“O governo burgo-petista não se comprometeu com o exame das contrarreformas”

“O governo burgo-petista não se comprometeu com o exame das contrarreformas”

O jornal Combate Socialista desde dezembro do ano passado vem batalhado por uma frente de esquerda independente e uma reunião conjunta das forças que não estão no governo Lula/Alckmin. Nesse sentido dialogamos com o PCB e entrevistamos Sofia Manzano. A companheira é membra do CC do PCB, integra a Comissão Política Nacional do partido. É economista, mestre em economia pela Unicamp e doutora em História Econômica pela USP. Professora de Economia da UESB e autora do livro Economia política para trabalhadores (ICP, São Paulo, 2019). A seguir você confere na íntegra as posições do PCB:

 

Combate Socialista: Qual sua visão do primeiro ano de mandato de Lula/Alckmin?

Sofia Manzano: O primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula da Silva foi marcado, entre outros fatores, pela incapacidade de iniciativa política que criasse canais de interlocução com a classe trabalhadora e os mais diversos segmentos populares e, ao mesmo tempo, redefinisse suas relações com as bases da direita no parlamento, colocando barreiras institucionais e políticas para enfrentar esse complexo agrupamento fisiológico, vulgarmente chamado pela alcunha de Centrão.

O governo burgo-petista, na consolidada conceituação do professor Milton Pinheiro, não se comprometeu com o exame das contrarreformas (previdenciária, trabalhista, ensino médio, etc.), claudicou diante de várias propostas que fez durante a campanha eleitoral, não enfrentou as questões das privatizações feitas por Bolsonaro, não redefiniu o papel da Petrobras, cedeu absurdamente às forças conservadoras e de direita no parlamento e na institucionalidade do Estado brasileiro.

Retornar ao eixo equivocado de poucas políticas públicas focalizadas não responde ao central das necessidades da classe trabalhadora e do conjunto da população, podendo inclusive ciar um descontentamento popular que pode favorecer ao neofascismo. É urgente redefinir ganhos expressivos para o salário mínimo, colocar na ordem do dia a questão da jornada de trabalho de 30 horas, avançar na reforma agrária, redefinir o papel do Estado diante da autocracia burguesa, rediscutir o orçamento da união e sua relação com o Centrão. O que o governo permitiu que fosse feito com o orçamento de 2024 é lesivo ao interesse da população. Fez cortes em diversas áreas sociais (saúde, educação, proteção contra calamidades, farmácia popular, bolsas do ensino superior, habitação popular, etc.) para facilitar as emendas parlamentares dos fisiológicos.

O governo atual tem que preservar os espaços das liberdades democráticas, recriar a Comissão sobre a questão dos mortos e desaparecidos da ditadura de 1964, reexaminar a lei da anistia, colocar na ordem do dia o debate sobre o papel das Forças Armadas e combater o legado fascista do golpe de 1964. Basicamente, no ano de 2023, o governo claudicou e foi muito limitado, até mesmo diante do que propôs na campanha eleitoral de 2022.

CS: Qual o impacto dessa linha de colaboração de classes nas lutas contra a extrema direita?

SM: É muito perigosa essa metodologia aplicada na tática política do governo Lula da Silva. Paulatinamente, a lógica de ação dos articuladores do Planalto é bizarramente marcada pela falta de enfrentamento diante da agressividade da direita, dentro ou fora do Centrão. O presidente não se dirige ao conjunto da classe trabalhadora e ao povo para debater os grandes temas nacionais. Isso poderia ser feito em grandes encontros públicos, em cadeia nacional de rádio e televisão, com ações nos grandes meios das redes de contágio da internet. Isso poderia contribuir para romper com o papel de carcereiro que o Centrão e a extrema direita exercitam no balcão de negócios do Congresso Nacional. Todavia, ao contrário disso, o governo está cedendo postos importantes nos ministérios, órgãos e empresas públicas.

Podemos afirmar com tranquilidade que nesse primeiro ano do terceiro governo de Lula da Silva, ele praticou uma efusiva política de conciliação de classes que em muito fortaleceu os setores conservadores e de direita no parlamento, e não teve iniciativa de enfrentamento com esses segmentos na sociedade. O povo e a classe trabalhadora perderam com essa política do governo. Portanto, precisamos reorientar nossas ações e adicionar uma pauta de profunda unidade de ação para soldar o campo da esquerda revolucionária nesse momento da luta de classes.

CS: Qual sua opinião sobre a frente ampla nas eleições municipais de 2024?

SM: Pensamos que nessas próximas eleições os passos políticos da esquerda revolucionária, em primeiro lugar, não devem ser o da composição de uma frente ampla com a social-democracia tardia, centro-direita, o chamado centro político dos liberais democráticos e segmentos da esquerda revolucionária. Essa postura promíscua seria deseducativo do ponto de vista político para a classe trabalhadora, segmentos populares e suas organizações. Temos que examinar coletivamente um programa mínimo que coloque em movimento amplos segmentos populares e que possa mobilizar as forças de esquerda na direção do diálogo com o povo e os segmentos proletários. É urgente, para além das questões eleitorais, abrir o debate sobre o déficit da esquerda brasileira. Contudo, também não podemos permitir a autoproclamação de algumas forças do nosso campo. O sentido da nossa luta passa pela perspectiva de soldar o Bloco Revolucionário do Proletariado e colocá-lo como instrumento de uma nova perspectiva de intervenção na luta de classes.

CS: O que avalia sobre a ideia de uma frente eleitoral envolvendo UP, PCB, PCB-RR, PSTU e outras organizações?

SM: Nós, comunistas brasileiros, organizados historicamente no PCB, sempre fomos a favor da articulação de um campo de esquerda que fosse constituído em cima de um programa de ação e de uma pauta tática que seja referenciada na estratégia revolucionária que deve nos movimentar, que é a luta pelo Poder Popular na perspectiva do socialismo. Essas consignas, no entanto, partem de um programa de lutas que seja sensível ao conjunto das necessidades do povo e da classe trabalhadora, levando-se em consideração, inclusive, o novo perfil da classe no Brasil: a forte presença da mulher, das populações pobres, pretas e periféricas, e do conjunto da população LGBTs. Esse é o sentido que deve ser construído para fazer avançar a unidade da esquerda revolucionária e seu papel na luta de classes no Brasil. As forças políticas integrantes desse instrumento coletivo serão derivadas desse processo de construção. Todavia, não podemos paralisar nossa ação por conta de perfis pequeno-burgueses que operam na esquerda a partir da janela da luta de classes. É hora de enfrentar a direita e o neofascismo nas ruas, no campo e nos locais de trabalho e moradia da classe trabalhadora. É importante que Bolsonaro e seus parceiros de crimes sejam presos, sem anistia.

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