Texto 13 – PCB e a chamada reconstrução revolucionária
M.Oliveira, Coordenação da CST
O PCB estava no auge de sua influência nos anos 60 e ao mesmo tempo iniciaria seu declínio. Perante o golpe de 64 esgota-se sua linha reformista e pró-capitalista e desgasta-se a estratégia de colaboração de classes com a chamada burguesia nacional. Foi uma longa crise e inúmeras rupturas em meio ao seu declínio político nacional, com rebatimentos aqui da dispersão internacional do monolito stalinista. Em 1980 seu lendário secretário geral, Luís Carlos Prestes, rompe com o PCB denunciando “O oportunismo, o carreirismo e compadrismo… a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento da direção” dentre outros problemas que ele descrevia no PCB. Em 1992 o velho partidão quase deixou de existir. Posteriormente sua direção majoritária aderiu a um projeto de social-democratização seguindo a moda que se abateu sobre inúmeros Partidos Comunistas após a Queda do Muro de Berlim. Nos artigos anteriores vimos esses processos. Aqui vamos nos deter na chamada “reconstrução revolucionária”.
A chamada reconstrução revolucionária
Após uma luta política que desembocou no polêmico 10° congresso de 1992, quando a maioria do CC decide transformar o PCB no que viria a ser o PPS, uma ala minoritária manteve o PCB. A partir daí eles definem a “reconstrução revolucionária” do PCB. Esse processo é descrito nos seguintes termos pela direção do PCB “Para definir nova linha política e o caráter do Partido, foram realizados uma Conferência Política Nacional em Brasília (1995) e dois Congressos: o X Congresso no Rio de Janeiro (1993), que ratificou o propósito de construir no Brasil uma alternativa revolucionária…; o XI Congresso, também no Rio (1996), que superou as avaliações nacional-libertadoras e etapistas que ainda vicejavam desde o racha com o PPS. Estes ricos processos de debates na militância partidária afastaram de vez qualquer formulação reformista e enfatizaram o caráter revolucionário do PCB… No mês de abril de 2000, em Xerém (Rio), realizou-se o XII Congresso. Além de aprofundar a leitura sobre a conjuntura política nacional e internacional e formular sua atuação política, os comunistas do PCB avançaram em outras questões que se colocavam para a classe trabalhadora no enfrentamento à exploração capitalista…” (ver em https://pcb.org.br/portal2/658). Tais definições acerca da afirmação de uma “alternativa revolucionária” e superação das formulações “etapistas” são interessantes pelo histórico do PCB e indicam uma tentativa de responder à crise e racha de 1992. Mas ao que parece não se mostraram inteiramente sólidas.
O PCB, em 2003, pouco depois do XII congresso, integrou o governo burguês de Lula/Alencar. Era o governo da frente ampla do PT-PL a qual o PCB se havia somado. O PCB estava no governo federal quando Lula aplicou a reforma da previdência, os acordos com FMI, nomeação de Meireles para o BC, Sarney para o Senado. No mesmo período, por exemplo, desde dentro do PT, sem integrar o governo, os chamados “radicais” realizavam críticas públicas pela esquerda. Os “radicais do PT” combateram a aliança com o PL e outros setores burgueses e denunciaram publicamente medidas econômicas de ajuste fiscal. Além de intervirem na construção da greve contra a reforma da previdência. Sofriam os processos da comissão que os expulsou em dezembro de 2003. Em junho de 2004 fundaram o PSOL, como oposição de esquerda ao governo Lula/Alckmin. Enquanto esse debate agitado, público, que reagrupou setores da esquerda e dos movimentos sociais ocorria, o PCB permanecia dentro do governo Lula e de seu vice, o industrial José Alencar. Uma posição próxima à de forças do PT como FS, AE ou a DS. O PCB só muda de posição em 2005.
O XIII congresso do PCB
Somente em março de 2005, quando da realização do XIII congresso do PCB, é que os camaradas do PCB decidem romper com o governo Lula/Alencar. Nas suas resoluções o PCB afirma que identificou “na candidatura Lula a importância histórica que está poderia representar. Esperava-se a mudança de eixo da política econômica e social e a colocação, na ordem do dia, de questões candentes como a reforma agrária, o desemprego, a soberania nacional, para com isso possibilitar o acúmulo de forças para o movimento operário e popular” e define o governo assim: “apesar de sua opção pela política econômica restritiva do desenvolvimento econômico, o governo Lula, em sua primeira metade se caracterizou como um governo em disputa” (Resoluções Políticas. XIII congresso. Belo Horizonte. 2005). Nota-se que a participação num governo burguês é definida como algo tático pelo PCB. No mesmo congresso eles definem a “participação em governos” com a condição vaga de que “haja clara hegemonia da esquerda”.
Não há dúvidas de que sair do governo burguês de Lula/Alencar foi um passo correto, embora bastante atrasado. E em nossa visão isso ocorre pois existem marcas da linha histórica do PCB mesmo nestas resoluções. Vejamos: sair do governo expressa por si só o erro estratégico de ingressar num governo capitalista como o de Lula do PT e do industrial Jose Alencar do PL. O fato de precisar romper indica como foi errado ingressar. Além disso o definem de forma equivocada como sendo um governo “em disputa”, ou seja, como se esse governo tivesse um caráter amorfo e não um gerente dos negócios da burguesia. Por outro lado, o PCB não extraiu uma lição profunda do erro que significou essa participação neste governo. Não se pode “disputar” um governo capitalista. Quando um partido socialista ou comunista entra num governo capitalista ele não modifica esse governo e nem o leva para a esquerda. Na realidade, transforma-se num partido cuja política – com mais ou menos diferenciação – legítima a ordem capitalista e a aliança com os patrões no governo. Esse tipo de governo não é da nossa classe e por isso não se pode integrá-los.
O ingresso em governos capitalistas ditos progressistas ou de esquerda é parte da antiga estratégia das frentes populares formuladas pelo movimento comunista internacional sob inspiração de Stalin e do PCUS e mantida pelos Partidos Comunistas em todo o mundo em suas várias vertentes. Foi com a estratégia das “frentes populares”, votada no VII Congresso da Comintern, que se definiu como “tática” o ingresso de um partido comunista num governo burguês de colaboração de classes. E tal linha é justificada de distintas formas: como parte de uma teoria de campos progressistas contra os reacionários e fascistas, para “acúmulo de forças” dos setores populares, “disputa de rumos”, fortalecer a “ala nacionalista do governo contra a ala entreguista do mesmo governo”, etc. Variantes de uma tese que se absteve de defender a independência política da classe trabalhadora.
O XIII e a diferenciação com os trotskistas
No XIII congresso o PCB reafirma-se que o Brasil é um país capitalista e que o caráter da revolução não seria mais “nacional burguês”, se declarando positivamente por fora do etapismo e do reformismo. Uma definição do PCB que aponta para um rumo correto. No texto o PCB critica acertadamente propostas blanquistas “pela qual um pequeno grupo revolucionários puros mantém-se organizados aguardando uma oportunidade para chegar de assalto ao poder do estado” e também criticam o “teoricismo” (Resoluções Políticas. XIII congresso). Em seguida criticam o que eles dizem ser a estratégia “trotskista”. Vejamos o que a resolução do PCB: “A visão insurrecional (vista a insurreição, aqui, como um movimento não organizado e de curto prazo, quase espontâneo, comum em grupos de ultra esquerda, de matiz Trotskista e outras, é a de que o acirramento das condições objetivas, como a fome, o desemprego e a desesperança, podem levar as massas a se rebelarem e , por meio de ações como saques a mercados e invasões de propriedade, chegar a uma grande insurreição e a tomada do poder, devendo, para isso, ser impulsionadas pelas organizações revolucionárias. Esta formulação centra-se nas camadas mais desorganizadas da população, no chamado lumpesinato e tem como uma das suas principais limitações, a própria desorganização de sua base social e o isolamento e relação aos demais segmentos da classe trabalhadora. Uma variante dessa proposição é a do espontaneísmo que julga possível e desejável a eclosão de uma insurreição ou de movimentos localizados em paralelo, sem a presença de partidos e/ou organizações do campo revolucionários em meio a massa” (Resoluções Políticas PCB. XIII congresso, pag 30).
Após acompanhar essa longa citação da resolução dos camaradas do PCB só podemos dizer isso nada tem a ver com Trotski ou com a estratégia transicional defendida pelos Bolcheviques Leninistas da Oposição de Esquerda. Nada tem a ver com o programa de fundação da IV Internacional. De duas uma: ou os autores desconhecem Trotski, o Programa de Transição e outros documentos dessa vertente do marxismo revolucionário; ou fizeram uma redação conscientemente equivocada. Seja como for, tal tipo de redação reflete algumas das caricaturas oriundas do campo Stalinista contra Trotsky e a Oposição de Esquerda Bolchevique Leninista. Distorções que o velho Partidão reproduziu em seus jornais, discursos e resoluções ao longo de várias décadas. É preciso, portanto, reparar alguns erros.
Vamos por partes. Em primeiro lugar, Trotski e a estratégia transicional da IV internacional não é adepta do “quanto pior melhor”, ao estilo dos grupos foquistas stalinistas nos anos 70. As situações de crise extrema não são o início automático da insurreição. Em segundo lugar, os trotskistas não têm como eixo de lutas as táticas de saques a supermercados, muito menos defendem que o sujeito social do levante seja o lumpemproletariado. Em terceiro lugar, o Programa de Transição está preocupado na difícil tarefa de ganhar influência na classe operária, de penetrar profundamente nos batalhões pesados da classe trabalhadora para fortalecer seus métodos de luta, para que eles sejam a direção dos explorados e oprimidos na derrubada do estado burguês, no armamento do proletariado, na expropriação da burguesia, na construção dos organismos de poder operário e popular e na construção de uma ditadura revolucionária do proletariado. Em quarto lugar Trotsky e a estratégia transicional rejeitam qualquer espontaneísmo ou ultraesquerdismo batalhando duro para unificar os revolucionários e revolucionárias num partido revolucionário operário, internacionalista, classista e com centralismo democrático para expandir a revolução para além das fronteiras nacionais e combater todo e qualquer processo de burocratização, garantindo democracia operária e defesa do poder revolucionário das tentativas da contra-revolução.
O que fizemos aqui foi uma tentativa de resumir, sinteticamente, aspectos estratégicos da “matiz Trotskista”. Para um maior aprofundamento se podem ler as Teses da Revolução Permanente, o Manifesto de Emergência e o Programa de Transição, dentre vários outros textos de Trotski. No caso do Brasil, há muitos documentos do grupo Comunista Lênin, da Liga Comunista Internacionalista, Partido Operário Leninista e o Partido Socialista Revolucionário. Nem Leon Trotski e nem os trotskistas brasileiros são donos da verdade e muito menos iluminados infalíveis. É perfeitamente possível debater ou polemizar sobre esse projeto estratégico transicional, mas para isso é preciso partir do que Trotski e os trotskistas realmente defenderam. Algo que infelizmente a resolução dos camaradas do PCB não fez.
O XIV Congresso do PCB, de 2009
Nesse congresso o PCB se diferencia da “estratégia democrática nacional” do PCB e seus tristes resultados em 1964. A resolução “A Estratégia e a Tática da Revolução Socialista no Brasil” diferencia-se da velha estratégia do PCB (como o suposto entrave “feudal” a ser resolvido pelo avanço do capitalismo). A referida resolução critica também o projeto “democrático e popular” que levou aos governos do PT.
A resolução afirma: “Um dos grandes problemas da esquerda brasileira, principalmente do PCB, como partido mais antigo e que vivenciou os principais momentos de nossa história, tem sido a busca de “modelos” estratégicos fundados nas grandes experiências revolucionárias vitoriosas do século XX. Assim, ora o Partido buscou uma estratégia insurrecional inspirada no modelo soviético, centrada na organização proletária nos grandes centros industriais, ora envolveu-se na resistência armada camponesa, como em Trombas e Formoso, ora adotou uma disputa institucional quase exclusivamente eleitoral. 17) No entanto, toda verdadeira estratégia só pode ser construída a partir de uma correta leitura das características de uma formação social concreta, suas relações sociais de produção, sua estrutura de classes, suas formas políticas e a dinâmica histórica da luta de classes, que resultam em determinadas formas de Estado. Somente com o estudo histórico e preciso da sociedade que se pretende transformar poderemos definir o campo inimigo e a possibilidade de alianças, as formas de luta, as vias estratégicas e o plano tático-estratégico a ser desenvolvido. 18) Afirmamos, portanto, que os equívocos das estratégias até então formuladas encontramse, em grande medida, na inadequada leitura de nossa sociedade. Uma formulação pode estar correta e fracassar pela correlação de forças, pela dinâmica da luta de classes ou por erros em sua condução. No entanto, acreditamos que a estratégia democrática nacional, assim como a democrática popular nos levaram aos impasses conhecidos, não pela forma como foram aplicadas e desenvolvidas, mas porque estavam incorretas em algumas de suas suposições básicas, por não compreenderem o caráter de nossa formação social e a particularidade do desenvolvimento do capitalismo brasileiro” (https://pcb.org.br/portal2/340).
A citação é longa, mas expressa alguns aspectos centrais da definição do PCB. Em primeiro lugar discordamos que “a estratégia democrática nacional, assim como a democrática popular nos levaram aos impasses conhecidos… porque estavam incorretas em algumas de suas suposições básicas, por não compreenderem o caráter de nossa formação social e a particularidade do desenvolvimento do capitalismo brasileiro”. Não duvidamos que existam suposições básicas dessas teses que são erradas. Porém o determinante, do ponto de vista da estratégia é que tanto a “democrática-nacional” como a “democrática-popular” estão erradas pelo seu etapismo e colaboração de classes que elas expressam em sua mais essência.
Não se trata apenas de “incorreção” ou “incompreensão” do caráter capitalista da formação social brasileira. No caso do PCB o caráter estanque “nacional” e/ou “democratico”, é uma análise-justificativa do etapismo e da colaboração de classes. Sabemos que essa linha foi formulada e emanada do PCUS para todo o movimento comunista (como a própria resolução do PCB o diz). Por outro lado, os formuladores do PCB historicamente enfrentaram esse debate desde os anos 30 com as forças da oposição de esquerda Internacional, que tiveram presença aqui no Brasil (ver os artigos iniciais desse especial e outros especiais aqui mesmo em nosso site). As forças da oposição de esquerda Bolchevique Leninistas e da IV no Brasil décadas atrás já defendiam que as tarefas democráticas, nacionais, antiimperialistas são parte de um processo único e ininterrupto, combinado e permanente, da Revolução Brasileira. Uma Revolução Socialista no Brasil, que necessita avançar e se expandir em escala latino-americana e mundial. Tais debates existiram dentro do próprio PCB, gerando dissidências que se somaram ao que se conheceu posteriormente como o movimento Trotskista. A primeira que deu origem a LCI, uma segunda expressa no POL e outra originando o PSR. Nos anos 60 também existiam intelectuais e organizações que criticavam as teses do PCB. Caso fossem apenas incompreensões ou erros de análise acerca do capitalismo no Brasil, numa polêmica de várias décadas, elas teriam sido facilmente corrigidas. Não foi o caso. De distintas formas o velho Partidão buscou fundamentar a colaboração de classes utilizando a via da análise histórica, social ou geográfica como um biombo. Se esquivar de realizar um balanço profundo dessa estratégia, ou abordar o tema de uma forma acadêmica criticando apenas alguns aspectos dela, é equivocado. Não ajuda a ir até a raiz do problema, nem passar em revista criticamente todos os erros que de lá saíram.
A resolução do XIV congresso do PCB afirma “a Revolução Brasileira é uma Revolução Socialista, considerando que o Brasil é uma formação social capitalista desenvolvida e monopolista, que a burguesia monopolista nacional/internacional constituiu-se em classe hegemônica e dominante; que o Estado brasileiro é um Estado burguês e que o processo político da luta de classes no ciclo recente produziu um bloco liberal burguês hegemônico e dominante, formado pela aliança entre a grande burguesia monopolista, o monopólio capitalista da terra, o imperialismo e um setor político da pequena burguesia política que, através de burocracias partidárias e sindicais e o controle de mecanismos de governo, buscam cooptar o proletariado e neutralizar suas ações; considerando ainda que um bloco proletário procura resistir na direção de uma contrahegemonia que aponta para uma meta de superação do capitalismo e da necessidade de uma sociedade socialista… Ora, sob todos os aspectos, o ciclo burguês consolidou-se plenamente no Brasil. A economia capitalista desenvolveu-se até o estágio monopolista, tendo se constituído uma sociedade civil-burguesa e um “Estado de Direito”. O capitalismo brasileiro é parte do processo de acumulação mundial e parte constitutiva do sistema de poder imperialista no mundo, e as classes dominantes brasileiras estão associadas umbilicalmente ao capital internacional…” (https://pcb.org.br/portal2/340). Tal apreciação é melhor e mais adequada que a definição anterior do velho Partidão, o que não deixa de ser interessante e positivo para os debates da esquerda brasileira. Porém, em nossa visão, ainda se manifestam insuficiências na tentativa de superar a velha estratégia. Melhor dito: persistem pressões do velho Partidão. Explicamos: o eixo sobre o qual se fundamenta a nova linha é a definição de que “A economia capitalista desenvolveu-se até o estágio monopolista, tendo se constituído uma sociedade civil-burguesa e um “Estado de Direito”. O capitalismo brasileiro é parte do processo de acumulação mundial e parte constitutiva do sistema de poder imperialista no mundo” (https://pcb.org.br/portal2/340). Em termos antigos, no jargão do PCB e dos partidos comunistas, se diria assim: o Brasil é um país “maduro” para o socialismo. E por isso a resolução tem toda uma imensa preocupação de apresentar dados que comprovem que “amadurecemos” para o socialismo. Se deseja demonstrar que já não há os ditos resquícios “feudais” tão falados pelo PCB anteriormente.
Uma estratégia mundial da revolução socialista
Em nossa opinião descartar a “matiz trotskista” sem debatê-lo a fundo é um erro. Acreditamos que um grande ponto de partida para elaborar uma estratégia revolucionária é compreender o caráter mundial do sistema capitalista e da revolução socialista na época imperialista como o faz Trotski. Esta discussão não é nova e nem é secundária. Compõem os alicerces para a construção de uma política revolucionária. Em 1928, nos debates do VI congresso da Internacional Comunista, Trotsky elaborou as seguintes questões num texto denominado “Crítica do programa da Internacional Comunista”. Ali o revolucionário russo diz que “A questão mais importante da ordem do dia do VI congresso é a adoção do programa. O caráter dele pode definir e fixar por muito tempo a fisionomia da Internacional. O importante de um programa não é formular tesis teóricas gerais (esto se reduz, no fim das contas, a codificar, quer dizer, a fazer exposição condensada de verdades e generalidades sólidas e definitivamente adquiridas), mas sim sobretudo fazer o balanço da experiência mundial econômica e política do último período, em particular da luta revolucionária dos últimos cinco anos, tão ricos em acontecimentos e em erros. De maneira como o programa compreenda e julgue esses fatos, faltas e divergências depende também a sorte da Internacional”.
Em seguida afirma sobre a “Estrutura Geral do Programa” o seguinte “em nossa época, que é a do imperialismo, quer dizer da economia e políticas mundiais dirigida pelo capital financeiro, não há um só partido comunista que pode estabelecer seu programa tomando somente ou principalmente como ponto de partida as condições ou as tendências da evolução de seu país. Isto se aplica igualmente e por inteiro ao partido que exerce o poder nos limites da URSS… O partido revolucionário do proletariado só pode basear-se num programa internacional que corresponda ao carácter da época actual, a época do maior desenvolvimento e do colapso do capitalismo. Um programa comunista internacional não é de forma alguma a soma total de programas nacionais ou uma amálgama das suas características comuns. O programa internacional deve partir diretamente de uma análise das condições e tendências da economia mundial e do sistema político mundial tomado como um todo, em todas as suas ligações e contradições, isto é, com a interdependência mutuamente antagónica das suas partes separadas. Na época atual, numa extensão muito maior do que no passado, a orientação nacional do proletariado deve e pode fluir apenas de uma orientação mundial e não vice-versa. É aqui que reside a diferença básica e primária entre o internacionalismo comunista e todas as variedades de socialismo nacional” (em espanhol disponível aqui https://www.marxists.org/espanol/trotsky/ceip/permanente/criticadelprograma.htm). Ou seja, o caráter da estratégia socialista da revolução socialista brasileira advém dessa realidade global do capitalismo.
As especificidades nacionais do Brasil são importantes, a forma como a luta de classes mundial se reflete em nosso país deve ser avaliada com seriedade, mas isso não altera este fato derivado de nossa época. As particularidades de nossa formação sócio-espacial, singularidades de nossa história, não podem ser transformadas num subterfugio para justificar “etapas” estanques. Os velhos trotskistas diziam isso de uma forma bem “brasileira” criticando a tal “revolução a retalhos”.
Isso para nada significa desprezar situações e conjunturas da luta de classes nacional ou regionais ou locais. Uma etapa de derrota como a de 1964 não é idêntica a uma etapa de ascenso como a de 1984. Um governo como Collor não é idêntico ao de Lula. Portanto devemos localizar essas questões em toda sua importância no âmbito da ação política do partido, na luta de classes do proletariado, nas propostas e palavras-de-ordem que o partido apresenta ou hierarquiza realizando análise concreta da situação específica e cada conjuntura e terreno concreto. Porém nada disso colocam em xeque sua estratégia socialista. Em nosso continente, iniciando como uma luta contra uma ditadura pro-imperialista de batista, a ilha de cuba iniciou sua revolução que terminou expropriando a burguesia. Foi num país tido como “não maduro” como a China que triunfou uma revolução que terminou expropriando a burguesia.
Acreditamos que um debate sério acerca da superação das linhas democrática nacional e democrática popular necessariamente necessita passar por uma apreciação profunda e sem estigmas acerca da estratégia transicional. Não fazer isso deixa a porta aberta para a velha estratégia do partidão. Vejamos. A resolução do 14° congresso do PCB diz “A luta em prol do Bloco Revolucionário do Proletariado exige a formação de um bloco de classes e setores sociais e suas representações político-organizativas, que, antagonizando com a ordem do capital, marchem com os trabalhadores no sentido da superação desta ordem, contrapondo à hegemonia burguesa uma contra-hegemonia proletária… A superação histórica do capitalismo e a luta pela transição socialista implicam na capacidade do proletariado, ao lutar por esta meta, de constituir uma contra-hegemonia, que articule as dimensões econômicas e políticas de sua proposta emancipadora, capacitando-o ao exercício do poder político e da direção cultural de toda a sociedade”. Aqui o PCB combate a estratégia eleitoreira, mas ao mesmo tempo afirma que “A construção do poder proletário/popular não se resume à mera negação institucional ou qualquer tipo de paralelismo autonomista, mas ocupa ativamente todos os poros da institucionalidade atual, guiada por um projeto histórico de negação da ordem capitalista”. A ocupação “de todos os poros da institucionalidade” nesta resolução abre margens para se dizer que foi correto o PCB compor um governo burguês dito progressista como o de Lula/Alencar (até 2005) ou que tal ingresso foi tático pois se poderia encaixa-lo na ocupação “de todos os poros da institucionalidade”. Porém mais complicado é que a resolução do PCB apoie e embeleze governo latino-americanos daquele momento, que jamais foram socialistas como Chavez, Evo ou Correa. No texto o apoio a esses governos e uma suposta via pacifica e eleitoral é explicito: “Não que, em tese, descartemos a via eleitoral, através da qual surgiram vários processos de mudanças em diversos países da América Latina, que podem vir a assumir um caráter socialista, a depender da correlação de forças e do protagonismo do proletariado” (texto aqui https://pcb.org.br/portal/resolucoes/EstrategiaeTatica.pdf). Na realidade todos esses governos foram capitalistas, nunca assumiram um “caráter socialista” e todos terminam mal, atacando a classe trabalhadora e setores populares. No caso Venezuelano, um dos mais famosos, e que contou com apoio do PC Cubano, Venezuelano, do movimento comunista e o PSOL a crise foi geral. Maduro acentuou o autoritarismo. Até mesmo o PCV foi perseguido. Um tema que não desenvolvermos aqui, por falta de espaço (ver a respeito nosso livro por que o chavismo fracassou?). Este apoio a governos capitalista latino-americanos, em nossa visão, é uma demonstração de que a velha estratégia etapista, com mais ou menos argumentos, seguiu vigente nesta resolução do PCB.