Sri Lanka: vitória eleitoral da esquerda

Por Miguel Lamas, dirigente da UIT-QI

24/09/2024. O povo trabalhador exige mudanças de fundo

Nas eleições presidenciais do Sri Lanka, realizadas em 22 de setembro, foi eleito Anura Kumara Dissanayake, que se define como marxista, como novo presidente. Ele representa a coligação Poder Popular Nacional, que inclui o seu partido de esquerda, a Frente de Libertação Popular (JVP), do qual é presidente desde 2014. Sua coligação obteve 42,3% dos votos, contra 32,8% de um candidato de centro-direita e 17% do atual presidente, que buscava a reeleição.

Milhares de pessoas, muitas bem jovens, trabalhadoras e trabalhadores, festejaram nas ruas a vitória eleitoral com bandeiras vermelhas e retratos de Marx e Lenin. Uma surpresa internacional. As enormes manifestações, com as suas bandeiras e faixas, demonstraram a expectativa de mudanças de fundo no Sri Lanka.

A rebelião popular de 2022

Tal fenômeno eleitoral está diretamente ligado à insurreição do povo trabalhador que ocorreu há dois anos, em julho de 2022. Naquela ocasião, após três meses de grandes mobilizações, centenas de milhares de pessoas tomaram a sede do governo e o presidente teve que fugir do país.

A insurreição de 2022 foi uma reação popular ao desastre econômico. A crise capitalista internacional encareceu os alimentos e os combustíveis. A dívida externa com a China, a Europa e os Estados Unidos tornou-se impagável e os capitalistas, que ganham com as exportações, tiraram os seus dólares do país. O Estado ficou sem divisas e passou meses sem comprar combustível ou outros produtos importados. Os transportes deixaram de funcionar, a eletricidade e o gás foram cortados e os medicamentos básicos deixaram de ser importados. Dezenas de milhares de trabalhadores foram demitidos ou afastados do trabalho sem remuneração.

A crise e a exploração brutal dos/as trabalhadores/as continuam

O Sri Lanka é uma ilha de 65.610 km2, localizada ao sul da Índia, com 22 milhões de habitantes. Além das tradicionais exportações agrícolas de chá, coco, óleo de coco e arroz, tornou-se nos últimos 20 anos, tal como outros países asiáticos, um grande exportador de produtos têxteis, com empresas associadas a multinacionais japonesas, chinesas, ianques e europeias e mão de obra muito barata. Hoje, é conhecido como “a fábrica mundial de sutiãs”. Antes da crise, da inflação aguda e da desvalorização da rupia (moeda local), os/as trabalhadores/as têxteis ganhavam 62 dólares por mês. Agora recebem muito menos, cerca de 44 dólares, que têm um poder de compra ainda menor do medido em dólares por conta do enorme aumento no custo de vida. Também são escravizados, trabalhando entre 14 e 16 horas por dia, sete dias por semana. Estima-se que seja o salário mais baixo da região da Ásia-Pacífico. O setor têxtil emprega diretamente 400 mil trabalhadores e, indiretamente, outros dois milhões, a maioria mulheres oriundas de áreas rurais.

Em julho de 2022, após a insurreição e fuga do presidente anterior, Ranil Wickremesinghe foi empossado como o novo presidente. Ele conseguiu novos acordos de empréstimo com o FMI, aumentando a dívida estatal, que hoje é uma das maiores do mundo em relação ao PIB (a dívida ultrapassa o PIB anual). E, com isso, alcançou uma relativa estabilidade, mas aumentando os impostos – e, consequentemente, o custo de vida – e diminuindo os salários reais.

O que está acontecendo no Sri Lanka está se repetindo em outros países asiáticos próximos, também produtores de têxteis baratos, como Bangladesh, que experimentou uma recente rebelião popular exigindo mudanças de fundo.

O novo governo de esquerda

O presidente eleito, Anura Kumara Dissanayake, – parlamentar desde 2000 e ministro da agricultura durante um ano em 2004, sob o governo capitalista de Chandrika Kumaratunga – afirmou nas suas primeiras declarações que não quebrará o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, afirmou que vai reduzir impostos (que afetam diretamente as importações de produtos consumidos pelo povo) e renegociar o pagamento da dívida de 25 bilhões com o FMI.

Isso indica que o novo presidente não propõe uma mudança econômica de fundo, algo que o povo trabalhador necessita e exige para escapar à brutal condição de miséria e exploração.

Pode-se definir a coalizão Poder Popular Nacional como de centro-esquerda, composta por setores da esquerda reformista, que não pretendem romper com o FMI e o capitalismo. O interessante é que as massas, que se rebelaram em 2022, canalizaram as suas reivindicações pendentes no voto à esquerda, numa aliança que se autodenomina marxista.

No Sri Lanka, as mudanças de fundo deveriam começar com o não pagamento da dívida; a nacionalização, sob controle dos trabalhadores, da indústria têxtil; e a proteção da produção agrícola dos pequenos camponeses. É claro que tal mudança de fundo – que o novo presidente não propõe e que o atual parlamento, dominado pela direita empresarial, nunca aprovaria – só poderá ser conquistada com a mobilização massiva do povo trabalhador, como ocorreu há dois anos.

Nós, da UIT-QI, saudamos e apoiamos plenamente a luta do povo trabalhador do Sri Lanka por uma mudança de fundo; por um verdadeiro governo de esquerda, da classe trabalhadora e dos camponeses, que abra o caminho para o socialismo, como foi expresso nas manifestações de celebração da vitória, acabando com a miséria e a exploração do trabalho.

 

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