Texto 12 – O secretário geral do PCB rompe com o partidão
Em 1980 o lendário secretário geral do PCB, Luís Carlos Prestes, rompe ruidosamente com o partido criticando o PCB e seus dirigentes. A dissidência de Prestes chama atenção já que por longas décadas o controle do PCB em suas mãos. Porem essa ruptura não surge do nada. Ela integra a crise do PCB que inicia com a morte de Stalin e o relatório Kruchev de 1956, perpassa as teses pacifistas emanadas do PCUS e a posterior divisão internacional do Movimento Comunista em suas variantes ligadas aos PCs Chinês, Cubano, Albanês e Iugoslavo. Situação que gerou absurdos enfrentamentos militares entre estados operários burocratizados com a China atacando Vietnã em 1979. No plano nacional a falência da estratégia reformista do PCB em 1964 acelera a fragmentação do PCB e a pulverização de grupos armados de viés foquista.
Prestes rompe com o Partidão
Nos anos 1980 essa longa crise se desenrola num ambiente marcado pelo eurocomunismo no plano internacional – a adesão a teses socialdemocratas por parte dos PCs Europeus – com os quais muitos dirigentes do PCB mantinham contatos no exilio. O próprio fato de serem grandes e prestigiados partidos stalinistas como o PC Italiano e Frances já significavam muita coisa, e uma pressão objetiva, para os debates do âmbito dos movimentos comunistas internacionais e da esquerda em geral.
No âmbito interno, nacional, há uma mudança na situação da luta de classe com o acesso operário do ABC e a retomadas das lutas pela derrubada da ditadura. É o período do surgimento do PT e da CUT por fora e contra a linha de frente ampla e pacto social do PCB.
Nesse novo cenário, de fins dos anos 1970 e início de 1980, a velha crise do Partidão se aprofunda. E somente então que chegamos a ruptura de Prestes com o PCB. Vejamos o que diz o líder histórico do PCB em sua “Carta aos Comunistas”: “O oportunismo, o carreirismo e compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento da direção, os métodos errados de condução da luta interna, que é transformada em encarniçada luta pessoal, em que as intrigas e calúnias passam a ser prática corrente da vida partidária adquiriram tais proporções, que me obrigam a denunciar tal situação a todos os comunistas… Quero lembrar ainda que, para cumprir o papel revolucionário de dirigir a classe operária e as massas trabalhadoras rumo ao socialismo, é necessário um partido revolucionário que baseado na luta pela aplicação de uma orientação política correta conquiste o lugar de vanguarda reconhecida da classeoperária. Um partido operário pela sua composição e pela sua ideologia, em que a democracia interna, a direção coletiva e a unidade ideológica, política e orgânica seja uma realidade construída na luta. Somos obrigados a reconhecer que este não é o caso do PCB. Por isso mesmo, tornou-se imperioso para todos os comunistas tomar consciência da real situação existente e começar a reagir, formulando novos métodos de vida partidária realmente democráticos e efetivamente adequados às tarefas que a luta revolucionária coloca diante de nós” (disponível aqui https://www.marxists.org/portugues/prestes/1980/03/carta.htm). São as críticas de um dos mais cultuados dirigentes stalinistas do PCB, tornadas públicas somente quando se consolida a perda de sua influência na direção do partidão.
Muitas críticas e alertas foram realizadas antes
Note-se que muitos aspectos criticados por Prestes em 1980 já eram alvejados muitas décadas antes por Comunistas excomungados do PCB nos anos 30 e 40. Aqui mesmo nesse especial você pode ler grande parte delas, onde se vincula os métodos burocráticos a estratégia reformista, “kuomitanguista”, frente-populista do PCB. São as denúncias dos que originaram os Bolcheviques Leninistas da Oposição de Esquerda e posteriormente a IV Internacional no Brasil (ver os primeiros artigos). Eram momentos onde divergir era sinônimo de traição e gerava expulsão do partido. Isso no melhor dos casos, pois muitos opositores que se reivindicavam marxistas foram assassinados na URSS, China, Vietnã ou em outros países pelas mãos da GPU stalinista.
No entanto, os dirigentes do PCB, dentre eles Prestes, sempre destratam os críticos marxistas e revolucionários com epítetos de “contrarrevolucionários” e até mesmo de “fascistas”. Durante muitos anos houve até um artigo específico, o de número 13, no estatuto do PCB que definia que “Nenhum membro do Partido pode manter relações pessoais, familiares ou políticas com trotzkistas ou com outros inimigos reconhecidos do Partido, da classe operária e do povo” (sic). (Ver o estatuto na íntegra aqui https://www.marxists.org/portugues/tematica/1945/11/estatuto-pcb.pdf).
IX congresso de 1991
Após a ruptura de Prestes, os grupos majoritários no PCB aprofundam o giro em direção a socialdemocratização. Isso alcançou seu auge no IX congresso do PCB em 1991. Numa publicação oficial do Partido se avalia as votações daquele congresso da seguinte forma: “Sendo pioneiro, na esquerda brasileira, a iniciar o processo de profundas mudanças em sua política, estrutura e funcionamento interno e direção nacional, o Partido Comunista Brasileiro rompe com dogmas e mitos, verdades absolutas e estereótipos, concepções atrasadas e análises estreitas dos fenômenos sociais… O IX congresso do PCB, concluído nos primeiros dias de junho último, constituiu um acontecimento político de expressão nacional” (O que mudou no PCB?, 1991). O discurso parece bonito e jovial, mas é apenas uma embalagem nova para um projeto reformista de transformação numa legenda social-democrata, no contexto de queda das ditaduras burocráticas stalinistas no leste europeu. Liderados pelos deputados Roberto Freire e Sergio Arouca o PCB definiu que a “construção do novo socialismo exige um novo operador político – a expressar em um novo modelo e nova concepção de partido profundamente democratico…. uma nova forma-partido, com uma nova teoria-política do movimento socialista e da nova realidade do mundo, resgatando o melhor da tradição do pensamento marxista”. É uma palavreado com verniz de “esquerda renovada e plural” mas que desemboca no projeto do PPS, fundado em 1992. E o estopim que gera a implosão do PCB, quando uma ala minoritária se negando a aceitar o congresso oficial, o denunciando como fraudulento, e decide manter o PCB.
O PPS posteriormente apoia o governo burguês de Itamar e integra a pasta de “reforma” agrária do governo FHC com seu dirigente Raul Jungmann (um governo que assassinava as lideranças do MST). Atualmente o PPS é um partido de direita denominado de Cidadania.