinhos, pescadores, todos os estudantes que moram distante da capital, que precisam pegar, canoa, voadeira, barco ou avião para chegar. Tudo isso nos preocupou! O povo Munduruku sempre prioriza o coletivo. Decidimos unificar a luta, trabalhar em conjunto com os professores pela revogação da Lei 10.820 ⁄ 2024. A realidade do território e a realidade dos professores não são diferentes. As escolas da cidade têm precariedades, imagina para quem mora distante! Muitos do nosso povo não têm Bolsa Família, não fazem parte de programas sociais do governo, alguns não têm documento pessoal. Os povos indígenas são esquecidos, faltam políticas públicas, não temos políticas voltadas para a água, não temos escolas, mesas, cadeiras e nem materiais escolares, muitos professores custeiam a própria gasolina para poder chegar até as Aldeias, bem como os seus materiais de trabalho. É muito grave essa lei atingir os professores e prejudicar os sonhos de nossos filhos e netos de terem um futuro. Para nós não importa lei que não ouve os indígenas, por isso, tem que ser revogada, para depois ser discutido com todos e considerada a situação de cada comunidade, cada povo, cada região. Na nossa região do Oeste do Pará é precário e é tudo longe! É bem diferente da realidade do povo que mora mais próximo da capital (Belém), como o povo Tembé. Mesmo assim tem lugares que os Tembé são esquecidos, mas também tem os que são ligados ao governo e apenas essa minoria é beneficiada. A gente está aqui para lutar por todos e, principalmente, pela categoria da educação.

J – Alessandra, a gente vê que o governo tem um discurso de sustentabilidade, a COP 30 será em Belém-PA, o Helder Barbalho afirma ser a favor dos povos indígenas. Como vocês avaliam esse tema da COP 30? Parte do movimento indígena, inclusive, defende: “Sem revogação, não vai ter COP 30!”.

A – Eu já participei de 2 COP, uma em Glasgow (COP 26 em 2021) e a outra no Azerbaijão (COP 29 em 2024), e sei da dificuldade de estar num espaço como esse. Quem discute esse tema são os grandes líderes, são grandes empresas, inclusive, que são favoráveis ao desmatamento, que de um lado pagam “credcarbono” e do outro destroem. Então, para nós isso não é bom. Quando o governo do Pará começou a falar sobre o “credcarbono”, a falar de meio ambiente e sustentabilidade, e vindo da família Barbalho e do Partido MDB, vi que não seria bom! Na minha região, no município de Itaituba, existem portos que a própria SEMAS libera. Eu conheço, sei da realidade! A soja caindo no rio Tapajós, os peixes contaminados de agrotóxicos. Máquinas acabando com a floresta para fazer portos. Lugares que a comunidade pescava, que eram fonte de alimento, de conhecimento tradicional foram destruídos. O discurso é muito “bonito”, ele (o governador) chamava uma ou duas pessoas para confirmar que estava ao lado dos povos indígenas, só que nem todos sabem o que o governo do Estado do Pará está fazendo em relação ao povos indígenas, porque muitos não têm internet, rádio ou outro meio de comunicação. Tudo fica muito silenciado! Nós que estamos no movimento, que viajamos, que debatemos sobre a economia, a questão do meio ambiente, dos povos indígenas, direitos humanos, conhecemos quem são eles. Nesse movimento que está ocorrendo, as pessoas puderam entender a realidade e o que significa a COP. Fiz uma fala aqui afirmando que: “-O governador Helder Barbalho vendeu o Estado do Pará”. Muitas pessoas não sabem o que é COP, não sabem o que é uma Conferência do Clima. Então, todos deveriam ser consultados e informados, inclusive, os da cidade, porque também serão prejudicados. Acreditam que isso é uma forma de silenciar os povos indígenas. Usam o crédito de carbono para compensar programa de proteção do meio ambiente, mas dentro do território nós já preservamos, nós sempre protegemos, nós estamos sozinhos combatendo o desmatamento, expulsando invasores, passando necessidade. Muita gente não enxerga! Ele (o governador) faz um discurso “bonito”, mas ignora esse movimento aqui de luta pela educação e pelos direitos dos indígenas. Para nós não tem sentido dizer que “protege” os indígenas, tirando o direito deles! A gente precisa da floresta em pé! A gente precisa de água limpa! A gente precisa do território, mas também temos direito à educação, à saúde, às políticas públicas! Por isso saímos de dentro das Aldeias e viemos até aqui lutar por nossos direitos.

J – Os povos indígenas do Pará estão dando um exemplo para todos nós, inclusive, estão furando uma bolha. O governo fez de tudo para silenciá-los, a imprensa local é bastante comprada, mas o grito e a luta indígena está chegando em todos os cantos do país. Qual o recado que tu darias, em nome dos povos indígenas, para quem está em outros Estados, ou aqui mesmo em Belém-PA, mas está acompanhando de fora, e deseja apoiar o movimento?

A – O recado que eu posso dar é que todas as escolas, os estudantes, os professores, comecem a estudar quem são os povos indígenas, porque não somos apenas aqueles que os livros mostram na invasão do Pedro Alvares Cabral, nós já estávamos aqui! Nós estamos contando a história verdadeira! O governo tentou nos silenciar. Não queriam que tivéssemos voz! Tentaram nos amordaçar! Seguraram nossas pernas, nossas mãos, e de todas as maneiras estamos conseguindo nos soltar! As pessoas estão enxergando! Muitos educadores estão vendo a necessidade de debater em sala de aula sobre os povos indígenas, o meio ambiente, a sustentabilidade, e eu fico muito feliz! É muito importante os professores ouvirem os indígenas, pois muitos alunos que tem a sua língua materna acabam desistindo de estudar, voltam para as suas Aldeias, porque tem professor racista, que não conhece a luta e a cultura do povo. Os governos há anos tentam nos silenciar, tentam tampar as nossas bocas, mas a gente está gritando e com muita força, furando bolhas, através, principalmente, dos professores.

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