Anticapitalismo e luta LGBTQIA+: Reflexões sobre o Dia Internacional de Combate a LGBTfobia
Gabew, da Juventude Vamos à Luta de SP
O Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, comemorado em 17 de maio, tem suas raízes na luta internacional pelos direitos e pela dignidade das pessoas LGBTQIA+.
No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), o que possibilitou um avanço significativo na luta pelos direitos civis da comunidade LGBTQIA+.
Essa data foi escolhida para destacar a resistência e a luta contra a discriminação e a violência direcionadas às pessoas LGBTQIA+. No entanto, a LGBTfobia não é apenas uma manifestação de preconceito isolada; está profundamente enraizada em estruturas como o patriarcado e a monogamia e se desenvolveu na fundação do capitalismo, a fim de gerar mais lucro.
O capitalismo, com sua lógica de lucro e exploração, promove e lucra com a manutenção de normas sociais que marginalizam e discriminam grupos minoritários, incluindo a comunidade LGBTQIA+. Ao mesmo tempo, o patriarcado, como sistema de dominação que privilegia a heteronormatividade e a cisnormatividade, reforçam essas ideias de superioridade masculina e inferioridade feminina, marginalizando qualquer desvio dessas normas.
Além disso, a monogamia, enquanto instituição social, muitas vezes exclui e estigmatiza relacionamentos não tradicionais, tendo sua origem para preservar o patriarcado e marginalizar sexualidades e identidades desviantes, a fim de preservar a reprodução de mão-de-obra e um exército de reserva do Capital:
“A imposição da monogamia - só para as mulheres - criou os meios para que as propriedades de homens ricos pudessem ser herdadas por crianças cujo o pai poderia ter certeza que são suas. Casamento monogâmico, em essência, se desenvolveu como a agencia na qual homens da classe dominante poderiam estabelecer paternidade indisputada.”
WOLF, Sherry - Sexualidade e Socialismo
Como analisou Engels em seu trabalho “A Origem da Família, Da Propriedade Privada e do Estado, a monogamia significou um avanço histórico significativo, mas ao mesmo tempo iniciou, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, um processo no qual cada avanço é também um retrocesso relativo, e o bem-estar e desenvolvimento de alguns ocorrem às custas da dor e repressão de outros. A monogamia é considerada a forma celular da sociedade civilizada e, portanto, não é resultado do amor sexual individual, mas sim fundamentada em condições econômicas, expressão do triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva.
“A monogamia surgiu da concentração de grandes quantidades de riqueza em uma só mão - mais precisamente, na de um homem - e da necessidade de legar essa riqueza aos filhos desse homem e de nenhum outro. Para isso, era requerida a monogamia da mulher, não do homem, de tal maneira que essa monogamia da mulher não impediu a poligamia aberta ou dissimulada do homem.”
ENGELS, Friedrich - A Origem da Família, da propriedade privada e do Estado
A monogamia heteronormativa surge como uma forma econômica de organização dentro da estrutura familiar, na qual há controle do corpo da mulher e de seu útero para garantir que a propriedade seja transmitida com certeza ao filho biológico do homem detentor da propriedade privada, além de assegurar a continuidade da linhagem. Para viabilizar isso, surge o moralismo em torno da sexualidade, uma vez que o sexo é entendido como ligado à reprodução e à organização familiar.
A partir dessa base, o capitalismo se desenvolveu, adaptando-se a esse modelo para garantir a transmissão dos meios de produção e da propriedade privada. Para reproduzir a classe trabalhadora, o capitalismo tornou-se necessariamente LGBTfóbico, especialmente no final do século XIX, quando se iniciou a expansão capitalista global através do imperialismo. Nesse período, a medicina foi utilizada para criminalizar práticas LGBT, como as relações homoafetivas, sendo rotuladas como distúrbios. Essa abordagem só seria revogada pela OMS em 17 de Maio de 1990, uma conquista significativa para a comunidade LGBTQIA+.
A luta contra a LGBTfobia não é apenas uma luta por igualdade legal, mas também uma luta por uma transformação social profunda, que questione as normas de gênero e sexualidade impostas pelo sistema capitalista. Nesse sentido, as últimas ondas do movimento feminista nos ensinam a desafiar e subverter as noções tradicionais de identidade e sexualidade, reconhecendo a multiplicidade de experiências humanas para além das categorias binárias.
Nós, socialistas e marxistas, entendemos que a opressão da comunidade LGBTQIA+ é baseada nas relações de produção capitalistas, que buscam dividir a classe trabalhadora e explorar suas diversas identidades para manter o status quo. A luta contra a LGBTfobia, portanto, é parte integrante da luta mais ampla pela emancipação de toda a classe trabalhadora e setores populares. É fundamental reconhecer que a luta contra a LGBTfobia não pode ser separada da luta contra todas as formas de opressão, e que só através da unidade de luta de todas as pessoas oprimidas podemos verdadeiramente alcançar a emancipação de todos grupos marginalizados.
Essa luta pela emancipação da comunidade LGBTQIA+ vai muito além da conquista de direitos civis. Ela envolve desafiar e transformar as estruturas sociais que perpetuam a opressão e a marginalização dessa comunidade. Para alcançar verdadeira liberdade e igualdade, é essencial combater não apenas a LGBTFobia, mas também as instituições que as sustentam: o capitalismo, o patriarcado e a monogamia compulsória. É necessário combater os governos, parlamentos e leis reacionárias contra a população LGBTQIA+, contra a classe trabalhadora e setores populares, unificando aos explorados e oprimidos.
O capitalismo, como sistema econômico baseado na exploração e na busca incessante pelo lucro, alimenta desigualdades sociais que afetam desproporcionalmente as pessoas LGBTQIA+. A busca por lucro muitas vezes leva à superexploração da mão de obra LGBTQIA+, à discriminação no mercado de trabalho e à comercialização da identidade LGBTQIA+ para o ganho financeiro. Portanto, a luta contra o capitalismo é fundamental para garantir condições de vida dignas para todas as pessoas LGBTQIA+, livres da exploração econômica e da precariedade laboral. Atuar em toda e qualquer luta e apoiar toda e qualquer pauta LGBTQIA+ é fundamental para construir um forme movimento contra LGBTfobia.
Além disso, o patriarcado, sistema de dominação baseado na supremacia masculina, subjuga não apenas mulheres, mas também pessoas LGBTQIA+ que desafiam as normas de gênero tradicionais. A imposição de papéis de gênero rígidos limita a expressão e a autonomia das pessoas LGBTQIA+, reforçando estereótipos prejudiciais e alimentando a violência de gênero. Portanto, desmantelar o patriarcado é essencial para criar uma nova sociedade e por fim, por fim a monogamia compulsória e o modelo familiar nuclear monogâmica criado pela sociedade burguesa como estrutura do capitalismo.
Defendemos uma perspectiva classista
Somos favoráveis a uma ampla unidade de ação contra as práticas de ódio, violência, discriminatórias e de opressão com o conjunto dos movimentos LGBTQIA+ ou por pautas como o casamento igualitário, além de outras pautas. Mas como já explicamos aqui, dentro desse movimento unitário, nos defendemos um perfil de classe, socialista e revolucionário. Somos contra o patriarcado, o sistema capitalista, os governos patronais que superexploram a população LGBTQIA+. Nesse sentido disputamos a direção de nossos movimentos e criticamos a cooptação de ONGs ou entidades que se adaptam aos governos ou entidades burguesas que transforma nossas pautas em negócios “rosa”.
Apesar de estarmos acostumados com a disputa entre extrema-direita conservadora e reacionária com uma centro-esquerda progressista e liberal, na prática a burguesia, seja sob o espectro conservador da direita ou o progressista da esquerda, nunca se ergueu como aliada genuína da comunidade LGBTQIA+. Por mais que a retórica política possa variar, suas ações e interesses revelam um padrão consistente de priorização do lucro sobre a igualdade; da manutenção do status quo sobre a verdadeira emancipação.
Além de suas pequenas (quase inexistentes!) concessões, historicamente tentam manter as lutas dentro do marco da democracia burguesa liberal e do sistema capitalista. Usando de argumentos como representatividade, meritocracia, empoderamento, e influenciando o consumo como uma estratégia de lucro, esse espectro política busca cooptar as lutas para uma representatividade vazia com raras concessões, mas na verdade administram o sistema que oprime e explora esses setores.
Não há dúvidas de que houve conquistas significativas da comunidade LGBTQIA+ dentro da democracia burguesa-liberal, porém nunca de bom grado, todos direitos conquistados ao longo dos anos foram resultados de muita luta e sangue da população LGBTQIA+. Nos somos parte dessas lutas e defendemos uma unidade de ação com quer lutar por elas, sem sectarismo, mas não iludimos. Precisamos construir ao lado da luta pelas pautas imediatas uma ponte para uma saída de fundo. Defendemos uma completa emancipação, que ponha um real fim a opressão sofrida por nós, só será possível com a ruptura com a democracia burguesa-liberal e o sistema capitalista, e com a construção de uma nova sociedade, socialista e democrática de fato, que garanta a completa emancipação da população LGBTQIA+, como fez Lênin e os Bolcheviques após tomarem o poder do Estado russo em 1917.
A Experiência da Revolução Russa
A Revolução Russa de 1917 trouxe um novo modelo de sociedade e uma das principais vitórias dessa revolução foi a descriminalização de pessoas LGBTs. Antes da Revolução, o Império Russo estava imerso em uma sociedade profundamente conservadora, onde a homossexualidade era criminalizada e considerada moralmente inaceitável. No entanto, com a revogação de diversas leis do Código Penal do Império Russo, foi revogada a lei que criminalizava pessoas LGBTs, além do direito ao aborto a todas pessoas que gestam, foram realizados estudos sobre questões de gênero e sexualidade, pessoas trans puderam, pela primeira vez, servir ao exército.
Infelizmente, todos esses direitos conquistados com muita luta de LGBTs comunistas e anarquistas russos, foram se perdendo com a contrarrevolução stalinista.
Romper com o capitalismo para conquistar direitos duradouros
Diante de tudo que foi colocado, podemos afirmar que participamos de toda e qualquer luta nas ruas pelas nossas pautas e queremos conquistar nossos direitos aqui e agora. Mas que isso integra nossa estratégia de ruptura com o sistema capitalista, pondo fim ao patriarcado e a família nuclear monogâmica como único modelo, conseguiremos conquistar uma emancipação e libertação plenas.
Não é possível conquistar essa libertação através do consumo impulsionado pelas grandes empresas capitalistas que se colocam como nossos aliados, e nem confiando nas instituições da democracia burguesa-liberal. Somente com a nossa luta, com a construção de uma sociedade socialista, com um auto-governo de trabalhadoras e trabalhadores, sem patrões, poderemos por fim a todas opressões de gênero, classe e raça. Por isso convidamos você a se somar a nos e ser parte dessa batalha com as LGBTQIA+ da CST.