Quem não é consequente contra Bolsonaro?

(Este texto é primeira parte do artigo “Como combater a extrema direita?”)

1 – Quem não é consequente contra Bolsonaro?

 No debate metroviário, o dirigente do PCdoB, Nivaldo Santos, afirmou que “o núcleo fundamental da divergência” é que supostamente “igualamos Lula e Bolsonaro”. Ou seja, para ele a CST estaria numa posição “ultraesquerdista”, não diferenciando o bolsonarismo e o PT. Mas, como veremos, isso é falso.

Diferentemente do que o PCdoB diz, a CST não define que Lula e Bolsonaro são iguais. A CST participou dos atos do “EleNão”, em 2018, combatendo Bolsonaro. No segundo turno atuamos no “ViraVoto” contra Bolsonaro, fazendo campanha pelo voto crítico em Haddad-Manuela. Durante o mandato de Bolsonaro e em meio à pandemia de Covid-19, a CST foi parte da Articulação Povo na Rua (com UP, PCB, MES e outras forças) que impulsionou os primeiros atos de rua da campanha Fora Bolsonaro. Enquanto isso, o PT, o PCdoB e a majoritária da CUT, na plenária de organização das lutas populares, estava contra os atos de rua, apostando somente em ações institucionais. E o Lula pedia para que os movimentos sociais não desestabilizassem o mandato de Bolsonaro. Essa linha da frente ampla, de coligação com setores de direita como Alckmin e empresários, significou a desmobilização dos atos de rua, dando fôlego ao governo Bolsonaro. A frente ampla diminuiu a pressão nas ruas e desarmou a batalha eleitoral do segundo turno. No segundo turno, a CST fez campanha e chamou o voto crítico em Lula contra Bolsonaro, com nosso programa, de forma independente. A ironia da história é que uma postura parecida a essa que hoje Nivaldo Santos critica, em outro contexto histórico e etapa da luta de classes, foi aplicada pelo Partido Comunista da Alemanha e a Internacional Comunista, liderada por Stalin, nos anos 1930. Stalin formulou a linha do “socialfascismo”, igualou a socialdemocracia ao nazismo e se negou a atuar em comum na luta contra Hitler, deixando livre a vitória do nazismo sem qualquer luta. Nós, trotskistas, que somos parte de outra tradição marxista revolucionária, fomos contra essa desastrosa linha stalinista naquele momento. Aqui no Brasil, no mesmo período, fomos parte ativa da unidade de ação contra o Integralismo enquanto o PCB mantinha uma postura sectária (se negava a essa unidade).

Por fim, no 8J, em 2023, estivemos dentre aqueles que repudiaram a intentona golpista. Defendemos o governo Lula da tentativa de golpe e da ditadura militar. Convocamos e participamos dos atos do dia 9 e exigimos continuidade. No início de 2024, fomos novamente aos atos “Sem Anistia”, exigindo a punição de todos os que realizaram a intentona golpista. Lula não convocou essas manifestações contra a tentativa de golpe e as direções da CUT e CTB não deram continuidade à luta, nem levaram essa luta aos batalhões pesados de nossa classe, para as fábricas, refinarias, transportes, minas, bancos e grandes empresas multinacionais. Isso porque predomina uma estratégia institucional, focada no nefasto STF. Algo que até agora não surtiu resultados. Ou seja, por onde quer que se olhe, o verdadeiro problema é a linha da frente ampla e o foco meramente pela via institucional. A frente ampla é que não é consequente contra a extrema direita.

1.1 – Lenin nada tem a ver com isso…

Nivaldo Santos, do PCdoB, alega que sua defesa do apoio ao governo Lula da frente ampla estaria baseada numa suposta citação de Lenin, cujo livro “Esquerdismo – doença infantil do comunismo” ele sugeriu que fosse lido. Sem dúvida é essencial estudar detidamente a Lenin e conhecer profundamente a experiência bolchevique e a referida obra. Porém, a interpretação que Nivaldo tira de Lenin nada tem a ver com o que o próprio Lenin escreveu e fez. É verdade que Lenin combateu dogmáticos sectários e ultraesquerdistas infantis, mas Lenin jamais defendeu apoiar um governo capitalista. Nivaldo Santos é um importante dirigente do PCdoB e sabe disso, mas preferiu abusar da memória de Lenin. Nivaldo e o PCdoB poderiam citar outro dirigente russo que defendeu apoiar e integrar governos capitalistas, formulando a estratégia das frentes populares. Esse dirigente foi Stalin, não Lenin.

A proposta do PCdoB, durante o referido debate, foi o “desenvolvimento democrático e soberano”, “valorização do trabalho” e construir “novo tipo de desenvolvimento” com o “programa eleito nas urnas”. O fato é que tal plataforma, de desenvolvimento do capitalismo, apostando em governo em comum com a burguesia, gera sempre medidas contra a classe trabalhadora, como o Arcabouço Fiscal (elaborado com a participação de um ex-dirigente da UNE, quadro do PCdoB). E a erosão desses governos capitalistas de frente ampla abre espaço para a ultradireita. É o que podemos ver agora no Chile com o desgaste do governo Boric e crescimento dos setores do pinochetismo ou o que ocorreu na Argentina com o desgaste do peronismo e a vitória eleitoral de Milei. Ou seja, não é um bom caminho para combater a extrema direita.

Nivaldo Santos tenta justificar sua política de colaboração de classes afirmando que “não temos forças para fazer uma revolução”.  Mas o fato é que, desde muito tempo, o PCdoB tornou-se um partido socialdemocrata, apostando no aperfeiçoamento do capitalismo. E isso nada tem de revolucionário. Mas Lenin, fazendo chuva ou fazendo sol, com mais ou menos dificuldades, sempre batalhou para construir um partido revolucionário e para ganhar a classe operária e o conjunto dos explorados para a revolução socialista internacional. Por outro lado, mesmo quando o PCdoB, em sua fase guerrilheira nos anos de 1960, falou a palavra “revolução”, o fez sempre sem superar a colaboração de classes. Eles defenderam a “união de todos os patriotas pela independência, o progresso e a liberdade” (Ver em “Guerra Popular: O Caminho da Luta Armada no Brasil”, PCdoB, 1969). É a velha proposta de frente popular de governos em comum com setores burgueses. As concepções de Nivaldo Santos vêm de muito longe.

1.2 – A linha de apoio a Goulart do stalinismo

No caso da tradição política de onde o PCdoB provém, o stalinismo, não deixa de ser importante lembrar que a política de apoiar o governo João Goulart foi desastrosa. O PCB colocou o movimento de massas a reboque da burguesia dita nacional e nada fez para enfrentar o golpe de 1964, a implantação da ditadura militar e sua política de extrema direita. Não houve uma resistência efetiva por parte do PCB e seu peso político na classe operária, nas ligas camponesas e sindicatos rurais ou no movimento estudantil. As lutas que ocorreram na época, apesar de heroicas, foram destituídas de coordenação e freadas pelo PCB. Se confiou num suposto “esquema militar de Goulart”, deixando desarmado o movimento operário, camponês e popular. Uma derrota que custou caro ao proletariado, aos camponeses e demais setores populares.

Posteriormente, nos anos 1980, eles seguiram defendendo a frente ampla com a burguesia liberal, organizados no MDB, combatendo o surgimento do PT e da CUT. Inimigos da Independência política da classe trabalhadora e do sindicalismo grevista. O PCB e todas as demais variantes do stalinismo nacional, como o PCdoB e o MR8, defenderam essa linha. Se dependesse deles, a CUT e o PT nem teriam nascido nos anos 1980. Porém, quando o PT se aliou com a patronal, aí o PCdoB se tornou seu máximo aliado e defensor.

Parte 2

Lula está aplicando sua política de colaboração de classes

 

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