“A aliança construída agora pelo PT foi ainda mais ampla (e à direita) do que a das eleições de 2002”
Entrevistamos o companheiro Zé Maria, metalúrgico e presidente nacional do PSTU. Conversamos sobre a conjuntura, o governo Lula/Alckmin, as lutas e as eleições municipais de 2024.
Confira a seguir:
Combate Socialista: Qual sua visão do primeiro ano de mandato da frente ampla de Lula/Alckmin?
Zé Maria: A aliança construída agora pelo PT foi ainda mais ampla (e à direita) do que a das eleições de 2002. No contexto político em que vivemos, isso, em primeiro lugar leva a que o programa econômico aplicado pelo governo está sendo e será ainda mais conservador e neoliberal do que o aplicado nos outros governos de Lula – é emblemático que o seu governo em 2003 começou com o anúncio do Bolsa Família, e este começou com o anúncio do Arcabouço Fiscal. Em segundo lugar, uma coisa que é comum aos governos de colaboração de classes: a capitulação, conivência do governo em relação ao aparato das Forças Armadas.
CS: Qual o impacto dessa linha de colaboração de classes nas lutas contra a extrema direita?
ZM: Há aqui dois aspectos. O primeiro é que a frente ampla de Lula trouxe para o governo boa parte dos setores que apoiaram o governo de Bolsonaro, o que agrava a tendência desse tipo de governo de capitular aos militares, e a melhor expressão disso é o Ministro da Defesa, José Múcio. A resultante disso vimos nos desdobramentos posteriores ao 8 de janeiro do ano passado. O governo tem sistematicamente buscado conciliar, não enfrentar esse setor, mesmo com evidências cada vez maiores do seu envolvimento na preparação da tentativa realizada ano passado. O segundo aspecto tem a ver com o modelo econômico aplicado pelo governo, que não apenas inviabiliza a solução dos problemas mais graves que afetam o país e as condições de vida da classe trabalhadora e do povo pobre, como vai agravar ainda mais essa situação gerando desgaste, além de aprofundar a decadência e recolonização do país. Tudo isso dá base e tende a fortalecer, dar sobrevida à ultradireita (oposição mais visível ao governo neste momento). Nesse sentido o governo de frente ampla se alimenta politicamente, ao invés de combater a ultradireita.
CS: Qual sua opinião sobre a frente ampla nas eleições municipais de 2024?
ZM: Lula e o PT, com o apoio de seus satélites, o PSOL, PCdoB, vão buscar reeditar a política da frente ampla para as eleições municipais, porque creem que esta é a melhor estratégia eleitoral que podem ter no cenário atual. Vão buscar esconder seu programa neoliberal, privatizante e que ataca interesses dos trabalhadores atrás da “ameaça da ultradireita”. Essa política pode dar certo, do ponto de vista eleitoral. Especialmente se conseguir canalizar para o processo eleitoral o descontentamento que cresce embaixo, evitando o aumento e/ou generalização das lutas.
CS: Que avalia sobre a ideia de uma frente eleitoral envolvendo UP, PCB, PCB-RR, PSTU e outras organizações?
ZM: O PSTU defende (e luta por concretizar) todo tipo de frente única e unidade de ação para a luta do movimento de massas, sempre buscando responder às necessidades concretas das lutas da nossa classe. No entanto, para nós, o terreno das eleições é distinto. Aqui o natural, como dizia Trotsky, é apresentar o programa do partido para o movimento, de lutar pela consciência das massas e da vanguarda para uma saída socialista e revolucionária para o país e, dessa forma, avançar na construção do partido.
Ocorre que a luta para ganhar as massas e a vanguarda para o programa e a saída revolucionária não se dá no abstrato, ela se materializa numa luta implacável contra os programas e saídas defendidas pelas organizações reformistas e centristas que atuam no seio da classe trabalhadora. Por isso, nesse terreno, não necessariamente a soma de várias legendas fortalece a nossa luta estratégica; pode, ao contrário, enfraquecê-la.
Veja, nesta campanha precisaremos levar adiante, em primeiro lugar, uma luta implacável contra o programa e a alternativa política representada pela frente ampla e também pela ultradireita. Mas qual programa apresentaremos à vanguarda como nossa alternativa a estas variantes burguesas e reformistas? Que programa levaríamos às massas em uma frente com a UP que, sabemos todos, não defende a independência de classe, pelo contrário, a aliança de classes é parte constitutiva de sua concepção estalinista que a leva, por exemplo, ao apoio envergonhado (às vezes nem isso) ao governo Lula/Alckmin? Ou com o PCB, que é uma variante um pouco à esquerda desse mesmo programa da UP? Qual posição sobre a guerra da Ucrânia defendem as candidaturas dessa frente? A posição do PSTU, de total apoia à resistência ucraniana, ou o apoio velado a Putin (na forma de “neutralidade”) defendido por estes partidos? Ou levaríamos às massas e à vanguarda um programa composto apenas pelas posições que fossem comuns a estes partidos, deixando de lado o abc do leninismo, que coloca a defesa do programa revolucionário como centro das nossas tarefas num processo eleitoral?
Essa é a base do nosso raciocínio. Uma frente de esquerda nestas condições só teria sentido se colocássemos a disputa do voto em um patamar mais importante que a defesa do programa revolucionário. Devemos sim, lutar pelo voto, mas este objetivo deve estar subordinado à luta pelo programa. A defesa permanente de frentes de esquerda, da somatória de diversas legendas, só pode levar, no futuro, a decepções e desmoralização. O melhor exemplo disso é o PSOL.
O PSTU, portanto, vai se apresentar com suas candidaturas nas próximas eleições. E vai lutar para que a vanguarda da classe trabalhadora e da juventude do nosso país abrace nosso programa, contra as alternativas da burguesia e do reformismo (e dos setores que ficam no meio do caminho). Além disso, como é nossa tradição, cederemos legenda para as organizações e lutadores do movimento de massas, que queiram e estejam na oposição de esquerda ao governo Lula/Alckmin.