Sobre os recuos programáticos de Boulos
Diego Vitello – Coordenação Nacional da CST
A candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) tem gerado importantes expectativas em setores da juventude e nos setores da classe trabalhadora com maior tradição e organização sindical. O candidato do PSOL, entre os que não são bolsonaristas, é o que aparece melhor posicionado. Porém, sua campanha tem dado vários “passos atrás” do ponto de vista programático. Isso leva, em nossa opinião, a que não haja a mesma “militância eleitoral” em torno da candidatura de Boulos em comparação ao que vimos em 2020. Além disso, vemos que os recuos da candidatura psolista não ajudam no necessário combate que temos que dar contra a extrema direita.
Recentemente, o dirigente da corrente Resistência (PSOL), Valerio Arcary, escreveu um texto que parece justificar os recuos como a única forma de ganhar as eleições. Com essa visão, queremos, com o presente texto, debater.
O abandono de pautas fundamentais
Legalização do aborto
Hoje, as maiores vítimas de abortos clandestinos feitos de forma insegura são as mulheres pobres. Uma questão de saúde pública tão fundamental e que tem mobilizado atos de rua grandes nos últimos anos, foi simplesmente abandonada pela campanha do candidato do PSOL, quando o mesmo declarou que não era favorável à legalização do aborto.
Descriminalização e legalização das drogas
Sabemos que a chamada “guerra às drogas” tem servido somente para a burguesia, através do seu aparato repressivo, criminalizar negros e pobres nas periferias brasileiras. Além disso, a criminalização do uso e comércio de drogas tem fortalecido a cada dia que passa o tráfico e as milícias, que a cada ano ampliam seu poder no Brasil. Em relação a isso, Boulos apresentou sua posição de contrariedade à descriminalização e legalização das drogas. Além disso, colocou Alexandre Gasparian, ex-chefe da ROTA, para formular seu programa de segurança pública.
Privatizações
A luta contra qualquer forma de privatização dos serviços públicos foi também renegada pelo candidato apoiado por Lula nas eleições municipais de São Paulo. No debate entre alguns dos candidatos à prefeitura de SP promovido pela TV Gazeta, Boulos afirmou: “Há concessão que funciona. Pega por exemplo a de exames laboratoriais. Eu fui conhecer, funciona, é eficiente. Quando é eficiente, se mantém…”. Enquanto a classe trabalhadora de São Paulo está em “pé de guerra” contra as privatizações, o candidato que diz representar a esquerda nestas eleições dar esse tipo de declaração não fortalece essa batalha.
Valerio Arcary justifica o recuo de Boulos
Em texto escrito sobre as eleições de SP, o dirigente da corrente Resistência (PSOL) expõe: “Boulos já fez um reposicionamento de imagem para diminuir a rejeição. Ela é muito grande porque há vinte anos Boulos tem a trajetória de um lutador popular. Se Boulos se apresentasse com o rosto das eleições de 2020, o animador do MTST, a eleição estaria perdida.” https://esquerdaonline.com.br/2024/08/21/eleicao-em-sao-paulo/.
O que Valério faz e escreve, pode ser tudo, menos uma novidade. Passamos anos em que a direção majoritária do PT buscou readequar a imagem de Lula de dirigente das lutas operárias para um “bom gestor comprometido com as contas públicas”. Todos os recuos feitos pelo PT na História apresentavam a mesma justificativa de Arcary: “os recuos são necessários para ganhar as eleições”. Ainda que possamos questionar até isso, o debate aqui é que esses recuos transformaram o PT e estão transformando a cada dia que passa o PSOL. O PT, de um partido das lutas operárias, passou a ser um partido que aplicou duros ataques contra a classe trabalhadora, como a Reforma da Previdência e, agora, o Arcabouço Fiscal.
De nossa parte, pensamos o contrário de Arcary. Lamentamos os recuos de Boulos, como figura não bolsonarista de maior projeção nas eleições, e pensamos que o abandono das pautas que citamos pela sua candidatura são um desastre político.
Por que os recuos de Boulos são um erro estratégico no combate à extrema direita?
A extrema direita busca uma ofensiva permanente em temas como legalização do aborto, criminalização dos usuários de drogas e entrega do patrimônio público a partir das privatizações. É só vermos que recentemente a principal política do governador bolsonarista de SP, Tarcísio de Freitas, foram as privatizações. Pouco antes do início da campanha eleitoral, a extrema direita, com o apoio de Arthur Lira, polarizou o país com a proposta absurda do PL 1904, que buscava criminalizar ainda mais o aborto. Além disso, em nome da “guerra às drogas” a extrema direita vive comemorando as chacinas policiais nas quebradas. É só vermos as chacinas em Santos no primeiro semestre deste ano.
Ou seja, o recuo de Boulos não é apenas um problema de cálculo eleitoral, como faz parecer Valerio Arcary. É algo muito mais profundo, estratégico para o período em que vivemos, tem a ver com o combate que a nossa geração deve dar contra o perigo da extrema direita. Combater esse setor, que tem como projeto estratégico a implantação de uma ditadura no Brasil, é algo a ser feito cotidianamente, perpassando todas as pautas democráticas e econômicas que dizem respeito à classe trabalhadora.
De nossa parte, estamos com a candidatura do metroviário Altino (PSTU), defendendo as pautas históricas que a esquerda sempre defendeu, combatendo cotidianamente o perigo da extrema direita. Acreditamos que esse voto ideológico no dia 6 de outubro é o que mais contribui para avançarmos na luta contra o bolsonarismo.