Texto 11 – A ruptura maoísta no PCB: programa e estratégia do PCdoB e PCR

Texto 11 – A ruptura maoísta no PCB: programa e estratégia do PCdoB e PCR

M. Oliveira, Coordenação da CST

Aqui neste especial já tratamos das primeiras rupturas do início do PCB que originaram a oposição de esquerda bolchevique leninista e, posteriormente, das dissidências que deram origem ao PSR (seção da IV internacional no Brasil). No último artigo analisou-se as divisões que se mantiveram no âmbito do campo stalinista em suas várias versões. Todas mantendo a frente popular como estratégia. Aqui vamos abordar especificamente as rupturas dos anos 60 que se movimentaram em direção ao PC Chinês, aderindo as concepções do campo maoísta. Foi o PCdoB e de uma de suas dissidências, o PCR.

É preciso lembrar que Stalin morreu em 1953 e que em 1956 ocorreu o XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), nele Nikita Khrushchov denuncia os crimes de Stalin, o culto à personalidade e lê trechos do testamento de Lenin contra Stalin. É um dos marcos da crise ruptura do movimento comunista/stalinista. No Brasil o PCB vai se fragmentar em uma infinidade de partidos (PCdoB, PCBR, ANL, Dissidência da Guanabara/MR8). A ruptura que deu origem ao PCdoB em 1962 definiu o PCB como “revisionista” e “reformista”. O PCdoB agrupou uma ala de dirigentes que se manteve fiel ao Stalinismo e rompeu com o PCUS e se alinhou ao PC Chinês. Porém o PCdoB de viés Maoísta, originou dissidências, como a “Ala Vermelha” e outra, localizada no Nordeste, que funda o PCR em 1966. Na ruptura com o PCdoB, o PCR se afasta do PC Chinês, mas manteve as concepções do campo Maoista (como por exemplo a tese da Guerra Popular Prolongada a partir do Campo). A ruptura com o PCdoB está ligada a divergências politicas e diferenças definição do local onde se lançaria a luta armada e a protelação com que os planos do PCdoB eram adiados.

O programa e estratégia do PCdoB (parte 1)

O PCB nas vésperas dessas rupturas está sob a orientação da Declaração de Março de 58, cujos delineamentos foram votados pelo V congresso do PCB de 1960. O PCB propunha abertamente a aliança com a burguesia “o objetivo consiste em isolar o inimigo principal da nação brasileira e derrotar a sua política. Já a luta do proletariado dentro da frente única não tem por fim isolar a burguesia nem romper a aliança com ela, mas visa defender os interesses específicos do proletariado e das vastas massas, simultaneamente ganhando a própria burguesia e as demais forças para aumentar a coesão da frente única” e o caminho pacífico “Os comunistas consideram que existe hoje em nosso país a possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução antiimperialista e antifeudal. Nestas condições, este caminho é o que convém à classe operária e a toda a nação… O caminho pacífico da revolução brasileira é possível em virtude de fatores como a democratização crescente da vida política” (Grifos nossos. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1958/03/pcb.htm).

Essa linha, que levou o PCB ao imobilismo mais absurdo diante do golpe de 64. Enquanto setores da classe operaria, da classe trabalhadora, dos estudantes, camponeses e marinheiros pensavam em resistir, a linha do PCB foi unicamente esperar pela burguesia nacional e pelo “operativo militar de Goulart”.

Essa linha desastrosa e inoperante em 64, combinada a divisão do movimento stalinista internacionalmente, são o pano de fundo das rupturas do PCB. Nesse contexto surge o PCdoB. Corretamente critica o pacifismo do PCB e do PCUS, mas sem romper com sua estratégia.

O PCdoB manteve a estratégia etapista e frente-populista do PCB

Um exemplo de que a revolução por etapas, com tarefas democrático-burguesas, se manteve nas várias versões do stalinismo dos anos 1960 pode ser vista no próprio PCdoB. Eles polemizavam com o PCUS liderado por Kruchev e criticavam o apoio da URSS ao PCB. Em 1963 o PCdoB afirmava que luta pela derrubada do atual regime de latifundiários e grandes capitalistas e pela instauração de um regime efetivamente popular, único capaz de realizar as transformações indispensáveis ao progresso do paísao bem-estar do povo e à obtenção da completa independência nacional… luta por um governo popular revolucionário que represente as classes e camadas progressistas da sociedade brasileira e que substitua o poder dos latifundiários e grandes capitalistas… luta irreconciliavelmente contra o governo de latifundiários e grandes capitalistas, desmascara suas manobras, não inculca ilusões nas massas a respeito do caráter do governo de Goulart… com o propósito de realizar a revolução nacional-libertadora, democrática e popular, empenha-se na formação de uma frente única de todas as forças revolucionárias da sociedade brasileira, tendo como núcleo fundamental os operários e os camponeses… julga que, na presente situação, as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução e, por isso, o povo, sem deixar de utilizar todas as formas de luta legais, deve se preparar para a solução não pacífica… apresenta um programa revolucionário, proclama seus fins socialistas, afirma abertamente sua adesão aos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, não esconde seu nome nem sua natureza de classe… luta para assegurar a hegemonia do proletariado na revolução” (Grifos nossos. Disponível aqui https://www.marxists.org/portugues/tematica/1963/07/27.htm).

Como se vê são críticas ao pacifismo do PCB e sua linha de ir a reboque da dita “burguesia” nacional, mas que ficam, congeladas no nível da forma e do grau, sem superar a linha stalinista. Por isso o PCdoB propunha uma fase ou etapa de “instauração de um regime efetivamente popular único capaz de realizar as transformações indispensáveis ao progresso do país” e tem como tarefa “o propósito de realizar a revolução nacional-libertadora, democrática e popular”. Ao mesmo tempo todo o palavreado retorico sobre a “hegemonia do proletariado” não exclui a frente popular com a burguesia e é por isso que o PCdoB defende “um governo popular revolucionário que represente as classes e camadas progressistas da sociedade brasileira” e “uma frente única de todas as forças revolucionárias da sociedade brasileira”. A frase sobre o PCdoB afirmar “seus fins socialistas” é assim melhor compreendida. De forma retalhada os tais “fins”, são uma fase posterior indefinida no tempo, asfixiando a estratégia socialista. Eles dividem o programa entre uma fase imediata estagnada e outra futura “socialista” congelada num tempo indeterminado.

“Guerra Popular: O Caminho da Luta Armada no Brasil”

O Comitê Central do PC do B publicou um documento em Janeiro de 1969, denominado “Guerra Popular: O Caminho da Luta Armada no Brasil”. Nele demarca suas nuances com outros levantes armados da história brasileira e se diferencia do foco guerrilheiro cubano e do “revisionismo soviético”. Mas novamente sem romper com a estratégia etapista e de bloco político com as forças burguesas. O documento de 1969, que ainda hoje é reivindicado por grupos maoístas brasileiros, é explicito: “E, na grande contenda da guerra popular, o povo brasileiro irá se unindo cada vez mais, forjando a união de todos os patriotas pela independência, o progresso e a liberdade. Os operários e camponeses, a parte mais sofrida da população, numa aliança indestrutível, constituirão a base desta união. Dela participarão os mais amplos setores populares, todos os brasileiros que não compactuam com a ditadura nem querem ser lacaios dos imperialistas ianques. Empunhando as armas, o povo brasileiro acabará derrotando as forças armadas da reação” (https://www.marxists.org/portugues/tematica/1969/01/luta.htm). É a proposta de frente popular, de alianças para governar com “todos os patriotas pela independência, o progresso e a liberdade” A união política com “todos os brasileiros que não compactuam com a ditadura nem querem ser lacaios dos imperialistas ianques” junto com os operários e camponeses. Logicamente uma frente popular, porem mediada pelo fuzil de Mao-Tse-Tug o que lhe dá um ar mais “radical”. Mas a fraseologia que aparenta ser combativa também aparece quando dizem que a “estratégia do Partido, definida em seu Manifesto-Programa, é a conquista de um governo popular revolucionário através da luta armada, da guerra popular”. Mas infelizmente é uma aparência pois no parágrafo seguinte explicam do que se trata esse “governo revolucionário”: “a este objetivo subordina-se a tática do Partido, expressa na política de união dos patriotas, concentração dos ataques no imperialismo ianque e na ditadura militar, ações de massas cada vez maiores nas cidades e no campo, primazia para o trabalho no interior e utilização de todas as formas de luta, preparação e desencadeamento da luta armada, que é a essência desta tática”. Prima a “política de união dos patriotas” onde estão incluídos empresários ditos “patriotas”. E o foco da estratégia é reduzido a “concentração dos ataques no imperialismo ianque e na ditadura militar”. Repare bem que estão de fora outros Imperialismos como os Europeus e também amplos setores patronais da burguesia verde-amarela.  Ou seja, desde que atire ou aceite que o fuzil esteja presente, o PCdoB e as forças guerrilheiras maoístas pode pactuar com os “patriotas” que se opõem ao “imperialismo ianque” e a “ditadura militar” e com eles formar o que eles definem como “governo revolucionário”. É uma colaboração de classe com setores da burguesia liberal brasileira não ligada aos EUA. É louvável a abnegação dos jovens que se deslocaram ao Araguaia, tomando contato com o campesinato amazônico, liderados pelo dirigente Mauricio Grabois, para desde aí tentar desencadear uma guerrilha contra os gorilas da ditadura brasileira. Mas esse esforço heroico, além de isola-los do movimento de massas geral, desconectar a luta das massas rurais das lutas do conjunto do movimento operário e popular, tinha como estratégia uma concepção etapista. Nosso repudio aos assassinatos de quadros e dirigentes do PCdoB, a exemplo do nefasto massacre da lapa, nosso repudio ao massacre da guerrilha do Araguaia, não significa concordância com sua política ou sua estratégia.

Com armas ou sem armas os stalinistas seguem etapistas e frente-populistas

O fato do PCdoB propor a luta armada não difere muito de algumas formulações do PCB. A diferença estaria no grau por se lançarem a guerrilha tomada como uma estratégia em sí, ao estilo maoísta, algo que o PCB nunca fez. Foi o que também ocorreu com grupos que se lançaram a linha do PC Cubano e ao foco guerrilheiro. Mas o PCB teve linhas ultraesquerdistas, armadas, como o desastrado levante de 1935 via ANL (Aliança Nacional Libertadora). O PCB no Manifesto de Agosto de 50 propunha um “Exército Popular de Libertação Nacional” nos marcos de uma unidade policlassista “Unamo-nos, todos, democratas e patriotas, acima de quaisquer diferenças de crenças religiosas, de pontos de vista políticos e filosóficos homens e mulheres, jovens e velhos, operários, camponeses, intelectuais pobres, pequenos funcionários, comerciantes e industriais” e por um “governo democrático e popular” nos seguintes termos “por um governo revolucionário, emanação direta do povo e legítimo representante do bloco de todas as classes e camadas sociais1, de todos os setores da população do país que participem efetivamente da luta revolucionária pela libertação nacional do jugo imperialista, sob a direção do proletariado” (Grifos nossos. Disponível aqui https://www.marxists.org/portugues/prestes/1950/08/01.htm). É o momento em que alguns militantes do PCB realizaram experiências limitadas e localizadas de luta armada camponesa em Porecatu/Paraná e Trombas e Formoso/Goiás. Em seus eternos zig-zags o PCB – acompanhando as orientações de Stalin –  girava ao ultraesquerdismno ou oportunismo mas sem romper com o etapismo e sua estratégia burguesa “nacional” e “anti-imperialista”, com armas ou sem armas. E mais acima já vimos como isso terminou mal em 1964.

As posições do PCdoB após sua fase guerrilheira

O PCdoB, nos fins 78 e início de 79, adotou praticamente as mesmas teses do PCB de uma frente democrática da oposição, participação no MDB, críticas a fundação do PT e um governo policlassista denominado de “governo das forças democráticas e da unidade popular”. Em sua 7° conferência afirmava que “a conquista da completa liberdade não era o fim em si mesmo. Correspondia a uma fase necessária do processo político em curso e deveria servir ao avanço das lutas libertadoras” e como sempre a etapa atual é embrulhada numa fase indefina pela “criação de um novo regime de democracia popular” que seria um degrau da “marcha para o socialismo”.

No início dos anos 80 o PCdoB rompeu com o PC Chinês e se aproximou do comunismo da Albânia (tida como o grande exemplo contra o imperialismo, por um lado, e revisionismo chinês, russo e cubano, por outro). Nos anos 1990, em seu VIII congresso, após a queda do Muro de Berlin, o fim da URSS e do comunismo Albanês, o PCdoB reviu tudo isso e buscou relações com todo os países ditos “socialistas”, do que alguns chamavam do “socialismo realmente existente”. E o que se pode ver no informe político de seu VIII congresso de 1992 “As forças de vanguarda resistem, em condições muito difíceis. Fomos duramente atingidos. Mesmo antigas referências da luta antirrevisionista, como o PTA, capitularam, mudaram de campo. Todavia, alguns países onde a revolução triunfou, como Cuba, Vietnã, Coreia do Norte e China Popular, mantêm-se decididos a levar adiante a causa que defendem… E há entre os partidos que haviam adotado o revisionismo do PCUS um empenho salutar visando reorientar suas posições político-ideológicas”.

A derruba das ditaduras stalinistas levou que até João Amazonas, patrono stalinista do PCdoB, tentasse se fazer passar por menos dogmático. Ele até ensaiou críticas parciais a Stalin, sempre no mesmo tom do informe do velho informe de Kruchev “Stalin defendeu o leninismo, mas, Stálin, revelou também deficiências, cometeu erros – alguns graves – equivocou-se em questões importantes da luta de classes. (…) Não somos stalinistas, tampouco somos antistalinistas” (https://pcdob.org.br/noticias/o-socialismo-vive-8o-congresso-do-pcdob-1992/). Se tratava de tentar defender o PCdoB, realizando críticas superficiais e parciais, sem romper com sua matriz teórica, em meio a um cenário complexo para os stalinistas.

PCdoB nos anos 1990 e o programa dito “socialista”

Para buscar um ar pela esquerda ao velho partido diziam que “O enfrentamento ao neoliberalismo” gerava “o novo caráter de uma revolução sem etapas” e isso motivava a busca de um novo “programa socialista”. O informe de Renato Rabelo propõe uma Conferência para tratar “de apresentar um Programa de socialismo para o Brasil”. O PCdoB se reafirmava marxista-leninista e do “socialismo cientifico” e declamava a “superação” do “etapismo” realizando críticas a burguesia…. mas a verdade realmente existente era que sua direção armava o giro a uma paulatina social-democratização do PCdoB. Vejamos, como se processa essa operação à direita, utilizando frases eloquentes de esquerda.

É importante analisar o tal “programa socialista” para além dos discursos e da fraseologia reivindicando Marx e Lenin, o que encontramos é uma formulação ambígua que não cumpre a promessa de superar o etapismo. Há sim uma roupagem mais à esquerda, uma fraseologia próxima a de outros partidos ou organizações stalinistas que também se diziam partidários de um programa “socialista” mas sem nenhuma superação programática de sua matriz de colaboração de classes.  Daremos exemplos. O primeiro pode ser encontrado nas “Considerações gerais”. É algo nítido quando se reafirma um eixo “nacional e democrático”: “O PROGRAMA do PCdoB deve levar em conta as peculiaridades do país, sua formação histórica, seu desenvolvimento contido, suas tradições de lutas populares, seu proletariado industrial recente – um país atrasado e submetido ao imperialismo no qual o fator nacional e democrático tem sido elemento motivador e dinamizador dos movimentos progressistas. O Programa deve considerar também o estágio do desenvolvimento econômico e a correlação de forças estratégicas no plano mundial” (https://www.marxists.org/portugues/tematica/1995/12/prog_pcdob.htm). E logo depois quando, de forma envergonhada, retomam as “etapas” numa formulação ambígua, requentando formulações que também foram utilizados por outros partidos do espectro stalinista:  “32. A CONSTRUÇÃO do socialismo, visando a meta do comunismo, é processo complexo que engloba várias fases. Possivelmente, no Brasil, a transição do capitalismo ao comunismo, que compreende todo um período histórico, terá três fases fundamentais: a da transição preliminar do capitalismo ao socialismo; a da socialização plena; e a da construção integral do socialismo e passagem gradual ao comunismo. São fases interligadas e sem limites rígidos, de duração relativamente larga, que comportam também etapas intermediárias...”. Posteriormente encontram uma forma de conter e congelar as tarefas do programa em cada uma das estações que eles próprios definiram, sobretudo na primeira: “33. A FASE da transição preliminar do capitalismo ao socialismo realizará gradativamente as transformações indispensáveis. Nesta primeira fase não haverá confiscação geral, socialização total, expropriação generalizada. As medidas radicais, ligadas às exigências iniciais da construção socialista, terão cunho parcial. Em qualquer circunstância, será respeitada a propriedade pessoal conseguida com esforço próprio, honesto”. Um segundo exemplo pode ser analisado na parte da “A construção econômica” quando se define que “41. NA PRIMEIRA fase da transição, além de uma economia coletiva, propriedade do povo, haverá espaço para o desenvolvimento do capitalismo, em especial sob a forma de capitalismo de Estado” e “42. A ECONOMIA socialista será centralizada e planificada para impedir a dispersão e a anarquia da produção. Mas a planificação atingirá somente os setores fundamentais. Manter-se-ão os mecanismos de funcionamento do mercado, operando particularmente na área de distribuição de bens de consumo e de serviços e sinalizando as exigências da sociedade”. Por fim “48. A ECONOMIA capitalista de Estado compreende as concessões a empresários particulares, nacionais e estrangeiros, para incrementar indústrias e serviços necessários ao progresso do país” e “49. A PROPRIEDADE privada compreende o livre funcionamento de pequenas e médias indústrias; de empresas industriais e de serviços que contribuam para o desenvolvimento nacional; do comércio privado em setores circunscritos; dos proprietários rurais admitidos pela reforma agrária”. As citações são longas mas explicitam nitidamente a estratégia nada “socialista”, nem Marxista, nem Leninista do PCdoB.

Os discursos ficaram no papel. Tratou-se de tentar dar uma nova roupagem ao velho PCdoB stalinista cuja sua referência Albanesa desmoronava. Mas não superaram a visão etapista de antes. As propostas do programa do PCdoB são uma espécie de modelo econômico de economia capitalista mista, estatal e privada, ao estilo do que se pratica na China. A verdade é que nos anos 90 o PCdoB vai girando à direita, processo que culmina em sua participação no governo de colaboração de classes de Lula/Alencar e Dilma/Temer.

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O programa e estratégia do PCR (parte 2)

Como afirmamos mais acima, em seu conjunto as várias rupturas do PCB não conseguiram fugir do etapismo e do frente populismo stalinista. O documento fundacional do PCR, a “Carta aos jovens comunistas Universitários”, escrita por Manoel Lisboa, é um exemplo disso. Aqui não se trata de um demérito pessoal. Reconhecemos o heroísmo dos jovens comunistas, como Manoel Lisboa, que negaram o pacifismo do PCB e foram absurdamente assassinados pela ditadura militar. Porem nosso objetivo aqui é analisar sua estratégia e programa.

O documento do PCR afirma que A contradição principal que se manifesta em nossa sociedade é aquela entre o imperialismo norte-americano e nosso povo … A burguesia nacional constituída em sua maioria de pequenos e médios industriais e comerciantes, por temor ao proletariado e ao movimento de massas, se alia ao imperialismo ianque, como ocorreu no período que antecedeu ao golpe. Porém, passa a hostilizar o imperialismo e seus agentes internos, quando estes praticam uma política que lhes é prejudicial, como ocorre atualmente. Contudo, ainda mesmo os seus elementos mais progressistas não conseguem formular e levar à prática uma luta conseqüente contra o imperialismo e o latifúndio, que se constituem em obstáculos a sua expansão como classe. a burguesia nacional em nossa pátria, como as burguesias nacionais do mundo subdesenvolvido, é incapaz de dirigir e realizar a luta contra o imperialismo e o latifúndio e capitula diante dessas forças (Grifos nossos. Disponível aqui https://www.marxists.org/portugues/lisboa/1966/mes/carta.htm).

Nota-se que se define a situação ao redor dos campos “nacional” versus o “imperialista”. No plano nacional ainda se nota a presença da luta contra o “latifúndio” como se o campo industrial fosse menos reacionário que o campo “agrário”. Do mesmo modo que o PCdoB, de onde o PCR provem, a diferenciação com o PCB é de “grau” criticando a burguesia “nacional” por ser “incapaz de dirigir e realizar a luta contra o imperialismo e o latifúndio”. O caráter da revolução é igual ao do PCB: é etapista, primeiro numa fase “nacional”, “democrática” e “anti-imperialista” e contra o “latifúndio” ou “agrária”. O PCR stalinista, presos as suas antigas concepções, não conseguiu definir a burguesia brasileira como social menor do imperialismo e nem superar esse velho esquema de uma suposta contradição “indústria/progressivo” versus “latifúndio/atrasado”.

A crítica a “incapacidade” da burguesia de dirigir a “luta” era parte da ruptura com o PCB e é uma marca comum das organizações que romperam, como o PCdoB maoísta ou castristas. Esse era o “grau” de diferença pois o PCB capitulou a chamada “burguesia nacional” e nada fez diante do Golpe Militar de 1964. A revolução por etapas, com tarefas democrático-burguesas e nacionais, se mantinha nas várias versões stalinistas. A diferença era que setores como o PCdoB ou PCR ou outros grupos Guerrilheiristas diziam que a burguesia não poderia dirigi-la e aí se introduziam um palavreado de “hegemonia do proletariado” para dar um verniz de esquerda a capitulação da colaboração de classes. Outras até falavam do “socialismo” mas sem romper de verdade com o etapismo.

Os Maoístas e outras frações do stalinismo nunca renegaram a proposta de frente popular, de conciliação com a burguesia. Explicitamente o PCR afirma em seu documento fundacional, após sua ruptura com o PCdoB: “Sobre o segundo tipo de aliança, ou mais precisamente a frente única com a burguesia nacional, autenticamente nacional, submetida também ao imperialismo ianque, a condição básica para sua efetivação é a formação das forças armadas populares através do próprio desenvolvimento da guerra popular” (idem).

O fato de que a estratégia se manteve de pé pode ser vista anos mais tarde quando o PCR decide pela fusão com o MR8, uma outra dissidência do PCB. Dizem os camaradas do PCR “Em julho de 1981, os militantes do PCR, com a finalidade de melhor se articular nacionalmente para realizar sua agitação política e um trabalho de massas mais amplo, visando a unidade das forças comunistas brasileiras, decidem pela fusão do Partido com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)” (https://pcrbrasil.org/pcr/historia/). Nos anos 80 o MR8 tinha com eixo de atuação o MDB e foi uma das organizações que combateu a fundação do PT. A linha do MR8 nos anos 80 não diferia muito da linha do PCB, não por acaso o MR8 teve uma forte dissidência que optou por voltar ao PCB. O PCR somente rompeu com o MR8 em 1995. De acordo com eles pois “Contudo, essa nova organização agora surgida não conseguiu dar conta de suas tarefas e pouco a pouco foi se afastando dos princípios revolucionários, da forma leninista de Partido e conciliando com os interesses de uma suposta burguesia nacional anti-imperialista” (idem).

A reconstrução do PCR no final dos anos 1990

Em 1998 realizam um congresso e iniciam a “reconstrução” do PCR. Nesse congresso eles votam um documento que marca sua demarcação com as concepções maoístas. Posteriormente definem sua entrada, em 2001, na Conferência Internacional de Partidos e organizações Marxistas Leninista, como o Partido Comunista Marxista-Leninista do Equador. Seguem integrando o campo stalinistas, agora sob a linha Internacional de Henver Hoxha. No plano latino americano reivindicando o PC Cubano.

Em seu III congresso, em 2003, o PCR aprova um documento com sua estratégia. É o documento “O PCR e a Revolução Brasileira Teses do Comitê Central aprovadas no III Congresso do Partido Comunista Revolucionário, realizado em agosto de 2003” (disponível aqui https://pcrbrasil.org/wp-content/uploads/2010/06/O-PCR-e-a-Revolu%C3%A7%C3%A3o-Brasileira.pdf). Tal texto, com várias citações diretas de Stalin. O PCR diz “O Governo Revolucionário dos Trabalhadores, apoiado no proletariado, no campesinato, nos intelectuais revolucionários, na juventude, nos pequenos e médios empresários patriotas, nos trabalhadores e no povo em geral, estabelecerá o novo poder, o poder popular, e adotará um conjunto de medidas para mudar as bases da vida econômica e política do país”. Em outra parte, o texto de 2003 do PCR reivindica explicitamente uma frente popular. Eles dizem “Pela construção de uma frente popular”. E afirmam “Em todas essas lutas, com certeza, variados setores do povo se colocarão ao lado da classe operária e dos trabalhadores. Cabe, pois, ao Partido apresentar palavras de ordem concretas que unifiquem todos esses setores numa grande Frente Popular antiimperialista, que faça avançar e desenvolver a organização e a consciência dos trabalhadores e das massas populares. Em outras palavras, nosso Partido deve apresentar reivindicações que expressem os interesses imediatos das massas (luta contra a ofensiva do capital, fim do desemprego, confisco das terras dos latifundiários e reforma agrária, contra a repressão, defesa da soberania nacional, etc.)”. Não temos o intuito de analisar em profundidade neste especial o desenvolvimento do PCR. Mas conforme se vê, até onde percorremos, nele se mantem a matriz etapista e frente-populista do que já comentamos antes.

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