Lula está aplicando sua política de colaboração de classes

(Este texto é a segunda parte do artigo “Como combater a extrema direita?“. Você pode ler a parte 1 aqui.)

2 – Lula está aplicando sua política de colaboração de classes

A companheira Silvia Ferraro, parlamentar da Resistência/PSOL, no congresso metroviário, mostrou nuances em relação à posição do PCdoB. Definiu que o problema é o peso do centrão e da burguesia no governo de conciliação de classes de Lula e o fato de os lulistas não terem uma “maioria social organizada”. Uma elaboração que coloca o governo Lula como impossibilitado de avançar, ou aplicar uma agenda de esquerda, pois não haveria “correlação de forças”. Diferente do PCdoB, fez críticas a determinadas medidas do governo. Segundo essa perspectiva, Lula estaria “refém” do centrão, do Lira. Uma posição parecida foi expressa por Luana Bife, da direção nacional da CUT e da corrente OT-PT. Tal postura passa a impressão de que o governo está “amarrado” pela realidade objetiva. Por outro lado, esconde o significado profundo da frente ampla e da colaboração de classes. Além de que embeleza o PT e sua direção e joga culpa nas bases operárias e populares que não estariam mobilizadas e/ou conscientes.

Em nossa opinião, Lula, uma das maiores lideranças políticas do país, não é nem ingênuo e nem está refém de ninguém. Ele está aplicando o seu próprio projeto político de forma muito consciente: uma aliança com os patrões expressa na frente ampla, para um governo comum com e para a burguesia e multinacionais, com algumas políticas compensatórias e um discurso contra o bolsonarismo. Nele está expressa uma governabilidade pela via de pactos com setores reacionários. E isso não beneficia a classe trabalhadora, pois amortece as lutas e retira nossas forças. O projeto é dos empresários, vide o Arcabouço Fiscal. Os patrões querem lucrar via “reformas administrativas”, PPPs e investimentos federais para privatizações, como as que ocorrem em SP. O governo Lula não é o nosso governo, ele é capitalista. Lula não está mobilizando suas bases pois seu objetivo é outro: desmobilizar suas bases e tentar desmoralizar as lutas, de forma consciente por sua linha capitalista e institucional. Por isso não podemos apoiar e nem depositar confiança nele. A própria base da frente ampla é atacada com medidas como o zero aos SPFs ou a autorização da privatização do metrô de BH. E isso não ajuda em nada na luta contra a extrema direita. Acreditamos que precisamos nos organizar e confiar em nossas próprias forças e união para mudar e avançar em nossas pautas. Devemos exigir nossas pautas do governo Lula/Alckmin com total independência.

Lula, pelo seu peso e referência, interfere na conjuntura. Ele poderia romper relações com o nazi-sionismo de Israel, parar de pagar a dívida e taxar bilionários. Duplicar o valor do salário mínimo e do Bolsa Família, reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais. Para respaldar essas posições hipotéticas, Lula poderia convocar mobilizações com todas as centrais e movimentos sociais. Lula poderia ir além e chamar a combater os bilionários, o agronegócio, o imperialismo, o FMI e o Banco Mundial. Mas não fez e não faz nada disso, pois sua estratégia, desde longas décadas, é outra. É a colaboração com nossos inimigos de classe e a aposta institucional nos podres poderes da república dos bilionários. Além de que sua plataforma, para agradar os empresários, banqueiros e multinacionais, é o ajuste fiscal. Com austeridade não há como atender às pautas econômicas e sociais da classe trabalhadora e setores populares. Ocorre que esse caminho é que, cedo ou tarde, gera descontentamento nas bases operárias e populares e ruptura na base lulista. O fracasso do 1º de maio chapa branca no Itaquera – onde até governadores de extrema direita como Tarcísio estavam convocados – é um sintoma do distanciamento da cúpula pelega das centrais sindicais das necessidades da classe trabalhadora. A falência do projeto de colaboração de classes é o que pode pavimentar o caminho da extrema direita, vide o que ocorreu na Argentina com o fracasso do kirchnerismo e a vitória eleitoral de Milei.

2.1 – As lutas fortalecem a extrema direita?

No comando de greve nacional da FASUBRA ou assembleias de base dessa greve na UFF ou UFRJ, o campo majoritário da federação, conformado pela UNIR/PT, CTB e Resistência/PSOL, afirma que temos de ter cuidado “para a greve não fortalecer o bolsonarismo” ou ainda “que a greve é para ajudar o governo a cumprir seu programa, não é contra o governo, pois isso poderia fortalecer os fascistas”. Algo interessante é que os dirigentes do PT ou PCdoB que falam do “cuidado para não fortalecer a extrema direita”, são os mesmos que não jogaram todo seu peso para o dia 23/03 contra a extrema direita. Nem deram continuidade a esses atos.

Na visão da CST essas falas são equivocadas. São formas criativas ou envergonhadas de defender o governo Lula. É inegável que a extrema direita está contra essa greve. Em alguns lugares, como no colégio Pedro II, existem movimentos reacionários de direita contra a greve. Em qualquer postagem da greve nas redes sociais, a extrema direita nos ataca. A extrema direita está contra a greve, contra um movimento autônomo da classe trabalhadora, que reivindica salário, direitos e mais verbas para as áreas sociais. Por outro lado, tais declarações confundem os grevistas, pois a greve ocorre contra a política de austeridade do governo federal, liderado por Lula/Alckmin. O programa de Lula, neste momento, é o Arcabouço Fiscal, e não podemos ajudar ele a aplicar esse ajuste fiscal. A greve precisa ter força para arrancar mais verbas, contrariando a lógica da política econômica do governo Lula. Não deixa de ser inusitado que o Arcabouço Fiscal de Lula seja apoiado por Bolsonaro, por Temer e pelo golpista Campos Neto (presidente do Banco Central). A greve da educação federal é uma força social que questiona essa política, visando atender às pautas da classe trabalhadora. Então, sim, a greve é contra o patrão dos servidores federais, que é o governo Lula. Além disso, não podemos esquecer que inúmeros reitores biônicos bolsonaristas, interventores não eleitos pela comunidade universitária, seguem nas universidades, sem serem destituídos por Lula. Para não falar que as portarias contra o direito de greve, feitas pela extrema direita, ainda estão em vigor. Ao se negar a revogar essas medidas, é o governo Lula que deixa correr o bolsonarismo na educação federal.

O que fortalece a extrema direita são outras ações. O PT e o PL, por exemplo, fizeram um acordo que levou Nikolas Ferreira à presidência da Comissão de Educação na Câmara Federal; o MEC segue sob controle da Lemann e o NEM não foi revogado. Lula governa com golpistas como Múcio, ministros como Fufuca, lideranças do agronegócio como o ministro Fávaro, além de realizar pactos com governadores ultrarreacionários como Tarcísio Freitas. Não é por acaso que se destina 52 bilhões para as Forças Armadas golpistas e se concede aumentos para a PRF (tropas do 8J). Os acordos de governabilidade de Lula com Tarcísio, Zema e Claudio Castro são os acordos com setores ultrarreacionários. A dura realidade é que a governabilidade conservadora da frente ampla permite uma acumulação de forças para a extrema direita.

2.2 – A Unidade Popular de Allende confiou em Pinochet nos anos 1970

Um exemplo clássico de como essa política de colaboração com setores reacionários não serve foi vista na experiência do Chile de Salvador Allende. Um processo bastante conhecido da direção da corrente Resistência/PSOL. A Unidade Popular e Allende tinham confiado na cúpula militar. Eles enalteceram as forças armadas tidas como “profissionais” ou “democratas” e ligadas ao “povo”. Chegaram ao cúmulo de realizar comício com a cúpula militar apresentando-os como legalistas. Fortaleceu a cúpula militar, que contava entre seu alto escalão com nada menos do que um Pinochet.

Essa política de colaboração de classes e acordo com setores reacionários da cúpula militar bloqueou o caminho dos cordões industriais e destruiu a possibilidade de uma revolução socialista do Chile. A contrarrevolução fascista triunfou em 1973. A linha reformista de conciliar com nossos inimigos mostrou a falência da chamada via pacífica e o perigo de se confiar na cúpula militar. O Brasil de hoje, sob inúmeros aspectos, não é igual ao Chile de 1973. Porém não custa aprender desta experiência amarga. E dela extrair a lição de que não se pode confiar na cúpula militar brasileira, treinada pelos EUA, que durante a ditadura auxiliou Pinochet no Chile. A mesma cúpula militar que até hoje possui ligações estreitas e acordos militares e comerciais com os nazi-sionistas de Israel. Do ponto de vista da CST, os golpistas de 8J, como o Ministro Múcio, o GSI, ou a cúpula das polícias, não podem seguir impunes. Assim se começa a combater de fato, na ação, a extrema direita.

2.3 – A política de Trotsky contra a extrema direita

A corrente resistência/PSOL provém de uma tradição trotskista. Esse movimento contém uma variedade de organizações e posições internacionais.

De todo modo existem definições políticas e programáticas de Leon Trotsky e do Programa de Transição da IV Internacional que permanecem válidas. Algumas delas estão ligadas à luta contra a extrema direita. Trotsky lutou contra a extrema direita sem jamais perder sua identidade de classe. Criticou os comunistas que subestimaram o fascismo, propôs a unidade entre comunistas e socialdemocratas contra os nazistas e orientou lutar no campo militar republicano contra o franquismo. Nessas batalhas, defendeu piquetes de autodefesa, armamento do proletariado, greve geral etc., mas criticou a política de frente popular. No Programa de Transição afirma-se que “a impiedosa crítica da teoria e da prática da ‘Frente Popular’ é a primeira condição de uma luta revolucionária contra o fascismo”. O fato de se definir como a “primeira condição” num documento programático tão importante, não é algo menor. Significa negar qualquer sectarismo para a luta comum nas ruas, mas jamais se diluir na conciliação de classes com a burguesia ou “sua sombra”. Trotsky nunca, sob quaisquer circunstâncias, apoiou um governo capitalista. Além do que está expresso no Programa de Transição ou dezenas de textos, podemos incluir a orientação de Trotsky aos seus partidários estadunidenses do SWP.  O velho revolucionário expressou, em meio à guerra civil espanhola, que nem assim se poderia apoiar um governo burguês. Lutar no campo militar republicano sim, apoiar o governo capitalista, não. As críticas de Trotsky ao POUM espanhol, e em particular a Andrés Nin, qualificando sua capitulação à frente popular de traição, não deixam dúvidas quanto à posição de Trotsky.

Isso tudo é de conhecimento dos camaradas da direção da Resistência/PSOL. Mesmo assim a corrente Resistência/PSOL não está seguindo essa diretriz. Ela critica alguns aspectos da linha de Lula ou apoia a greve da educação federal mas não combate a frente ampla de Lula/Alckmin. Busca disputar os rumos do governo como se o governo estivesse em disputa. Ao mesmo tempo, a corrente Resistência/PSOL apoia o governo de colaboração de classes de Lula/Alckmin, tal como os partidários da corrente internacional mandelista (do antigo Secretariado Unificado). As forças mandelistas apoiaram o ingresso de Miguel Rossetto nos primeiros governos do PT e agora respaldam o ingresso de Sonia Guajajara no Ministério do governo Lula. A ironia da história é que os principais quadros da direção da corrente Resistência passaram vários e vários anos criticando as forças mandelistas e o ingresso de Rossetto nos primeiros governos de Lula. As forças mandelistas tem um longo histórico de capitulação as frentes populares e as direções traidoras.

2.3.1 – Uma política lambertista

 

O fato é que a corrente Resistência/PSOL abstrai o fato de que a frente ampla de Lula está no governo central do país e é responsável pela situação objetiva das massas (tem de governar acerca do salário, emprego, jornadas etc.). Secundariza a linha do próprio Lula em relação aos pactos com setores ultrarreacionários e a sua governabilidade conservadora. E quando considera a existência do governo Lula, o faz localizando o governo num campo burguês progressivo. Por essa via a corrente Resistência/PSOL abandona as denúncias contra o governo Lula, suas medidas e as lideranças da frente ampla no interior do movimento operário e popular, diluindo tudo no combate à extrema direita. Critica Lira e o centrão como se Lula fosse refém deles, e para ajudar Lula a sair desse suposto cativeiro, quando na realidade Lula faz esses pactos de forma consciente. Não denuncia que Lula, por seu próprio projeto, tem a linha de pactuar com setores ultrarreacionários que sustentaram o genocídio bolsonarista.

Essa linha, como já vimos, nada se parece com a linha de Trotsky e do Programa de Transição. A linha geral da corrente Resistência/PSOL em relação ao governo Lula atual é parecida com a de Pierre Lambert e da OCI francesa (cuja organização no Brasil é O Trabalho/PT) em relação ao governo Mitterrand nos anos 1980. Os países, contextos históricos e situações são distintas, mas o método de elaborar e atuar é semelhante, baseado na teoria dos campos burgueses progressivos. Não foi mera coincidência que as falas da Resistência/PSOL e da OT/PT na mesa metroviária tenham sido semelhantes em vários aspectos.

Pierre Lambert e a OCI francesa, nos anos 1980, definiam o governo francês de Miterrand como “um governo burguês e de colaboração de classes”. Ao mesmo tempo afirmavam que tal governo representava um “campo progressivo” em oposição a um “campo reacionário”, composto pelas organizações patronais tradicionais e pelas instituições da república francesa. Por fim dizia a eleição da Frente Popular de Mitterrand era “incompatível” com as instituições burguesas na França, produzindo uma “contradição insuperável” dentre outras coisas. Tudo isso era utilizado para justificar o apoio político ao governo burguês de Mitterrand.

Nos anos 1980, o dirigente trotskista Nahuel Moreno elaborou uma extensa polêmica com Pierre Lambert e a OCI. Algo que está brilhantemente sistematizado em obras como “o governo Mitterrand, suas perspectivas e nossa política” e “a Traição da OCI“. As frente amplas, os governos de colaboração de classes, não são todas idênticos. Mas o certo é que esses tipos de governo, com maior ou menor grau ou ritmos, visam desmobilizar as massas e desmoralizar as lutas, preparando retrocessos e derrotas. Ceder à sua pressão ou se integrar a elas não ajuda no combate à extrema direita.

Um das vias de se capitular as frente ampla ocorre ao se aderir a chamada teoria dos campos burgueses progressivos. Nela abandona-se a divisão da sociedade burguesa em classes e se define uma divisão entre campos “democráticos” e “autoritários”, “fascistas” e “antifascistas”. Essa política ignora uma concepção básica do marxismo, segundo a qual a contradição fundamental da sociedade capitalista é a contradição de classe entre a burguesia e o proletariado. Desse modo, essa linha aprisiona a classe trabalhadora ao campo de algum setor da burguesia dito progressista ou democrático. Nahuel Moreno, na obra “A traição da OCI”, nos explica como a direção lambertista realizava manobras para camuflar sua posição revisionista: “Em vez de dizer que apoia o governo e a coalizão frente-populista liderada por Mitterrand, como faria um stalinista ou um socialdemocrata, afirma que ‘nossa tática está dirigida contra a burguesia, e nesse combate contra a burguesia não temos a menor responsabilidade pelo governo Mitterrand’ (Projeto de Informe Político, p. 3). No entanto, basta separar as frases necessárias para se disfarçar de trotskista para que apareça a verdadeira política da OCI: ‘Nesse combate contra a burguesia, sem assumir a menor responsabilidade pelo governo Mitterrand, estamos no campo de Mitterrand em suas ações de resistência à burguesia’ (op. cit. p. 3)”. A caracterização de Moreno era categórica “O trotskismo afirma, endossado por toda sua experiência histórica, que o campo da frente popular é burguês e, portanto, contrarrevolucionário”. Segue, assim, Lenin e Trotsky, que, em contraponto a essa teoria dos campos burgueses, defenderam uma teoria oposta. Conforme nos lembra Moreno: “O eixo de sua política é o desenvolvimento da luta de classes até a conquista do poder pelo proletariado” (idem). Podemos fazer unidades de ação com quem quer que seja, para lutar nas ruas por pontos determinados, sempre batalhando para que, em qualquer manifestação unificada, se fortaleçam os setores operários. Por outro lado, as Frentes, que pressupõem programa e instâncias comuns, só podem ser concretizadas entre organizações da classe operária. Nós da CST fomos contra o ingresso do PSOL na frente ampla e a participação do PSOL no governo Lula/Alckmin e por isso rompemos com o PSOL.

A CST e nossa Internacional (a UIT-QI) seguimos partidários das definições de Nahuel Moreno e defendemos a vitalidade e validades delas. Nos discorda que a luta contra a extrema direita seja utilizada para secundarizar o debate sobre o governo Lula e sua composição de classe e o fato de que ele governa o país. Discordamos que se coloque o governo Lula como um ente à parte, como se ele não interferisse na correlação de forças com sua política de conciliação de classes. Discordamos que a luta contra a extrema direita seja transformada numa orientação que coloca a classe trabalhadora a reboque do governo Lula, diluída num abstrato “campo progressista”, se limitando a apoiar o governo ou disputar seus rumos. Do nosso ponto de vista seria o seguinte: mobilizar juntos contra a extrema direita, sim. Ceder nossa independência de classe para o governo capitalista de Lula/Alckmin, não. Em nossa visão essa é a forma dos trotskistas atuarem na luta contra a extrema direita, para esmaga-los nas ruas através da luta unificada.

Parte 3

Defendemos a unidade de ação contra a extrema direita

 

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