“Após este período de 16 meses, constatamos que é um governo mais recuado do que o esperado.”
Entrevistamos a companheira Dirlene, Professora da UFMG e integrante do Polo Socialista Revoluções de 2020, como candidatura ao senado em Minas.
1. Qual sua visão do primeiro ano de mandato da frente ampla de Lula/Alckmin?
2. Qual o impacto dessa linha de colaboração de classes nas lutas contra a extrema direita?
3. Qual sua opinião sobre a frente ampla nas eleições municipais de 2024?
4. Qual é a sua avaliação sobre a ideia de uma frente eleitoral envolvendo UP, PCB, PCB-RR, PSTU e outras organizações?
Como as perguntas têm uma sequência, preferi respondê-las em um texto integrado.
Nas eleições de 2022, no segundo turno, fomos para as ruas, apoiando a candidatura do Lula contra o Bolsonaro, na defesa das liberdades democráticas e contra um projeto de morte. Mesmo sabendo que não era uma candidatura que enfrentaria as bases da opressão e da exploração. Agora, após este período de 16 meses, constatamos que é um governo mais recuado do que o esperado. Trouxe pautas relevantes para o debate público como indígenas, mulheres, LGBTQIA+, racismo, meio ambiente, fazendo a diferença em relação ao governo Bolsonaro. De outro lado, pautas relativas a estes temas, ficam intocadas, como por exemplo, a demarcação das terras indígenas, o controle das mineradoras, a transição energética sem atingir as comunidades com os grandes empreendimentos, a defesa das comunidades quilombolas e da população negra, o genocídio da juventude, o encarceramento em massa, dentre outras.
Na pauta internacional, avança negociações em vistas da consolidação do G20, do Mercosul e BRICS, aumentando o protagonismo do Brasil, com uma certa autonomia em relação aos EUA, bem como a denúncia de forma contundente sobre o genocídio do povo palestino. No entanto, contraditoriamente, este protagonismo não dá sequência a medidas concreta, como o rompimento das relações diplomáticas, comerciais e militares com Israel. Na pauta democrática, o recado para sua base de apoio “não remoer o passado”, quanto ao golpe de 64, chocou toda a esquerda democrática.
Já no campo socioeconômico, o neoliberalismo cada vez mais se consolida e aprofunda. As chamadas políticas públicas distributivas, longe de viabilizar medidas que dariam independência e autonomia social, se limitam à distribuição de diferentes bolsas, como resposta de “colocar o pobre no orçamento”. A opção de colocar Fernando Haddad, homem de confiança do sistema financeiro, como o interlocutor econômico, tranquiliza o grande capital. Tranquilidade que se concretiza quando, logo no início da gestão, para enfrentar o tosco Teto de Gastos – cuja viabilidade prática revelou-se insustentável – apresenta-se o Arcabouço Fiscal. Esta sim, proposta inteligente, capciosa e viável para manter o objetivo central: perseguir a meta do Estado mínimo e continuar a manutenção dos interesses do bloco capitalista alocado ao Sistema Financeiro.
O Arcabouço Fiscal prioriza o sistema das dívidas. Desta forma, fica intocado tudo o que pode afetar este projeto, como a revogação das reformas trabalhistas e previdenciária, assim como, a Lei da Terceirização. E, as centrais sindicais, que tanto colocaram esta pauta, silenciam com o argumento de garantir a governabilidade do governo Lula/Alckimin. Mantra para justificar todo o silenciamento critico diante das medidas econômicas do Governo.
Sobre o funcionalismo público, o arcabouço fiscal tem um efeito imediato: reajuste zero para 2024, fazendo o superavit para pagar o serviço da dívida. Mas, vai além. Faz cortes em áreas essenciais para a população com medidas que nenhum dos governos anteriores ousou tomar: mexer no mínimo constitucional para a saúde e educação.
Mas, só o arcabouço fiscal, não era suficiente. Tinha de dar provas que os ricos continuariam com suas riquezas intocadas. É assim que a mídia corporativa vai aplaudir de pé a Reforma Tributária que apenas faz uma modernização na tributação referente ao consumo. Sequer toca nos impostos diretos. “Fica para depois”. O princípio histórico de pagar mais quem ganha mais, desvanece. Joga para o futuro (?). Mas, só isto não era suficiente. Esta reforma tem o poder de dar mais garantias ao capital, ao tornar constitucionais as isenções fiscais, incluindo o setor primário exportador.
Podemos dizer com segurança que, até agora, o pobre não foi colocado no orçamento princípio tão falado durante o processo eleitoral. Fica cada vez mais claro que o governo Lula ficou muito aquém da proposta eleitoral já tão recuada e do que poderia fazer. Como diz um militante histórico do PT, o Jose Dirceu: este é um governo de centro direita com a participação da esquerda.
Todas/os nós sabemos, que Lula é um brilhante político. E, tal como Bolsonaro, precisa manter sua base empolgada. É assim que radicaliza no discurso e é ultraconservador nas mudanças. E neste discurso empolgador, Lula apresenta para a sua base os argumentos da lógica do possível, para defende-lo e justificar todas as políticas governamentais adotadas. Assim, sua base de apoio de esquerda abandona a perspectiva crítica e passa a adotar o mantra do governo possível.
O povo percebe, sente as políticas assistenciais tem um efeito imediato importante mas não possibilita a independência e autonomia para as e os trabalhadores. Com isto, ficam sem perspectiva de futuro. E, abre o espaço para que a extrema direita canalize a insatisfação, denunciando a transitoriedade destes auxílios, a inflação nos alimentos, os baixos salários, o desemprego etc. Fortalecida, a extrema direita responsabiliza o governo e em seus discursos, mobiliza milhares de pessoas, sobretudo os mais pobres.
Nesta situação, chegamos às eleições municipais de 2024. O pragmatismo petista já definiu a continuidade da frente ampla nos municípios, abrindo mão de liderar as chapas para a prefeitura, sempre que um candidato que integra a base do governo federal estiver melhor colocado. Com esta frente pode até crescer e derrotar a extrema direita eleitoralmente. Isto não significa que será derrotada politicamente, na medida que trabalham com as frustrações do povo. O que está claro é que a ultradireita não será derrotada com conciliação de classes.
Neste espaço é que a esquerda social pode crescer. Este é o nosso grande desafio: conseguir mobilizar a sociedade nas lutas cotidianas contra a violência e a desumanização do capitalismo em crise e, a partir destas lutas, se tornar uma referência eleitoral. Levar a unidade nas ações para conseguir unidade em um programa mínimo para as eleições. Construindo um processo eleitoral que empolgue e ganhe o apoio popular.
Já construímos esta unidade na solidariedade ao povo palestino e no dia internacional de luta das mulheres. Somos uma referência nas lutas concretas. Esta unidade pode se concretizar em um programa mínimo que dê unidade à esquerda social para a disputa eleitoral.
A unidade na ação pode se transformar em uma unidade eleitoral e ser uma grande forca social. E cada organização, sairá fortalecida e poderá investir em candidaturas para vereador/a, intensificando a mobilização. Nossa perspectiva é que os partidos de esquerda, junto com os movimentos sociais elaborem um programa mínimo para a nossa realidade. Somente assim estaremos armados para enfrentar a extrema direita, com um programa e ações que mobilizem e sinalizem para o futuro.