Texto 9 – O PCB e a ditadura militar no Brasil, a política da frente patriótica.

 Everton Luiz, CST do Rio de Janeiro

Nesse texto vamos resgatar a linha adotada pelo PCB antes e durante a ditadura militar, extraindo das resoluções do partido as partes fundamentais desses textos. “As tarefas fundamentais que se colocam hoje diante do povo brasileiro são a conquista da emancipação do país do domínio imperialista e a eliminação da estrutura agrária atrasada, assim como o estabelecimento de amplas liberdades democráticas e a melhoria das condições de vida das massas populares. Os comunistas se empenham na realização dessas transformações, ao lado de todas as forças patrióticas e progressistas, certos de que elas constituem uma etapa prévia e necessária no caminho para o socialismo.” O socialismo fica para depois, quando o país tiver desenvolvido seu capitalismo.

A prioridade dos Pecebistas era Frente Nacionalista com a burguesia

Já vimos no texto anterior que a prioridade era a manutenção da Frente Nacional-Democrática mesmo quando “O movimento anti-imperialista e democrático no Brasil, em sua fase actual, se ressente de vacilações e inconsequências porque ainda não assumiu o carácter de um poderoso movimento de massas e à sua frente se encontram sectores burgueses e pequeno-burgueses”. Apesar de manifestar que deve dirigir a Frente o PCB já enxergava vacilações e possibilidades de capitulação da burguesia nacional, memo assim a orientação era, apesar das divergências e das diferentes classes sociais, partidos e setores envolvidos, enfrentar “sem romper a unidade”.

Esse novo governo poderia ser alcançado como fruto da luta das massas, nos pleitos eleitorais, ou mesmo em caso de uma postura defensiva, contra o golpe “unidas aos sectores nacionalistas das forças armadas, do Parlamento e do governo, com o objectivo de impor ou restabelecer pela força os direitos do povo.” a principal tarefa era aglutinar a classe operária e convencê-la em “ajudar a fortalecer e ampliar a Frente Parlamentar Nacionalista” inclusive esse fortalecimento combinado ao avanço democrático pavimentava o caminho pacífico da revolução.

As previsões do último Congresso do PCB se mostraram equivocadas

Embora tenha colocado o avanço democrático e a Frente Popular Nacionalista como um avanço que poderia gestar uma revolução nacional e democrática, quatro anos após a resolução do V Congresso, o que ocorreu no país foi o golpe militar de 1964. O PCB confiou na burguesia nacioal e em setore patrióticos do exército e de todos os partidos, que acabou levando a classe trabalhadora a um desarmamento brutal ante a camnhada feita pelos militares rumo ao fechamento do regime.
A direção do PCB considera correta o ingresso e a vitória eleitoral de Jânio Quadros, com seu vice João Goulart, ainda que “A candidatura Jânio Quadros exprimia, de um lado, os interesses de forças profundamente reaccionárias e entreguistas do país, que foram durante a campanha seu principal suporte político”. Depois de apoiar a eleição de Jânio, quando ele renunica, o PCB apoia a posse de João Goulart dando o poder à um setor da Frente nacionalista e democrática.

A direção do Partido comunista em seu baanço reconhece que o governo não era homogêneo, embora reconhecesse avanços no governo de João Goulart também “o governo conservava, em postos decisivos das Forças Armadas, notórios conspiradores, que articularam quase livremente o golpe de 1 de Abril.” O PCB arrastou toda a camada de operários, estudantes e camponeses a apoiar e confirar na Frente Nacionalista e Patriótica e os sucessivos governos de Jânio e Joao Goulart, quando a Frente que segundo o próprio documento “permanecia amorfo, não conseguia estruturar-se organicamente”, vê uma mudança de rumo na política geral “No início de 1964, modificou-se profundamente a correlação de forças sociais e políticas. A maior parte da burguesia nacional, arrastando consigo amplos sectores da pequena burguesia, inclusive a maioria esmagadora dos oficiais das Forças Armadas, já se colocava contra o governo e passava a proporcionar base de massas às forças reaccionárias que conspiravam para depor o governo.”

O balanço da Resolução de 1958 e 1960

Abre-se uma crise na direção do PCB, de um lado setores dogmáticos e do outro a maioria do CC. O êxito das resoluções é questionado não pelo mérito da unidade entre duas classes antagônicas como o operariado e a burguesia, mas na incapacidade de aplicar a fundo essa orientação em razão de uma confusão ideológica causada pelo setor ultra-esquerdista, que impedia o partido de vencer a etapa sectária e dogmática que enxergava “os choques entre nacionalistas e entreguistas apenas uma contradição entre as classes dominantes, e não como a expressão de um movimento real e mais amplo que se desenvolvia no país, em defesa dos interesses nacionais e da democracia.” O PCB afirma que o erro foi conclamar as massas a combater o governo burguês de conciliação de classes de João Goulart, mas não deviam ter dado tanto peso ao combate ao governo pois se tratava de da “luta contra uma força da frente única”, sendo o mais grave “passámos a dirigir o fogo principal para a luta contra a política de conciliação […]surgiu entre nós a teoria de que […] a luta contra a política de conciliação de Goulart era a forma concreta pela qual deviam ser combatidos o imperialismo norte-americano e seus agentes internos. Por tudo isso, nossa principal preocupação consistia em desmascarar os actos negativos do governo. Deixavamos, assim, de lado a necessidade de formular soluções concretas para as questões colocadas na ordem do dia, e apresentar ao governo e às massas alternativas viáveis, que contribuíssem para o encaminhamento dos problemas e o avanço do movimento nacionalista e democrático.” Ainda assim, não cabia a definição de que o principal erro foi a conciliação com a burguesia, nem mesmo a política da via pacífica ao socialismo: É certo que se manifestaram em nossas fileiras ilusões na burguesia e no “dispositivo militar” do governo. Não levando em conta que tal dispositivo se baseava no compromisso de defender a legalidade existente e se desintegrava à proporção em que o processo se radicalizava e que a legalidade se tomava objecto de ataques do próprio governo e das forças da frente única. […] As possibilidades do chamado “caminho pacífico” foram em geral erroneamente interpretadas por nós, como se a revolução pudesse ser um processo idílico, sem choques e conflitos. […] Seria completamente falso, porém, localizar nas tendências de direita a causa fundamental dos erros que cometemos na aplicação do V Congresso.” Estava dada que a maioria do CC enxergava o governo de João Goulart como seu próprio.

A Frente Patriótica e a política depois do golpe de 1964

Essa batalha ideológica entre os “sectários” e a direção do PCB levou a uma série de crises e expulsões de membros do partido antes do VI Congresso.  Essa luta que começava a ser vencida em torno da unidade nacional e isolava àqueles que criticavam a linha conciliadora do CC. Essas divergências tinham base na análise interacional e culminavam na política a ser adotada pelo partido no próximo período. A primeira dessas avaliações parte da crítica à paz conciliadora da coexistência entre a URSS e EUA: “Uma vez que a União Soviética não atende, nem poderia atender, à sua expectativa errada, passam a acusá-la de omissão e vacilação na luta e, até, de conivência com os Estados Unidos”, isso significava que “A origem da posição de muitos camaradas que afirmam serem as Teses direitistas, ou reflectirem posições burguesas, reside em falsa avaliação da correlação de forças no quadro mundial”. Fato é que nem China nem URSS formaram uma Frente Única em defesa do Vietnã, tudo envolto à coexistência pacífica.

Outra divergência fundamental era a “etapa” da revolução brasileira decididamente “nacional e democrática” essa divergência se dava com camaradas que não viam que não poderia se chegar ao socialismo no Brasil, antes de “um desenvolvimento económico democrático e independente, que abrirá caminho para o socialismo.” Colocar agora a batalha pelo socialismo “significa o afastamento do processo real que se desenvolve no país, a exclusão do movimento nacionalista e democrático — forma específica por que se vem desenvolvendo a luta contra o entreguismo e pelo progresso social.”

Há inda outra diferença a negação da existência de uma burguesia nacional, polêmica a qual o CC responde que chama de burguesia nacional aquela que: “em virtude de seus próprios interesses de classe, é levada a chocar-se com o capitalismo monopolista estrangeiro que representa obstáculos à expansão de seus negócios” e continua “[…] A participação de sectores majoritários da burguesia nacional em favor do golpe de 64 é apresentada como argumento para a tese da inexistência dessa camada. Tal participação, entretanto, apenas reflectiu o carácter vacilante e dúplice da burguesia nacional.” Nem mesmo essa coalizão burguesa pró-golpe fez com que o PCB abandonasse a ideia da Frente Única com a burguesia, sendo necessário lutar pela direção da Frente.

O PCB elabora a política da Frente Patriótica com mais firmeza e decisão, partir da resolução de novembro de 1973, é preciso lembrar que em 1968 é publicado o AI-5, o mais repressivo dos atos institucionais da ditadura.

A composição da Frente não poderia ser menos eclética “todas as forças prejudicadas pelo carácter fascista assumido pela ditadura militar se unam numa ampla frente patriótica antifascista, incluindo desde a classe operária, o campesinato, a pequena burguesia urbana, até os sectores da burguesia em choque com o regime; desde as forças políticas oposicionistas até os sectores arenistas divergentes do carácter fascista do regime”. A tarefa se mantém uma frente policlassista. “Na luta contra a ditadura fascista, os comunistas consideram necessário aglutinar todas as forças que, em maior ou menor grau, estão em contradição com o regime, incluindo não só o MDB, a Igreja e a burguesia não monopolista, mas também sectores das FFAA [Forças Armadas], da ARENA e até mesmo de alguns representantes dos monopólios, descontentes com o carácter fascista assumido pelo regime.”

A proposta de política comum entre todos os setores citados carrega ainda uma polícita contrastante com o papel dos revolucionários: “Defesa dos interesses nacionais. Contra a acção espoliadora dos monopólios imperialistas. Defesa da Petrobrás contra os contratos de risco. […]Desvinculação das FFAA da suja função de carrasco do nosso povo e ameaça à paz e à liberdade dos povos irmãos. Por uma política em que as FFAA ocupem o seu justo lugar não só de defensoras da soberania nacional, mas também no processo de desenvolvimento económico, social, científico, tecnológico e cultural, independente e democrático do País.”.

Finalizamos esse texto propondo uma reflexão sobre o papel que cumpriu o PCB que se apoiou sempre no MDB e em deslocamentos da ARENA para derrotar a ditadura, enquanto no final da década de 1970 e inicio de 1980, com o agravamento da crise econômica, entra em cena o pelotão operário com greves históricas no ABC paulista e Contagem, por exemplo. São essas greves, a organização e fundação da CUT e do PT, um partido de trabalhadores, fundado no seio da classe operário em meio ao ascenço de lutas e greves e não uma frente democrática, patriota com setores da burguesia que vai ferir de morte a ditadura brasileira. O PCB confundia a unidade de ação com a formação de frentes com a burguesia, ainda hoje essa é a principal batalha dos revolucionários construir uma alternativa política, um partido mundial que mobilize o povo pobre e trabalhador rumo a conquista do poder, do socialismo e da revolução em todo o mundo.

 

Referências

Informe de Balanço do Comitê Central do VI Congresso – Partido Comunista Brasileiro dezembro de 1967, Problemas Políticos do Movimento Comunista e Operário Internacional n°9; Editorial Avante!, Lisboa, 1976, pags. 127-166. Em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1967/12/informe.htm

Resolução Política VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro, dezembro de 1967, , Problemas Políticos do Movimento Comunista e Operário Internacional n°9; Editorial Avante!, Lisboa, 1976, pags. 127-166. Em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1967/12/resolucao.htm

Por Uma Frente Patriótica Contra o Fascismo – Partido Comunista Brasileiro novembro de 1973, , Em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1973/11/frente.htm

Resolução Política Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, dezembro de 1975, Problemas Políticos do Movimento Comunista e Operário Internacional n°9; Editorial Avante!, Lisboa, 1976, pags. 127-166. Em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1975/12/resolu-pol.htm

China: Da Revolução à restauração capitalista, Nahuel Moreno, Rio de Janeiro 2021, Agência Biblioo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *