Texto 6 – A conferência da Mantiqueira: oportunismo político na linha da “união nacional”

Denis Melo, Coordenação da CST

Após a derrota do levante armado de 1935, quase toda a direção do PCB é presa. Em 1941 é formada a CNOP – comissão nacional organização provisória – fruto do acordo dos comitês de Bahia e RJ, cujos dirigentes mais destacados eram Pedro Pomar, João Amazona, Maurício Grabois entre outros.

Há nesse momento um intenso debate entorno da aplicação de uma linha de adaptação ao regime, a ala mais a esquerda do PCB e o CR de São Paulo perde força. Com diferentes graus entre os distintos grupos da CNOP surge uma ala interna liderado pelo antigo dirigente Fernando Lacerda, que esteve no VII congresso, e que comandou o PCB na destituição de toda a direção original na fase dita “obreirista”. Ele propunha a pura e simples extinção do PCB e foi taxado de “liquidacionista”.

Em 1943 a CNOP organiza uma conferência nacional que ficou conhecida como Conferência da Mantiqueira. Não há um balanço sobre o significado da derrota do levante militar de 1935, porém de fato, aplicam uma linha ao redor da orientação de Stalin de extinguir a Internacional Comunista.

Por um lado a ala ligada a Lacerda apontava que a existência formal do PCB atrapalhava a aplicação da política de União Nacional. Essa política se apoiava em que o principal dirigente no continente americano – agora nos EUA e não mais em motevideu – defendia linha Igual para o PC Estadunidense – Earl Russell Browder. Segundo a lógica dessa ala, tratava-se de uma tática para “desmascarar” a propaganda imperialista de que os partidos comunistas eram meros representantes dos “Russos”.

Browder se converte num dos principais teóricos da transição pacífica ao socialismo, na coexistência pacífica e na colaboração com os governos de Unidade Nacional e tem enorme influência ao redor do mundo, também no Brasil com o PCB, cuja definição sobre o imperialismo já não é reacionário, mas um fator de progresso e prosperidade, como veremos mais adiante no discurso de Prestes.

Por outro lado, a ala que combatia os “liquidacionista do PCB” militavam por manter o partido constituído, porém para aplicação da mesma posição de União Nacional, ao redor de apoio a Vargas (ainda no Estado Novo) e toda política de rendição e colaboração de classes, cuja palavra de ordem passa a ser “Constituinte com Vargas”

A atuação do PCB estava voltada para o ingresso do Brasil na guerra ao lado dos aliados (EUA, UK e URSS). Os erros do período pós-35 foram creditados ao dirigente Bangu e os “desvios de direita” bem ao estilo stalinista.

Os distintos partidos comunistas aprofundavam nuances de graus sobre a adaptação ao regime burguês, uns mais que outros. Porém, em regra geral aplicaram a linha de colaboração de classe, numa “transição ao socialismo” por dentro da ordem e sendo parte do aparato do Estado.

Em outros países a aplicação mais crua dessa política levou a orientação de desarmar os trabalhadores como na Itália em que o Partido Comunista Italiano determinou que todos os militantes entregassem suas armas e o partido ingressou no governo de conciliação de classes, ocupando ministérios naquele governo.

No Brasil, do levante militar de 1935, o PCB passa a “União Nacional na Paz e na Guerra” e depois União Nacional para a Democracia e o Progresso. Vargas passa a ser um aliado progressista da classe operária e, portanto, da direção do PCB.

Essa virada é muito importante para a história do PCB e de suas variantes, porque define um giro da democracia burguesa “à esquerda”.

Com a vitória dos aliados na Guerra Mundial, há a anistia dos prestos políticos. Prestes retoma à direção do PCB. Nesse momento se consagra a linha de adaptação revisionista, coroada com o famoso discurso de Prestes em 1945 para um imenso público em São Januário. Nele, Prestes faz inúmeras homenagens à Vargas e a liquidação definitiva do fascismo e regala isto à política de unidade entre Rossevelt, Churchill e Stalin. Com essa vitória da democracia burguesa, Prestes define uma nova etapa:

“Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeira colonizador.

[…]

Na realização progressiva e pacífica, dentro da ordem e da lei, de um tal programa, está sem dúvida a única saída para a grande crise política, econômica e social que atravessamos. E é por estarmos convencidos disto que, num gesto de lealdade e de superior patriotismo, estendemos a mão a todos os homens honestos, democratas e progressistas sinceros, seja qual for sua posição social, assim como seus pontos de vista ideológicos ou filosóficos e seus credos religiosos. Só assim alcançaremos a verdadeira união nacional, sem a qual seremos presa fácil do fascismo e dos agentes do capital estrangeiro mais reacionário que, na defesa de seus interesses, fomenta a desordem e prega a desunião, geradora do caos e da guerra civil que precisamos a todo transe evitar.

[…]

Esta a nossa tarefa atual e urgente. Para levá-la a bom termo, de maneira ordeira e pacífica, é que precisamos da união mais firme e leal de todo o nosso povo, dos patriotas, democratas e progressistas de todas as classes. Contra uma unidade tão ampla só poderá ficar a minoria reacionária e fascista que ainda espera conseguir deter a avalanche democrática com golpes de estado e guerra civil. Todos juntos porém, operários e patrões progressistas, camponeses e fazendeiros democratas, intelectuais e militares, havemos de vencê-la, dirigir nossa Pátria pelo caminho do progresso e salvar nosso povo do aniquilamento físico, do atraso cultural e da decadência moral que o ameaça.”[1]

Ocorre que esse período de estabilização e Unidade Nacional entorno do governo de Vargas é muito curto. Nem mesmo o apoio do PCB que gozava de enorme prestígio entre as massas trabalhadoras consegue bloquear o crescente descontentamento com o governo Vargas e as manifestações dos trabalhadores.

Vargas renuncia ao cargo e quem assume é o General Gaspar Dutra que convoca eleições gerais e uma assembleia constituinte.

Há um crescimento do PCB tanto em filiados como no parlamento. Sua influência na juventude e em setores da intelectualidade e artistas é o que permite realizar comícios e atividades de massas.

Na eleição de 1947 o PCB faz votação histórica em centros operários do país e registram o impressionante número de 200 mil filiados. Conseguem eleger uma forte bancada constituinte com 14 deputados federais e fazem 10% para a presidência.

Ocorre que a aparente vitória e justeza da linha transitória e pacífica, logo é desmontada com as perseguições orquestradas por Dutra.

O PCB então é posto na ilegalidade, os parlamentares eleitos pelo PCB são cassados e o governo intervém nos sindicatos e muitos militantes voltam a ser presos os assassinados.

A conferência da Mantiqueira é sem dúvida um marco muito importante ao PCB e às suas variantes. Primeiro porque a direção do PCB, mesmo após a deposição de Vargas e toda a perseguição de Dutra, seguiu reivindicando a linha política de Unidade Nacional.[2]

Mesmo as correntes que rompem com o PCB, mas se mantém na órbita stalinista ou Maoísta não concluem que a raiz do problema é a política de conciliação de classe. Tornam o debate uma diferença de grau de aplicação da linha política e não se opõem ao que representou compor governo com a burguesia, por isso seguem até hoje aplicando uma política de conciliação de classe, mesmo as que parecem na ação mais combativas ou pela ação direta.

Não se tratou, portanto, de um desvio de um dirigente ou de um grupo de dirigentes, tratou-se de uma linha internacional, orientada pela cúpula stalinista que levou a dissolução da internacional num momento em que 1/3 da humanidade, cerca de 1 bilhão de pessoas naquele período, agrupados em 12 países, havia experimentado expropriar a burguesia em seus países.

Essa corrente internacional guiada por Stálin, seguida por Prestes e a direção do PCB, se converteram num obstáculo da revolução brasileira e mundial, e a conferência da Mantiqueira foi a expressão mais simbólica desse período.

[1] https://www.netvasco.com.br/news/noticias16/arquivos/20131229discursoprestes1945.pdf

 

[2] https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/49/mantiqueira.htm

 

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